Acidente aéreo

Acidente aéreo

Os negacionistas climáticos são um ramo nada verde dos negacionistas em geral, uma família, como se sabe, que adora negar! Pecam inclusive contra o décimo primeiro mandamento, o criado por nosso genial Ziraldo: “Não desmatarás”. A “mandamentos” sensatos, preferem, por interesses ou ignorância, ou ambos, uma realidade paralela.  

No Brasil, o noticiário político mostrou recentemente que a turma negacionista não brinca em serviço. Nem mesmo a tragédia no Rio Grande do Sul os dobrou: continuaram se pautando pela hostilidade ao meio ambiente, indiferentes aos chamados “eventos extremos”. A colunista Maria Cristina Fernandes, no jornal “Valor”, de 24 de maio, deu o nome de alguns “bois”, na verdade uma trinca da pesada, que vale a pena apontar. Aliás, todos gaúchos. São eles: Alceu Moreira (MDB-RS),  Luiz Carlos Heinze e Jerônimo Goergen (ambos do PP-RS). Eles formam o trio, diz a jornalista, “mais atuante da bancada ruralista”. Enquanto o Rio Grande Sul afundava numa tragédia sem precedentes, eles foram “passando a boiada”, para usarmos uma deliciosa, e agora pervertida, expressão da vida rural. 

Os eventos extremos nos mostram que “Há algo no ar além dos aviões de carreira”, como dizia o querido Barão de Itararé (1895–1971), por sinal também gaúcho, além de jornalista e inexcedível humorista político. Sim, com a chegada dos referidos eventos, os próprios aviões de carreira estão em jogo. Os especialistas falam que haverá cada vez mais turbulências, inclusive (e sobretudo) as “de céu claro”. Que expressão enganadora para um leigo! “De céu claro” parece até o começo de um poema sobre a serenidade…  Mas a “claridade” desse céu esconde uma turbulência perigosa, pois inesperada e invisível aos equipamentos das aeronaves.

Matéria do jornal “O Globo”, de 22 de maio, informa que a última vez que um passageiro morreu por causa de uma severa turbulência foi há quase 30 anos! Mas os eventos climáticos estão contribuindo para tornar o fenômeno mais intenso e frequente, uma vez que as elevadas emissões de dióxido de carbono afetam as correntes de ar. Um cientista inglês, diz a matéria, Paul William, da Universidade de Reading, já detectou que a tal “turbulência de céu claro”, que ocorre em grandes altitudes, pode triplicar sua fatal presença até o fim do século. Pelo jeito, essa conta de multiplicar já começou… Já passou da hora de perguntarmos o que estão fazendo as “aéreas” do mundo para vivermos num mundo sem turbulências climáticas.

No primeiro semestre, um voo que ia de Londres a Singapura sofreu uma turbulência infernal. A aeronave despencou sete metros, um britânico de 73 anos morreu e várias pessoas se feriram gravemente. Muitos viajavam sem o cinto de segurança e levaram os safanões da inércia. Em julho, um voo da Air Europa que seguia da Espanha para o Uruguai teve que pousar em Natal com 30 feridos a bordo. Outro incidente grave foi com um voo da EVA Air que, no domingo 11 de agosto, ia de Jakarta para Taipei. Recorde-se que turbulências não derrubam aviões, pois as Ciências Aeronáuticas projetaram-nos para suportá-las. Todavia, para os passageiros, não há segurança sem o uso do cinto permanentemente afivelado.

Atualizando o nosso Barão de Itararé, além de haver algo de novo nos ares, esse algo é claramente contra os aviões e, por extensão, contra nós, passageiros, pobres viajantes de um “não lugar”, como diria o antropólogo Marc Augé. Haja sangue frio para encarar tranquila e racionalmente uma severa turbulência. Em vez de água, refrigerante, suco ou barrinha de cereal, talvez devamos pedir agora algumas doses de sangue frio. Por favor, sangue frio na veia.

Se uma viagem de avião, por mais segura que seja, não é algo exatamente divertido ou cômodo, de agora por diante vai perder um pouco de seu relativo sossego, afinal os céus estão em polvorosa, com nuvens e ventos irascíveis, dos quais não tiramos a razão. Mais do que nunca será hora de uma boa comunicação entre as companhias e seus clientes, com ênfase, salvo melhor juízo, em dois pontos incontornáveis: viajar com o cinto afivelado e conscientizar os passageiros de que turbulência não derruba avião. O que por vezes derruba um avião está longe das aeronaves e dos céus: é corrupção, negligência e ganância.