Uma análise do comportamento do eleitorado nas eleições presidenciais no Brasil após a redemocratização sugere uma oscilação no perfil da maioria do eleitorado entre a perspectiva de mudança ou a de continuidade, variando apenas a intensidade dessas duas categorias dominantes a cada pleito. Em um eleitorado onde a identificação partidária fica em torno de 1/3 do universo total de votantes, tem-se uma margem bem grande para que o discurso seja facilmente alimentado por temas que mexem como o humor da maioria a cada conjuntura. A princípio, pode-se argumentar que essa dicotomia é comum em qualquer sistema democrático, ou seja, sempre a maioria está votando ou para manter o governo ou para substituí-lo por um grupo de oposição. Pode-se concluir que essa é uma lei geral da democracia. O que procuro explicar nesse artigo é como vem se configurando essas duas tendências gerais a cada pleito presidencial no Brasil.
Trata-se de perceber as características distintas que marcaram cada disputa para o cargo maior da república e em que medida se coloca os condicionamentos e motivações mais comuns no comportamento do nosso eleitor.
Considerando o atual experimento democrático no Brasil, com as seis eleições presidenciais realizadas entre 1989/2010, verifica-se a configuração pendular mencionada anteriormente. As primeiras eleições diretas foram marcadas por um forte sentimento de mudança, em razão da profunda decepção da maioria da população com os rumos tomados pelos partidos da Nova Republica que conduziram a transição democrática. O bônus da Assembleia Constituinte não foi suficiente para justificar os métodos tradicionais que os partidos da Nova República continuaram empregando, sem falar na falta de pulso na condução da política econômica. Sem nenhuma iniciativa inovadora, partidos da Nova República ficaram paralisados diante da expectativa geral da população que esperava a realização de expressivas mudanças em curto prazo. O sentimento de decepção, principalmente das classes populares, possibilitou a emergência de um político desconhecido, que, mesmo de tradição oligárquica, vestia uma roupa mudancista e apresentava um discurso contundente, embora sem conteúdo, galvanizando a atenção dos mais pobres e passando a ser respaldado por importantes segmentos das classes proprietárias da cidade e do campo.
No outro polo, também com um discurso mudancista, despontava o Candidato do PT que contava com o apoio entusiasmado da nova classe média universitária e segmentos de uma nova classe operária urbana. O que tinha de comum nesses dois candidatos, além do discurso oposicionista, era a ausência de apoio no aparato institucional vigente, ou seja, tempo de televisão e alianças com os grandes partidos ou com governadores e prefeitos. Somados os tempos de radio e televisão na propaganda eleitoral gratuita de Collor e Lula, não chegavam a ser um terço do que tinham os candidatos dos partidos tradicionais como PMDB, PSDB E PFL.
A decepção com a experiência aventureira de Collor arrefeceu a perspectiva mudancista e apontou para uma polarização mais moderada, embora o discurso ideologizado continuasse. O pleito seguinte foi marcado pelo apego à continuidade, em razão dos ganhos do Plano Real. O eleitorado apontou claramente que buscava preservar conquistas, distante do aventureirismo. O importante a reter desse cenário é que se define aí um padrão de comportamento eleitoral no Brasil, uma sociedade recém-urbanizada que vai ficar sempre dividida entra a impaciência das necessidades e a segurança da estabilidade, ou, em outro enfoque, entre emoção e razão.
Nessa segunda eleição direta da nova democracia brasileira, a preocupação do eleitorado foi manter as conquistas do período Itamar, principalmente a estabilidade do Plano Cruzado. Ao contrário da primeira eleição, agora o bônus eleitoral maior é o apoio do presidente em exercício e das demais estruturas de poder. O PT embarcou na crítica fácil de apostar em cenários catastróficos que não batiam com a realidade e daí nem foi ao segundo turno. Na mesma direção, Fernando Henrique Cardoso se reelegeu fácil, baseado ainda nos ganhos da estabilidade (53% no primeiro turno) e no discurso da garantia dos fundamentos da política macroeconômica.
Depois de oito anos no poder, o tucanato perdeu a batalha do discurso em função do contraponto estabelecido pelo sindicalismo estatal dominado pelo PT, fazendo renascer no eleitorado o ideário mudancista. As medidas relacionadas com a reforma do Estado foram tomadas como contrárias aos interesses da maioria, não importando se as críticas resistiam a uma análise mais consistente. Isso também foi possível porque no segundo governo de FHC a economia começava a dá sinais de arrefecimento.
Ganhou corpo, então, o ideário mudancista encabeçado por um imigrante nordestino, ex-operário com fácil verbalização distributiva que rapidamente conquistou o imaginário de segmentos das classes médias que foram às ruas escoimar velhos preconceitos que ainda existiam, mesmo entre as classes populares. O resultado foi a vitória da proposta de mudança, carregada de emoção, com Lula sendo eleito com um tempo mínimo de propaganda no Rádio/TV e sem apoio das estruturas tradicionais. Tanto que o PT elege apenas dois governadores em estados de baixa densidade eleitoral (Acre e Mato Grosso do Sul). No pleito seguinte, a reeleição de Lula seguiu a lógica da continuidade e só foi para o segundo turno em razão dos escândalos de corrupção muito perto do governo. Eleito, Lula trabalhou na direção do mercado interno, ampliou a escala dos programas compensatórios de distribuição de renda e manteve os compromissos com o chamado mercado, além se ter sido amplamente favorecido por uma conjuntura internacional favorável.
