Helga Hoffmann

Tremores de terra de magnitude 4 a 6 foram sentidos na Coreia do Sul e na China no fim de semana passado, quando a Coreia do Norte completou seu 6º teste nuclear. Anunciou que havia detonado uma bomba de hidrogênio. Autoridades da China e do Japão disseram no dia seguinte que o monitoramento do ar não detectou radiação. Tóquio pôs em operação “aviões farejadores” que identificam partículas radioativas depois que monitores chineses detectaram um segundo terremoto pouco depois do primeiro, o da detonação, o que poderia indicar afundamento da rocha por cima da explosão subterrânea e risco de vazamento radioativo. Ali nos arredores o temor não é só de bombas futuras.

A condenação à Coreia do Norte por mais este novo teste nuclear é universal, enquanto se discutem as opções sobre como enfrentar as novas provocações do ditador Kim Jong Un[1]. Os termos da reação diplomática dos Estados Unidos deixaram o mundo em dúvida: estariam ameaçando com intervenção militar? “Só pode falar em contra-ataque militar quem estiver considerando implicitamente destruir a Coreia do Sul e por em perigo Tóquio e seu entorno; sem isso é só falação” – declarou à imprensa o ex-ministro de Relações Exteriores da Alemanha, Joschka Fischer.[2] A opinião pública internacional parece sentir que só existe o caminho da diplomacia, e este já é doloroso o suficiente. Só assim se explica a reação tão comum que ouvimos aqui: “a não, não me fala em Coreia do Norte, não quero nem pensar, com aqueles dois loucos!” Pois a retórica de Trump foi percebida como tão perigosa e errática quanto a do ditador da Coreia do Norte Kim Jong Un.

Quando no início de agosto se difundiu a notícia de que a Coreia do Norte havia lançado um míssil balístico que teria capacidade para alcançar a costa leste dos Estados Unidos, correu mundo, também, o comentário de Trump: se a Coreia do Norte continuasse a ameaçar os Estados Unidos, enfrentaria “fogo e fúria como o mundo nunca vira”. A preocupação só fez aumentar, e a crítica mais benigna às palavras de Trump foi “unhelpful”, de pouca ajuda. O senador republicano John McCain não foi o único a notar que aquelas palavras eram “clássico Trump ao exagerar as coisas” e podiam escalar o confronto com a Coreia do Norte pondo em perigo a Coreia do Sul.

Trump parecia apoiar-se em defensores de opções militares. Ver uma entrevista do republicano nacionalista John R. Bolton sobre a crise atual na península é aterrorizante. Quer “extirpar” o regime de Pyongyang e diz que sanções são ineficazes. E porque são ineficazes? Lá veio a bravata: “Aquilo não é uma economia, é um campo de prisioneiros”. Não reparou que o que os norte-coreanos chamam de “período especial”, a época da grande fome dos 1990s, ficou para trás (por certo em Pyongyang, ainda que haja miséria nas regiões montanhosas afastadas da capital). Logo depois do lançamento do míssil balístico norte-coreano de mais longo alcance, no fim de julho, apresentou três opções militares, já que para ele é a fraqueza dos Estados Unidos que explica a proliferação nuclear: 1)ataque preventivo às instalações nucleares e às bases de lançamento e de submarinos, por ar e mar; 2)esperar que norte-coreanos lancem um míssil em direção à América e então destruí-lo (opção que acha arriscada porque os serviços de inteligência são imperfeitos e uma cidade americana poderia ser atingida antes de os militares responderem); 3)usar forças especiais para “decapitar” (sic) o comando nacional, semeando o caos, e então entrar por terra a partir a Coreia do Sul, para tomar Pyongyang, ativos militares e mais território. Sobre os perigos para a população civil em Seul só diz que, junto com o ataque, será preciso “neutralizar o máximo possível a capacidade retaliatória do Norte”. Acrescenta que obviamente seria preciso obter a concordância da Coreia do Sul e do Japão. Uma vez iniciada a ação militar tratar-se ia de convencer a China a apoiar a unificação das duas Coreias.[3] Pelo visto Bolton jamais leu uma linha de estudos sul-coreanos que calculam as dificuldades da unificação.

Não é atoa que “declinistas” estão reemergindo nas análises sobre o papel futuro dos Estados Unidos no mundo. Não sabemos se Kim Jong Un leu o artigo do Wall Street Journal, mas a escalada continuou, no mês seguinte veio o teste da bomba de hidrogênio de domingo 3 de setembro. Kim Jong Un entende a capacidade nuclear da Coreia do Norte como condição da permanência do seu regime.[4] Há preocupação de novo teste 9 de setembro, quando norte-coreanos festejam seu Dia da Independência.[5]

Dessa vez a diplomacia americana acusou a Coreia do Norte de “implorar pela guerra”, nas palavras de Nikki Haley, Representante dos Estados Unidos junto à ONU, durante a sessão de emergência do Conselho de Segurança. Os Estados Unidos apelaram por “sanções as mais fortes”. Passada uma semana do teste, está claro que não há boas opções. Por enquanto prevalece entre os assessores de Trump a tese de um reforço das sanções comerciais e financeiras. Mas nesse caso a capacidade dos Estados Unidos por si só é limitada.  É possível que por trás da proposta de reforçar sanções esteja a ideia de uma pressão conjunta da Coreia do Sul, Japão e Estados Unidos antes de negociações com King Jong Un.

