No continuado embate sobre os juros, o Comitê de Política Monetária (COPOM) do Banco Central decidiu manter, nesta última quarta-feira dia 21 de junho, a taxa básica de juros (SELIC) em 13,75%, decisão que deve irritar Lula e seus ministros da Fazenda e do Planejamento. Haddad poderá se afastar de sua posição mais moderada e se aliar a Simone Tebet para assumir uma postura mais agressiva na crítica à política monetária. O debate assumiu, infelizmente, dimensão política e a controvérsia repousa na incompreensão do papel do Banco Central com relação à estabilidade monetária e sobre os determinantes da inflação onde expectativas e percepções dos agentes econômicos são fatores a serem levados em consideração.
O Presidente da República tem afirmado que a inflação brasileira não é de demanda, o que ocorre quando a procura por bens e serviços não consegue ser atendida pela produção (oferta). Com a demanda agregada crescendo acima da oferta, o resultado, em uma economia de mercado que funcione sem controle de preços, é inflação. Aumentar os juros inibe a demanda por bens, serviços e investimentos, dando um freio na economia e na inflação. Alguns acreditam que, só no caso de inflação de demanda, se justificaria elevar os juros. Não é assim.
O Brasil e o mundo têm tido choques de preços decorrentes da pandemia e da invasão russa da Ucrânia que conduziram a interrupções na produção e consequente escassez de insumos, matérias-primas e alimentos. Esta é, tipicamente, uma situação onde a inflação vem do lado da oferta. Portanto, Lula está certo, a inflação não é de demanda, aqui e no resto do mundo. Todavia, todos os bancos centrais subiram os juros, inclusive o nosso, mesmo sabendo que a inflação é de oferta. Por que? A resposta é que os bancos centrais são o xerife da inflação tendo como objetivo principal assegurar a estabilidade dos preços e a sua melhor e maior arma, embora haja outras menos poderosas, é a taxa de juros. Há, no entanto, outros fatores que alimentam a inflação e que precisam ser considerados pelo COPOM ao definir a SELIC.
Estes fatores são: a inflação corrente, avaliando-se seu núcleo e difusão; as expectativas dos agentes econômicos sobre a inflação futura; e a natureza da política fiscal. Se a inflação for alta e difusa, se as expectativas de inflação futura subirem e se o governo de plantão tiver um enorme e insaciável apetite para gastar, o Banco Central decidirá por manter ou elevar os juros com o objetivo de ancorar as expectativas em torno do centro da meta de inflação definido pelo Conselho Monetário Nacional (CMN).
Lembro que o Brasil adota o regime de metas de inflação desde a virada do século. Nos dois governos anteriores, Lula conviveu muito bem com este regime. A diferença é que, naquela época e na de Dilma, o Banco Central não tinha autonomia, mas agora é independente. E precisa sê-lo para não se submeter às pressões do Presidente incumbente para baixar os juros, como ocorreu entre 2015 e 2016, lançando o país a uma crise, econômica e política, traumatizante.
Observe a seguinte narrativa hipotética: suponha que a inflação é de oferta e que o Banco Central, pressionado pela Presidência da República fique inerte, não mexa nos juros. Nesta situação, os agentes econômicos irão identificar omissão da autoridade monetária para assegurar a estabilidade dos preços em meio a uma inflação crescente. Este vácuo decisório elevaria as expectativas de inflação pelos agentes econômicos que se materializariam no futuro em mais aumentos de preços, gerando uma espiral inflacionária. E se o Executivo Federal tiver uma política fiscal expansionista, seria adicionado um componente de demanda na pressão sobre os preços, vindo agora de aumentos significativos nos gastos públicos.
Portanto, mesmo que a inflação seja de oferta, o Banco Central tem que levar em consideração as expectativas de inflação futura e buscar trazê-las para o centro e entorno da meta que, no Brasil, agora é 3,25%, com teto de 4,75% e piso de 1,75%. Além disso, é necessário harmonizar a política fiscal com a monetária. Para combater a inflação, uma rígida política monetária é condição necessária, mas não suficiente. Não se controla inflação com juros altos, baixa liquidez pari passu a aumentos desenfreados das despesas públicas. Portanto, o nível atual dos preços, a curva de expectativas de inflação e a harmonia entre as duas políticas macroeconômicas são cruciais para propiciar o controle da inflação.
O Presidente Lula está certo: a inflação não é de demanda, mas isso não significa que o Banco Central deveria baixar os juros rapidamente do patamar em que se encontra (13,75%). Com a aprovação da nova regra fiscal que está em fase final de tramitação no Congresso é possível que os juros só comecem a cair depois da reunião do COPOM programada para o início de agosto. A queda persistente da inflação, a valorização do real perante o dólar, e a pausa na elevação dos juros pelo Banco Central americano (FED) devem ajudar a criar expectativas mais positivas para que o COPOM inicie, gradualmente, a trajetória de queda da SELIC.
É importante tratar de explicar didaticamente, como aqui faz Jorge Jatobá, a dinâmica inflacionária e como atua o BC no regime de metas de inflação. O fato é que no caso de sintonia fina do nível da SELIC não importa se a inflação é de oferta ou de demanda, se a inflação se acelera por entraves na oferta ou descuidos do lado do gasto público (que é parte da demanda). Não sei se podemos ter toda essa certeza do Presidente Lula de que a inflação brasileira nada tem a ver com demanda. Gasto público maior que a receita não estimula a demanda no curto prazo? Eu lembro do tempo em que predominava a teoria estruturalista da inflação, da CEPAL dos anos 1950 e 1960, que ensinou que a inflação na América Latina provinha de gargalos na oferta, gargalos no sistema de produção, e então se justificava qualquer gasto para eliminar/reduzir tais gargalos. Deu no que deu: a América Latina sempre teve inflação mais alta que qualquer das cinco regiões onde a ONU tinha comissão econômica (ECLAC, ECE, ECA, ESCAP, ESCWA) e a inflação no Brasil foi subindo até chegar a 3% ao dia, antes de finalmente termos o Plano Real. Ainda hoje, em geral, quem diagnostica que a inflação é só de oferta está mais preocupado em defender gastos.