Elimar Pinheiro do Nascimento

A pergunta feita no título, antes das urnas abertas, é uma temeridade. A diferença é grande entre os candidatos, em favor de Bolsonaro, e, exceto um “milagre”, o resultado está decidido. E “milagres” não acontecem todos os dias. São raros. Mas, acontecem. Há indícios de alguma mudança, movimentos sutis, nesta semana, mas quase todas dentro da margem de erro, em favor de Haddad. De toda forma, é bom se prevenir, pois no primeiro turno ocorreram surpresas, sobretudo em MG e RJ. E o PT vem fazendo uma campanha muito forte contra o candidato do PSL, tentando caracterizá-lo como defensor da tortura, da ditadura militar, contra os diretos das mulheres, negros e todas as minorias.

A vitória de Bolsonaro será uma enorme surpresa, considerando as avaliações que se faziam há um ano. Poucos imaginavam que ele superaria a barreira dos 20% de votos. Afinal, o capitão foi um deputado federal medíocre, eleito pela primeira vez em 1991. De 1989, quando foi eleito vereador, até hoje, já esteve em sete partidos políticos. Como deputado federal, foi um típico membro do baixo clero, sem qualquer destaque nas comissões ou no plenário. Exceto mais recentemente, com suas defesas da ditadura militar (ingressou no Exército na era mais dura do governo militar) e da tortura.

Não adianta dizer que é o povo o responsável pela ascensão de alguém despreparado e muito pouco amigo da democracia, menos ainda dos direitos humanos; não adianta afirmar que os brasileiros não sabem votar, e não têm instrução. Todos os perdedores dizem isso. Falou-se no mesmo tom quando o Collor de Mello foi o vencedor. Era o voto dos descamisados. O eleitor erra e muito. Mas sempre está certo nos seus interesses e motivações. Ele foi movido por repulsa pelo que “está aí”. Não tem sentido dizer que o Bolsonaro é deputado há mais de duas décadas e que esteve uma delas no PP, partido conhecido pelo fisiologismo e corrupção. Apesar de sua biografia, ele encarnou, para a maioria dos eleitores que queriam mudanças, a possibilidade desta mudança.

Respostas genéricas, como sendo o resultado da onda de direita que se observa no mundo inteiro, não explicam muita coisa. Nas eleições presidenciais do México, ainda este ano, ocorreu um resultado inverso. Venceu o candidato de esquerda. Os democratas tendem a vencer na Câmara dos Deputados nos Estados Unidos no dia 5 de novembro. A onda do conservadorismo é real, inclusive em relação à velocidade das mudanças sociais, mas ela se exprime em cada país, em cada local, de maneira distinta. E nem sempre vitoriosa.

Também não adianta buscar uma causa única, ou um responsável isolado. Sem dúvida o PT contribuiu, e muito, ao decidir manter um candidato contra todas as opiniões. A maioria dos analistas previam que um candidato de uma frente dos partidos democratas e de esquerda, sob comando de Ciro Gomes, teria mais chances de vencer Bolsonaro. Lula preferiu o projeto de manter o partido acima dos interesses nacionais. Venceu a aposta. O PT sai das eleições maior do que se esperava. A expectativa era que sairia completamente derrotado. Não só garantiu a presença no segundo turno, como perdeu pouco, dois governos (MG e Acre) e talvez ganhe mais um, RN, mas garantiu Piauí, Ceará e Bahia; tinha 65 deputados federais e agora tem 56. No Senado começou em 2011 com 12 e hoje tem nove. Conseguiu eleger quatro.

Contribuíram para a vitória do Bolsonaro, também, os partidos democratas de centro. PDT, REDE, PSDB, MDB, PV e Podemos, entre outros, não quiseram se unir em torno de uma candidatura única. Perderam todos, e de forma vergonhosa, com exceção de Ciro. Alguns buscaram o caminho tradicional do tempo de TV e apoio partidário. Todos tomaram posições ambíguas. Nenhum entendeu o sentimento popular de repulsa à política estabelecida, e os problemas chocantes que a população vive, em particular o desemprego e a violência. E quando entenderam,  não souberam traduzir a mensagem de mudança.

