A presidente Dilma Rousseff, vítima da repressão da ditadura militar, chorou enquanto discursava na cerimônia oficial de entrega do relatório da “Comissão da Verdade”, expressando um sentimento geral dos brasileiros de indignação com torturas e mortes praticadas por “agentes públicos, pessoas a seu serviço, com apoio ou no interesse do Estado”, como definido pela comissão. Entretanto, para além da controvérsia jurídica em torno da lei da anistia – que seria aplicável aos presos e exilados tanto quanto aos agentes de segurança – existe uma imprecisão na análise e nas recomendações da Comissão da Verdade: estão responsabilizando o Estado e a estrutura de poder da ditadura, ou os seus executivos nos diferentes níveis hierárquicos? Se o crime foi do Estado ditatorial, ao Estado cabe a responsabilidade e não aos que estavam a seu serviço. Se, por outro lado, se responsabiliza os agentes diretos pelas tortura e morte, não se estaria inocentando a ditadura desses crimes? Quando a comissão decidiu se limitar aos “crimes do Estado”, evitando tratar de eventuais violências da esquerda armada, estaria considerando a responsabilidade das instituições e não dos seus membros. Adolf Eichmann e outros criminosos de guerra do nazismo cometeram crimes que não eram orientação do Estado nazista, ou, como pretendia Eichmann, eram apenas funcionários do terror nazista? Neste sentido, ou a Comissão responsabiliza as Forças Armadas como instituição hegemônica na ditadura militar, sendo portanto responsáveis pelas tortura e morte como políticas de Estado, ou, responsabilizando os agentes (oficiais e soldados) por estes crimes, estaria isentando a instituição de culpa pelos excessos. O Estado ditatorial não seria, portanto, uma instituição violenta e criminosa. Toda esta reflexão, contudo, não diminui o mérito da “Comissão da Verdade” por desvendar os fatos e a violência da ditadura, identificar as vítimas e apontar os agentes que se destacaram nos crimes de tortura e morte.