Sérgio C. Buarque

Gráficos.

Em mais uma tentativa para mostrar que não existiria déficit na Previdência social, está sendo divulgado na rede social um cálculo realizado pelo cientista político Itamar Portiolli comparando a contribuição de um trabalhador para a previdência e o seu retorno em benefício futuro. A simulação considera um trabalhador de salário mínimo que contribui com R$ 176,00 por mês (empregado e patrão) que, adotando um rendimento mensal da poupança de 0,68%, teria, ao final de 35 anos, um ativo total acumulado de R$ 422.784,02. Levando em conta a expectativa de vida média do Brasil de 75 anos e contando com uma aposentadoria aos 60 anos (média atual no Brasil), a simulação conclui que, ao longo da sua vida de aposentado (15 anos), o trabalhador receberia um total de R$ 158.400,00 de benefício, ou seja, 37,5% do ativo acumulado ao longo dos 35 anos.  Logo, mesmo nas regras atuais, não haveria déficit no sistema de previdência. Quase se poderia dizer, com base nesta simulação, que a Previdência é altamente superavitária e está, no fundo, se apropriando de ativos que constituiria poupança acumulada pelo trabalhador.

E por que os dados oficiais que comparam a arrecadação previdenciária e o total dos benefícios pagos mostram um déficit de quase R$ 80 bilhões (2015) só no Regime Geral da Previdência Social (INSS)? Porque a simulação do cientísta político tenta generalizar para um sistema de previdência um mecanismo de poupança individual no qual o trabalhador deveria contribuir continuamente por 35 anos continuada para iniciar os benefícios ao completar os 60 anos. Desta simulação com capitalização individual está totalmente excluída a possibilidade de antecipação da inatividade do trabalhador por invalidez ou de pensão para os seus dependentes. Ou seja, supondo que o trabalhador tivesse uma doença grave depois de 20 anos de contribuição, por exemplo, os seus ativos acumulados seriam muito menores, cerca de R$ 90 mil (mesmo com a exagerada remuneração da poupança adotada na simulação); se for um sistema de previdência e não apenas uma poupança individual, o INSS sistema teria assumir o benefício ao longo do restante da sua vida (30 anos se for considerada a expectativa média de vida) e, no caso de sua morte, a pensão dos dependentes.

A simulação do cientista político seria semelhante a um modelo de capitalização da previdência social (como os planos privados de aposentadoria) que calcula o que cada contribuinte gera ao longo dos anos e, baseado num cálculo atuarial individual (tendo a expectativa de vida média como referência), define quanto pode receber no resto da vida a partir do momento em que se aposenta. Os planos privados de previdência no modelo de capitalização não trabalham com aposentadoria por invalidez porque teriam que contemplar uma relação contribuição-benefício muito alta para incorporar o risco, que consideram inviável. O modelo de capitalização da previdência tem sido adotado como complemento ao sistema de previdência convencional oferecendo a cada trabalhador a decisão sobre a contribuição e os prazos para aposentadoria como se cada trabalhador administrasse o seu próprio fundo previdenciário. Mas, para incorporar o risco de invalidez o modelo de capitalização não pode adotar a mesma relação entre contribuição e benefício utilizada na simulação.

No modelo de previdência utilizado no Brasil – modelo de repartição – a contribuição feita em cada ano é utilizada para a distribuição dos benefícios (aposentadoria e pensão) no mesmo ano, sem formação de uma poupança. Ou seja, os R$ 176 reais de contribuição do trabalhador (e seu empregador) da simulação não serão acumulados como sua poupança individual de longo prazo sendo utilizados, no mesmo ano, para o pagamento dos benefícios daqueles que, por idade ou invalidez, já estão aposentados (independente da contribuição pessoal que tenham feito enquanto trabalhavam) ou dos seus dependentes.

No modelo de repartição atual não houve acúmulo de poupança da contribuição dos que agora estão aposentados e por uma razão muito simples: um grande número dos atuais beneficiários nunca contribuiu para a previdência social e, portanto, não agregaram recursos para que houvesse uma reserva, de modo que a contribuição do passado pagasse os beneficiários do presente. O caso mais claro é o dos trabalhadores rurais. Em 2015, o INSS pagava benefícios a 9,4 milhões de trabalhadores rurais, cerca de 32,4% de todos beneficiários do INSS, que, na sua esmagadora maioria (diaristas, safristas, agricultores familiares, etc.) nunca tinha contribuido para o INSS. Com seus R$ 176,00, este trabalhador hipotético da simulação do cientista político está participando do financiamento dos atuais aposentados e pensionistas que não contribuiram no passado. E quando ele vier a se aposentador, outros trabalhadores ativos vão financiar os seus benefícios. Mas a simulação omite uma tendência dramática no perfil demográfico do brasileiro com grande impacto nas estimativas: o número de inativos tende a crescer de forma rápida no futuro (em torno de 3% ao ano) e superior ao número de trabalhadores ativos que podem contribuir. De modo que, se não forem implementadas reformas no sistema de previdência, o déficit que, atualmente, já é muito alto, vai inviabilizar a previdência social nos próximos anos e décadas. O trabalhador hipotético que está agora contribuindo arrisca encontrar, depois de 35 anos, um sistema totalmente falido que foi consumindo sua contribuição ao longo dos anos e não consegue mais uma arrecadação suficiente para cobrir sua aposentadoria.

O sistema de previdência ideal deveria combinar um benefício mínimo para todos (no modelo de repartição) com um modelo de capitalização para os que tiverem condições e interesse em planejar uma aposentadoria confortável. O modelo de capitalização tem uma vantagem adicional para a economia pela formação de uma poupança nacional que pode servir como fonte de financiamento dos investimentos, principalmente num país, como o Brasil, com baixa taxa de poupança. Mas para a implantação deste modelo é necessário que se espere um tempo longo de acumulação de contribuições e que sejam alteradas as regras do sistema atual para evitar a implosão futura, incluindo a redução drástica dos trabalhadores que não contribuem. Os trabalhadores que não puderem, efetivamente, contribuir, deveriam ser transferidos para a assistência social de modo a não penalisar o orçamento da Previdência e explicitar a relação direta entre contribuição e benefício.

Os dados não mentem. Claro, os dados não falam! As interpretações e análises dos dados e, principalmente, as simulações, manipulando os números, esses sim podem mentir e distorcer a realidade. Mas, de qualquer forma, são úteis para provocar uma boa discussão.