Falta perguntar aos russos. E, antes de tudo, aos chineses, de longe os principais parceiros comerciais do pequeno vizinho. Nem mesmo deveriam contar como automática a concordância do Presidente sul-coreano Moon Jae In, recém- eleito, que criticou o acordo do escudo antimíssil com os Estados Unidos durante a campanha eleitoral. Trump continua ameaçando pelo twitter, 7:46.07 da manhã de 3 de setembro, terça-feira: “A Coreia do Sul está descobrindo, como eu disse a eles, que sua conversa de conciliação com a Coreia do Norte não vai funcionar, eles só entendem uma coisa!” . Indagado dia seguinte se pretendia atacar a Coreia do Norte, respondeu: “Vamos ver o que acontece… Certamente essa não é nossa primeira opção, vamos ver o que acontece.”

Em favor de uma frente comum com a Coreia do Sul, Trump aumentou a venda de armas e reduziu restrições técnicas. Teria ainda que recuar da sua ameaça eleitoreira de romper o acordo de livre comércio Korus (Korea-US), negociado durante a administração George Bush e assinado entre os Estados Unidos e a Coreia do Sul em 2012, e até agora considerado elemento central da aliança entre os dois países. A ameaça de rompimento do Korus pode agora ser usada como elemento de pressão política sobre Seul. Ainda enfrentando as críticas internas dos que defendem Korus, inclusive da Câmara de Comércio, Trump subiu o tom prometendo um pacote que amplia sanções unilaterais: quer suspender o comércio com todos os países que tenham relações de negócios com a Coreia do Norte. Concretamente isso significa a China, responsável por mais de 80% dos fluxos de comércio do vizinho.

Moscou e Beijing, embora prefiram uma Coreia do Norte não nuclear, nunca favoreceram sanções. Relutantemente concordaram no Conselho de Segurança da ONU com um embargo a produtos de luxo, aos quais de qualquer modo só os donos do poder em Pyongyang tinham acesso. Quando ficaram mais graves as ameaças de Kim Jong Un, o Conselho de Segurança da ONU conseguiu, em agosto, aprovar por unanimidade um reforço das sanções, com o embargo a exportações norte-coreanas de carvão, ferro e chumbo, um corte de uns US$3 bilhões em sua receita de exportações.

Convocado o Conselho de Segurança da ONU esta semana, ainda não há acordo para ampliar o embargo. Além de um embargo de petróleo os Estados Unidos querem embargar texteis, proibir que se empreguem trabalhadores norte-coreanos no exterior (o que significa China, mais uma vez) e proibir Kim Jong Un de sair do país.  A China e a Rússia resistem a mais sanções, por diferentes motivos. Putin defende a volta de um diálogo direto com o regime de Kim Jong Un, para que este congele os testes de bombas e mísseis em troca de redução de exercícios militares Estados Unidos-Coreia do Sul, inclusive exercícios navais em águas próximas da China. Diz que é impossível intimidar o regime de Kim. Isso é inaceitável para os Estados Unidos, mas é precipitado dizer que é inaceitável para todos os aliados.

Putin está buscando o apoio do Presidente sul-coreano Moon Jae In, com quem se reuniu esta quarta-feira em Vladivostok ostensivamente e com muita publicidade, para discutir Coreia do Norte. Moon Jae In e Vladimir Putin insistiram que se encontraria uma solução política, que não haveria guerra na península.

Em Vladivostok, a maior cidade portuária da Rússia, aconteceu 6-7 de setembro o 3º Forum Econômico Oriental. Além do presidente Moon Jae In estava lá o ministro das relações exteriores da China, Wang Yi, bem mais discreto. Não precisa de retórica porque a China é de todos o ator mais relevante em qualquer resultado. É de longe o principal parceiro comercial e, por sua imensa fronteira comum, seria o maior prejudicado por um colapso econômico e o caos no país vizinho.  Wang Yi repetiu em Vladivostok que sanções são apenas uma parte da solução e deveriam ser usadas junto com diálogo e negociações.

Perdidos nessa confusão toda ainda é possível achar, de tempos em tempos, um ou outro coreano no mundo da lua, sonhando com a utopia de um tratado de paz entre a Coreia do Sul e a do Norte que deixe de fora toda a interferência externa. Será?

[1] O Brasil e seus parceiros do BRICS “deploraram” o teste na declaração final da cúpula em 4 de setembro.  No mesmo dia o Presidente da Agência Internacional de Energia Atômica, Yukiya Amano, descreveu a Coreia do Norte como “ameaça global”. O Secretario Geral da ONU Antonio Guterres, ao condenar os testes em nota de 3 de setembro disse que desestabilizam a “segurança  regional e internacional” e “minam os esforços internacionais de não proliferação e desarmamento”.

[2] Spiegel online, 6 de setembro de 2017.  Na grande área metropolitana de Tóquio está 20% da população japonesa. As praias da costa oeste do Japão, a 1000 km da Coreia, são alcançáveis de barco em um dia.

[3] John R. Bolton, The military options for North Korea, The Wall Street Journal, 2 de agosto de 2017.

[4] Prevalece entre especialistas a opinião de que o ditador busca a capacidade nuclear porque viu o que aconteceu com outros ditadores que não conseguiram ter tais armas.

[5] Oficialmente Dia da Fundação da República, na República Popular Democrática da Coreia, desde 1948.