Daniel Sousa Buarque

O músico B.B. King, aclamado “rei do blues”, morreu aos 89 anos na semana passada, após passar décadas encantando o mundo com suas músicas marcadas por uma voz profunda e pela guitarra, que parece chorar em suas mãos. Talvez mesmo sem se dar conta, ao partir King deixava para seus súditos uma vasta e magnífica obra que serve perfeitamente para homenageá-lo, como um réquiem que pode ser ouvido para lamentar a perda, celebrando o que foi feito em vida.

King foi por décadas um sinônimo internacional do blues, música que marcou sua carreira. O blues é a música do lamento por excelência. Surgido das mãos de comunidades negras do Sul dos Estados Unidos, o gênero é fortemente ligado à melancolia e à tristeza, sentimentos associados à cor azul na língua inglesa, e que se encaixam perfeitamente no vazio deixado pelo rei ao morrer. King é creditado por ter ajudado a tirar a música negra do sul dos Estados Unidos do seu “gueto” e levado ela ao mundo. Ele levou como ninguém a poesia melancólica do blues para as massas, e deixou pronta uma obra completa para que todos possam celebrar seu nome.

Apesar dos lamentos e da melancolia associada ao estilo musical, o rei teve uma vida fantástica. King tinha o rei no próprio nome. Nasceu Riley King, em 1925 em Berclari, Mississipi, o “sul profundo” de um país marcado pelo racismo. O nome B.B. vinha de “blues boy”, apelido que ganhou nos anos 1940, e mesmo com mais de 80 anos, quando era ajudado a subir no palco, ele ainda ficava parecendo um garoto sempre que se abraçava a Lucille, sua guitarra.

Lucille, afinal, era o grande amor da sua vida. Casado duas vezes, pai, segundo suas próprias contas, de “15 filhos com 15 mulheres diferentes”, ele contava repetidas vezes a história de quando, em 1949, um bar em que ele tocava pegou fogo durante uma briga, e ele enfrentou as chamas para recuperar sua guitarra. Quando descobriu que a briga havia ocorrido por conta de uma mulher chamada Lucille, passou a se referir assim a todas as suas guitarras – essas, inseparáveis.

Em 1941, aos 16 anos, órfão e trabalhando em uma plantação de algodão, ouviu o blues pela primeira vez no rádio, e se apaixonou. Passou a trabalhar como DJ e a escutar e absorver tudo o que havia sido produzido no estilo, o que virou sua formação musical. King chegou às paradas de sucesso musical ainda em 1951, com “ThreeO’Clock Blues”, mas ele considerava que foi em 1968 que rompeu as barreiras do preconceito racial que ainda existia nos Estados Unidos e passou a ser reconhecido por todos como o rei do blues.

Em 1969, pouco depois do seu segundo divórcio, B.B. king lançou “The ThrillisGone”, provavelmente seu maior sucesso. A música havia sido composta para Roy Hawkins, que a gravou originalmente em 1951, mas se tornou o hino de B.B. King, catapultando seu sucesso para todo o mundo. Ouvir agora à canção cria uma forte emoção, como se sua partida pudesse ser associada ao “thrill”, à perda da empolgação de que fala a música.

B.B. King ganhou 15 prêmios Grammy, tem uma estrela na calçada da fama de Hollywood e é parte dos Halls da fama do Rock e do Blues. Sempre que alguém fala de blues, de uma forma ou de outra, fala de B.B. King. E, considerando que o rock e o pop surgiram a partir daquela batida e daqueles acordes do blues, o estilo vai continuar vivo, e com ele, o seu rei. A exemplo de Mozart, que morreu enquanto finalizava seu réquiem, em 1791, pode-se dizer que a obra de B.B. King também ficou aberta, incompleta, e que vai caber a todos os seus discípulos continuar tocando o blues sem nunca dar um fim ao estilo.

“Eu queria conectar minha guitarra a emoções humanas”, disse o rei em sua autobiografia. A tristeza pela sua morte levou fãs e pessoas que nem mesmo o conheciam muito bem a mergulhar novamente em sua obra. Logo após sua morte e ao longo da última semana, suas canções e vídeos em que aparece tocando se tornaram os mais buscados em serviços de streaming de vídeo e música pela internet. Por mais que isso aconteça com frequência com qualquer artista morto, nenhum outro tem uma obra tão perfeitamente desenhada para afogar as mágoas. Um blues do rei se encaixa perfeitamente em uma semana para celebrar tudo o que King fez pela música. Ele conseguiu como poucos criar uma conexão musical com as emoções.

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