Luiz Otavio Cavalcanti

Hannah Arendt disse que só é possível fazer política com duas pessoas. Pelo menos. Porque política é construção a dois. Se isso é verdadeiro, política é diálogo.

Sob a política, o século XXI se vê ameaçado. Há um duelo reencarnado entre o antigo e o moderno. Entre o corte populista e a operação institucional. Na prática, os valores da democracia e dos direitos humanos estão sob o crivo do radicalismo. E da disfuncionalidade.

Na Europa Ocidental, o populismo foi contido. O francês Emanuel Macron derrotou a extremada de direita, Marine Le Pen. O ex premiê italiano Berlusconi permaneceu em prisão domiciliar por um ano. E ainda não pode se candidatar. A alemã Ângela Merkel está costurando a política de centro com os carreteis do social liberalismo.

No entanto, na Europa Oriental alastra-se o autoritarismo populista. O re entronizado czar, Vladimir Putin, no poder há dezoito anos, vai ser reeleito para mais seis anos de mandato. Na Hungria e na Eslováquia os radicais têm conseguido avanços.

O primeiro combustível, que atiça este incêndio, é o desemprego. Que infla o temor do futuro. A insegurança decorrente das mudanças intranquiliza famílias. Há uma correlação entre medo e violência. A fragmentação social gera formas violentas de as pessoas reagirem. A política, como valor, perde espaço. Cede lugar ao discurso radical. É tomada por conceitos inflamados. E por gesto desmedido.

Nos Estados Unidos, a arquitetura republicana dos Federalistas sofre ataque inesperado. O que explica Trump ? A desigualdade renitente na sociedade americana. O atraso do centrão, incrustado nos redutos mais conservadores tanto de Republicanos quanto de Democratas, imobiliza as reformas. É um tipo de peemedebismo temperado Tennessee acima.

Por trás de Trump há um grito parado ano ar. Um clamor. Um pedido de socorro da parte da comunidade americana mais pobre. É o que pode acontecer em sociedades desiguais. E que não conseguem equilibrar-se na falta de reformas sociais mais justas.

No Brasil, o de que menos precisamos é do discurso de Gleisi Hoffman e de Lindberg Farias. Eles tomaram o caminho mais fácil para desconstruir instituições. Para desacreditar a palavra. Para minar a confiança. Para fragilizar a política. Aliás, Bolsonaro deve estar adorando a via que aqueles senadores tomaram. Porque quanto mais radical for o PT, mais força dão a Bolsonaro.

É lógico. Havendo radicalização de um lado, legitima a radicalização do outro lado. Destrói-se a possibilidade de encontro. E política é encontro. Quando não se dá vez ao encontro na política, prevalece o niilismo. E o niilismo, estéril por si, não semeia alternativas. Política sem alternativas de encontro desemboca em conflito.

Quando o conflito substitui o encontro na política, abre-se um terreno perigoso na sociedade: a falta de coesão. Toda sociedade, para sobreviver produtivamente, precisa de níveis aceitáveis de coesão. Uma sociedade cindida no desafeto e no ódio é uma sociedade sem horizonte. A sociedade coesa é filha do afeto nascido do encontro político.

Bolsonaro, Gleisi Hoffman e Lindberg Farias são condôminos de um mesmo projeto: o Partido radical. Como lhes falta o cálculo da razão e do argumento, usam a corda da emoção desatinada. Há uma como que sandice própria de um sentir de fim de mundo.

Analistas indagam porque a povo não voltou à rua. Tenho um palpite: escutem o silêncio das ruas. Depois que passar o delicioso ruído do Carnaval, tão dionisíaco quanto apolíneo, ouçam o silêncio do povo. Interpretem sua quietude. Observem sua indignação contida. Sua atenção pronta. Seu ceticismo. E sua esperança.

Os romanos falavam da “corruptio optimi péssima”. Ou seja, nada pior que a corrução dos melhores. Alguns de nossos melhores se corromperam. Mas há uma brecha no afeto. Afeto é agente modificador no comportamento. Tem a ver com experiências positivas, vividas com outras pessoas. Na política, o afeto distingue a boa e a má política. Na boa política, o afeto indica democracia e República. Na má política, o afeto sugere totalitarismo e racismo.

É urgente reconstruir o afeto na política. A forma como agimos na política reflete o modo como atuamos na vida.