De forma idêntica, contribuiu a classe política em geral, que não deu a mínima importância aos sinais de insatisfação da sociedade brasileira, manifesta desde os protestos de 2013. Uma classe política corporativa, insensível, formada, em sua maioria, por políticos de pequena estatura. Venceu a repulsa. Não de maneira global, pois nem todos foram atingidos. Mas nas eleições presidenciais, perderam todos os que tiveram posições ambíguas sobre as mazelas da classe política. A REDE tentou ficar isolada, assim como o NOVO, mas, se o segundo teve um pequeno sucesso, porque tinha mais cara de novo, a REDE, com sua líder, mergulhou na timidez. Sem posições claras e fortes sobre os motes da campanha.

Chegaram ao segundo turno os polos extremos, e por cultivarem os extremos. Bolsonaro contra o PT e o PT contra Bolsonaro. Duas opções claras e contundentes. Nenhuma efetivamente nova, mas sabendo interpretar os sentimentos mais fortes da população. Bolsonaro galvanizou o sentimento de insegurança e medo, o de repúdio aos que estão no poder e, finalmente, o sentimento de conservadorismo que emergiu na sociedade em reação às políticas sociais do PT. Mas também contra a arrogância petista. Haddad conseguiu representar o sentimento de defesa dos direitos, mas, sobretudo, o saudosismo dos anos do governo Lula, quando a pobreza se reduziu graças à dinâmica econômica, à elevação real do salário mínimo, ao fortalecimento das políticas sociais e à disseminação do crédito.

A vitória de Bolsonaro não se deve apenas ao jogo eleitoral. Foi preparada por ele, mas também pelo desastre que o governo Dilma criou no país, e que Temer não conseguiu reverter completamente. A estagnação econômica é um dos fatores de insatisfação que o capitão conseguiu converter em apoio.

Bolsonaro mostrou que não é preciso muito dinheiro, nem TV, nem apoio de partidos e governadores para ganhar eleição. Tudo o que a tradição política prega. Mostrou que basta saber mobilizar eleitores, sensibilizá-los, motivá-los, fazê-los acreditar na mudança que desejam de forma difusa, e que ele representa esta mudança. Inculcar na população que ele pode conduzir esta mudança.

Por isso, não se deve retirar os méritos do Bolsonaro. Vence pelos erros dos adversários, mas também por seus acertos. Soube, como ninguém, usar as redes sociais, e desde 2014. Dialogar com seus seguidores, sem palavreado burocrático, mas ativo, envolvente, entusiástico, radicalizando as posições para passar a ideia de força. O ritual da violência é evidente. Mas  a violência faz parte da cultura popular brasileira. É na “pancada” que os meninos (e meninas) de classes sociais menos favorecidas são criados/as. Pancada dos pais, dos irmãos mais velhos, dos colegas mais fortes. Um Brasil cordial é uma ficção de bairros nobres.

Nenhum líder conseguiu comover tantos adeptos com tão poucos instrumentos. Multidões movidas sem sindicatos, nem aparatos organizacionais, sem veículos alugados ou pessoas pagas, no puro voluntariado, que se acreditava não teria mais lugar na política. Multidões mobilizadas pelas iniciativas individuais, utilizando as redes, particularmente o WhatsApp e o Twitter. Um fenômeno que vai levar tempo para entendermos plenamente.

Enganam-se, contudo, um e outro candidato, se julgam que os votos que recebem são votos em suas plataformas. Entre os eleitores de Bolsonaro há os que se opõem ao aborto e ao homossexualismo; há os que concordam que “bandido bom é bandido morto”; há os que acreditam que o “mito” vai mudar a cultura política do país, prender os corruptos e mudar as instituições burocráticas, além de gerar emprego. Mas há uma massa considerável que vota contra o PT, por raiva dos petistas, considerados corruptos e prepotentes. Votariam em Barbosa, se candidato fosse. Da mesma forma, entre os eleitores de Haddad há os que concordam com o PT, mas estes convivem com uma massa de cidadãos que votam contra o Bolsonaro, considerado fascista. Não tecem, necessariamente, simpatia pelo PT. Votariam igualmente em Ciro.

Ganhou uma das visões do passado, pois na essência o pleito eleitoral foi um confronto de duas visões do passado: o dos militares no poder, que no imaginário de alguns foi uma época de segurança e prosperidade; e o do pleno emprego do governo de Lula. Nenhum representou o futuro.  Ao contrário, suas promessas apenas afundarão de vez o Brasil, caso o vencedor tenha a insanidade de tentar realizá-las, ou se decidir não realizar as reformas da previdência e fiscal, entre outras, sobre as quais silenciaram ou a que se opuseram.