A população tende a optar por preservar conquistas, a não ser que sinta um descontrole muito grande por parte do governante que pleiteia a reeleição. Por isso, o segundo mandato é um ativo bem palatável para o eleitorado.
Superando a fadiga de material de oitos anos, Dilma é eleita com o discurso de defesa da continuidade das conquistas sociais da era Lula, cabendo registrar a especificidade do carisma do então presidente que resistiu a todos os embaraços políticos e éticos nas duas gestões. Com um posicionamento ideológico respeitável, mas tida como pouca apta para o jogo político, pode-se afirmar que Dilma foi engolida pela promiscuidade do presidencialismo de coalizão e pelos problemas da macroeconomia, muito embora tenha a seu favor um bom desempenho do nível de emprego e alguns programas de expressiva densidade e de alta visibilidade.
Agora, nessa sétima eleição presidencial, o processo eleitoral teria tudo para virar rotina, com uma parte do eleitorado sendo mais exigente em relação às tradicionais opções que o quadro político apresenta. No entanto, até a tragédia que tirou a vida de Eduardo Campos, a terceira via era uma alternativa pouco viável. Até então o cenário não apontava para onde ia se dirigir o sentimento da maioria. Ou seja, não se sabia se o sentimento dominante se inclinava, de forma mais incisiva, para a mudança ou para a continuidade. Na verdade nem o “discurso da mudança havia empolgado nem o apelo à continuidade se mostrava convincente.” (Marisa Gibson DP-05/08).
Nessa eleição, o crédito que o eleitor costuma dar ao governante para um segundo mandato vem sendo embaralhado pela própria propaganda situacionista, que pede que o eleitor julgue doze anos de poder, o que pode ter um efeito bumerangue em um país mal humorado pelas condições adversas de boa parte das políticas públicas. Isso não significa que a continuidade pode ser de toda descartada. Não se pode, em hipótese alguma, descartar o fôlego do situacionismo que ainda mantém trunfos de bom quilate.
Por outro lado, mesmo mantendo a dianteira nas pesquisas, a Presidente não consegue massificar as conquista do seu governo. Do lado da oposição clássica, representado pelo PSDB, as propostas parecem tímidas. O estilo não é de mudanças, mas de correção de rumos e parece também não convencer. É bem verdade que, somente agora o jogo começa a galvanizar a atenção dos expectadores.
Desta vez, a tragédia parece que venceu a indiferença. Em lugar da superação programática pela razão, uma boa parte do eleitorado volta a prestar a atenção no processo eleitoral. Por isso, ensaia se apegar ao carisma de quem passe a ideia de pureza de princípios e que parece navegar na contramão da política tradicional. Um processo que ainda tem larga margem de indefinição, mas que já embaralhou as peças do tabuleiro e que exige um reposicionamento de todos os contendores, na tentativa de descobrir para onde o pêndulo do sentimento da maioria vai se inclinar no momento decisivo do voto.
*Sociólogo – Pesquisador do Centro Josué de Castro
democracia onde ? todos farinha do mesmo saco ! pesquisa pura manipulação de voto.
Marina Silva – Analistas mais afoitos já dão como certa a eleição dela.
Particularmente acho que esse cenário tem grande probabilidade de acontecer e cabe ser analisado.
O acidente que vitimou o Eduardo Campos junto com a eleição de Marina Silva, oferece ao Brasil uma nova oportunidade histórica à semelhança da que foi dada com o impeachment de Collor. Trata-se da possibilidade real da formação de um governo de coalizão, com a participação das forças políticas mais responsáveis do País.
Marina e sua Rede, o PSB e o PPS, formam um tripé que vem mostrando organização, modernidade, e coesão, amplamente demonstrados nesse momento difícil. Todo processo vivido pela coligação, tanto na postura em relação à morte de seu líder maior, como na sua substituição, tem sido coerente e competente.
A família Campos deu o tom através de declarações sensatas do irmão e da esposa de Eduardo, que poderiam aproveitar o clima emocional e oportunisticamente, postular o lugar dele, ou mesmo de vice.
Outro ponto forte deles é a proposição de uma “Nova Política” para o Brasil, conteúdo das falas de Eduardo Campos e Marina Silva, e que é o anseio maior da população brasileira, amplamente demonstrado nas manifestações de junho de 2013.
O momento e as circunstâncias são propícios a um governo de coalizão e esse talvez venha a ser o principal legado construído e deixado por Eduardo Campos com a formação da terceira via. Mas Marina terá que entender e tratar cuidadosamente disso ao longo de toda a campanha eleitoral, pois pequenos deslizes podem azedar o clima e por tudo a perder.
Não vai ser tarefa fácil administrar tudo isso, o PT mesmo vai tratorá-la tão logo se confirme seu crescimento, mas o PSDB talvez não o faça, pelo menos foi isso que FHC sugeriu. Vamos acompanhar os acontecimentos.