Sérgio C. Buarque

Lula e Fernando Henrique Cardoso distribuindo panfletos durante as Greve do ABC.

Lula e Fernando Henrique Cardoso distribuindo panfletos durante as Greve do ABC.

Sempre que se aproximam as eleições, o PT-Partido dos Trabalhadores, liderado pelo ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva, retoma o discurso da luta de classes se apresentando como o representante do povo contra a elite (que aparece como uma incitação racista quando falam da “elite branca”). A elite é tratada então de forma pejorativa como o vilão, símbolo do mal e do atraso, reagindo aos propalados avanços dos governos petistas, tão mistificados e imprecisos quanto o próprio conceito de elite. Aurélio Buarque de Holanda Ferreira ensina que elite é “o que há de melhor em uma sociedade ou num grupo” ou a “minoria prestigiada e dominante no grupo, constituída de indivíduos mais aptos e/ou mais poderosos”. Neste sentido, a elite não é o grupo de ricaços insensíveis e cruéis de uma nação, como tende a espalhar o discurso petista. Pela definição acima, a elite pode ter dois recortes diferentes, nem sempre articulados: a elite intelectual, formada pelos mais cultos e preparados cidadãos, o que não é nenhum demérito; e a elite política, constituída pelas pessoas ou grupos sociais com posições significativas de poder na sociedade, lideranças de partidos, de organizações e de governos.

 

Desde a década de 90, o PT divide com o PSDB-Partido da Socialdemocracia Brasileira a elite intelectual e a elite política do Brasil, alternando o controle das instâncias de poder e compartilhando o apoio e a simpatia dos principais pensadores brasileiros. Desde que assumiu o governo em 2002, contudo, o PT foi ampliando posições na estrutura de poder, predominando claramente na elite política brasileira. Embora o poder não se restrinja ao controle das instâncias do Estado, parece indiscutível que o Partido dos Trabalhadores é hoje o mais poderoso do Brasil com posição destacada no Estado e irradiação em movimentos sindicais e sociais, formando uma forte elite política. No entanto, este movimento de fortalecimento político foi acompanhado de um contínuo e rápido distanciamento da intelectualidade brasileira, desta parcela da elite que, mesmo sem poder, pensa, formula, analisa e (o que é pior para o governo) critica. E foi precisamente por esta capacidade de pensar e analisar que os intelectuais, muitos dos quais fundadores do partido, foram se afastando e questionando a prática política do PT e sua elite política no governo e na busca continuada de ampliação e consolidação do poder.

 

É isso que, seguramente, incomoda os petistas gerando esta aversão e desprezo pelos intelectuais e pela elite intelectual brasileira. Embora possam se regozijar de ser o partido do povo e dos pobres contra a elite (no caso, a elite intelectual), deve ser duro para o PT perceber a debandada geral de intelectuais de peso. O intelectual costuma pensar para além das emergências, formular e analisar a complexidade da realidade e das decisões, antecipar os impactos e os desdobramentos das escolhas. Os intelectuais discutem ideias e propostas e procuram se fundamentar em dados, em informações ou em conceitos, fugindo dos slogans e frases de efeito do competente comunicador de massas. Tudo indica que Lula já conseguiu difundir a ideia de que a elite brasileira odeia o PT. Mas a verdade é que o PT, Lula e Dilma mostram um ressentimento profundo com os intelectuais, aliados e admiradores do passado que agora não escondem sua decepção com a elite política no poder, e ousam criticar os “iluminados” representantes do povo.