Francisco Cunha

Quando iniciei minha vida profissional em 1982, o Brasil estava “quebrado”, ainda no regime autoritário-militar e vivendo um ciclo inflacionário arrasador que nublava qualquer perspectiva de futuro. Fomos à rua, exigimos eleições diretas para presidente, elegemos Tancredo Neves, votamos para presidente, vimos o povo mobilizado derrubar constitucionalmente o presidente eleito que traiu as expectativas geradas, vimos o Plano Real acabar com a inflação, reformas difíceis começarem a ser feitas, vimos um País melhor surgir da preocupação com as graves questões sociais. Hoje, o Brasil é outro. Precisa ainda avançar, e muito, mas não precisa mais ser “salvo” porque “já foi”… Tratam-se de ajustes de rumo, alguns bem grandes e exigentes, mas não se trata mais de “salvação” como em 1982.

Quando fundamos a TGI em 1990, Pernambuco “não tinha jeito”, estava “no fundo do poço”, no auge do período que depois apelidamos de “baixo astral” em relação ao futuro. Uma pessoa chegou mesmo a me dizer: “se quiser dar certo na consultoria, saia de Pernambuco porque aqui ninguém tem mentalidade para isso”. Não nos conformamos, pesquisamos, debatemos, discutimos, mobilizamos e fomos mobilizados por aqueles que não aceitavam o diagnóstico da falta de perspectivas e de futuro. Não demorou muito, a “joia da coroa pernambucana” que era Suape, começou a dizer para quê tinha vindo. Chegaram o Estaleiro Atlântico Sul, a Refinaria Abreu e Lima, a Petroquímica Suape, os chamados projetos estruturadores, e agora a montadora da Fiat ao Norte. O Estado passou anos seguidos crescendo mais do que o Brasil. Teve um ano mesmo (acho que 2011) que cresceu mais do que o Nordeste, o Brasil e o Mundo, algo absolutamente inusitado em décadas. Agora, ninguém tem mais dúvida de que Pernambuco “encontrou o seu caminho”. Como o Brasil, ainda tem muito em que avançar mas já está bem longe de precisar “ser salvo” como em 1990.
Quando, em 2006, voltei a andar sistematicamente pelas ruas do Recife (tinha passado mais de 20 anos praticamente só me locomovendo de carro e só andava a pé na Jaqueira ou na praia), tomei um grande susto com o que constatei. A cidade tinha se deteriorado dramaticamente neste tempo: calçadas destruídas e invadidas por carros; trânsito caótico e supercongestionado; fios emaranhados numa grotesca teia totalmente desrespeitosa para com a cidade; ruas inteiras transformadas em “corredores de penitenciária” (muros altíssimos e vedados, com cercas elétricas e, não raro, vigilantes armados em cima); o centro, que devia ser a sala de visitas da cidade, transformado numa esquecida e suja área de serviço; o rio Capibaribe poluído, cheio de lixo e escondido da cidade; praças, parques e jardins públicos deteriorados; as pessoas trancadas dentro dos seus carros, das suas casas ou dos seus trabalhos, com medo (mais imaginário que real) de sair na rua; além de diversas outras grandes e pequenas desgraças. Desde então, ficou claro para mim que a cidade precisaria ser salva (e não tínhamos muito tempo para isso) antes que caísse num abismo urbanístico do qual não retornaria jamais e, então, teríamos perdido o Recife (uma peculiaríssima joia de cidade histórica, arquitetônica, paisagística e cultural) para sempre.

Desde então, a consciência do caos e da necessidade de salvação da cidade aumentou muito. Cada vez mais gente tem chegado à mesma conclusão que eu, felizmente, apesar do sentido trágico desta constatação. Mas, diferentemente do Brasil e de Pernambuco, no Recife quase tudo ainda está, infelizmente, por fazer. Daí, a frase meio pretenciosa retirada de uma fala de improviso que fiz na apresentação da Agenda TGI 2014 em dezembro passado: “Nós já salvamos o Brasil, salvamos Pernambuco e agora precisamos salvar o Recife”.

Resolvi republicá-la neste artigo porque é isso que desejo no ano que se inicia: que o Recife seja uma cidade bem melhor para viver, como determinante central para que possamos ser felizes na cidade que escolhemos para viver. Desejar a felicidade dos recifenses nesse ano que se inicia é aspirar a melhorias significativas na cidade em que vivemos e que, convenhamos, está doente e, desta forma, compromete nossa felicidade pessoal. Ela ainda precisa ser salva e essa salvação requer a luta engajada de todos os seus cidadãos conscientes dessa necessidade imprescindível, num esforço, no momento, mais exigente que aqueles que foram feitos pelo Brasil e por Pernambuco nos seus devidos tempos. O tempo hoje é o do Recife. Por isso, meus votos de um bom ano para os recifenses inclui uma convocação para a luta regeneradora por um Recife bem melhor para viver. Só assim poderemos aspirar a futuros novos anos felizes.