João Humberto Martorelli

Ator Eddie Redmayne em The Danish Girl, filme sobre Lili Elbe, artista dinamarquesa e primeira pessoa a fazer a cirurgia de inversão de sexo, em 1882.

Ator Eddie Redmayne em The Danish Girl, filme sobre Lili Elbe, artista dinamarquesa e primeira pessoa a fazer a cirurgia de inversão de sexo, em 1882.

De vez em quando, o universo jurídico traz à lume questões fascinantes. Não tanto pela complexa e instigante necessidade de interpretação das regras legais, mas pela dimensão humana envolvida. Pesquisando uma matéria, deparei-me com o andamento do Recurso Extraordinário 845.779, de Santa Catarina, ora sob apreciação do Supremo Tribunal Federal. O processo revela ação de indenização, por danos morais, ajuizada por transexual contra um shopping center, ao fundamento de que teria sido impedido de entrar em banheiro de uso comum destinado ao público feminino e, devido ao nervosismo acarretado pela situação, não conseguiu controlar as necessidades fisiológicas, fazendo-as nas roupas. A ação de indenização ajuizada foi julgada improcedente, mas a parte recorreu ao Supremo, tendo o Ministro Barroso admitido o processamento do recurso por sua repercussão geral. Na proposta de admissão, o Ministro sustenta que o caso envolve a projeção social da identidade sexual do indivíduo, aspecto diretamente ligado à dignidade da pessoa humana e a diversos direitos da personalidade, tratando-se de questão constitucional saber se uma pessoa pode ou não ser tratada socialmente como se pertencesse a sexo diverso do qual se identifica e se apresenta publicamente, envolvendo a definição do alcance dos direitos fundamentais, especialmente daqueles referentes às minorias. Assim, agora, o Supremo Tribunal Federal poderá definir o padrão de conduta adequado em casos da espécie, orientando não só as partes diretamente envolvidas, como as demais instâncias do Judiciário. A definição é urgente. De fato, a sociedade brasileira ainda não sabe como portar-se diante do direito das minorias, bastando anotar que a ABRASCE, associação que envolve todos os shopping centers, publicou recentemente uma nota repudiando toda e qualquer ação discriminatória contra a população LGBT, garantindo-se seu acesso aos ambientes abertos ao público dentro das dependências do shopping, sem qualquer tipo de discriminação, inclusive no que diz respeito ao uso dos espaços segregados por gênero, como no caso dos banheiros, mas, ao mesmo tempo, salienta que, à falta de lei específica e de definição do assunto pelo Judiciário, cada estabelecimento deve atuar de acordo com o caso concreto. Ora, o caso concreto jamais será diferente: indivíduo biologicamente tipo homem, sentindo-se psicossocialmente mulher (ou vice-versa), com vontade de fazer xixi e, portanto, com pretensão ao uso do banheiro feminino. Isso pode ser chocante para quem nunca pensou no assunto, ou para quem pensou com a habitual carga de homofobia, mas é uma fascinante questão do universo jurídico. Vamos a ver como o Supremo vai resolvê-la.