Manágua, julho de 2018.
Tive a oportunidade de, há cerca de um mês, passar uma semana em Manágua, capital da Nicarágua, a trabalho. A situação de conflito entre o governo e o povo leva a efeitos concretos que eu pude sentir antes mesmo de embarcar, através da advertência direta de esperar o carro da empresa e não usar qualquer transporte disponível no aeroporto.
Durante a semana em que estive na bela cidade de Manágua, à margem do lago Xolotlán e próxima ao vulcão Momotombo, fui instruído a jamais sair à noite e nunca usar transporte que não o credenciado pelo hotel. Na TV, pude ver diariamente as cenas decorrentes da violência das forças pró-governo, incluindo as não oficiais, mas armadas, contra a população cada vez mais assustada e mais aguerrida, no sentido de antecipar as eleições previstas para 2021. Busquei deliberadamente opiniões favoráveis ao governo, para que fosse possível ouvir os dois lados. Não ouvi uma só voz de apoio ao presidente. O mais perto disso foi que “ele foi o melhor presidente que tivemos, até que começou a matar seu povo”. Já então haviam morrido mais de 210 pessoas nos conflitos, todos de pessoas contra o governo, algumas ainda adolescentes.
Esta semana, que me fez perder as festas juninas com a família, também me levou a refletir sobre os limites das instituições. Por que um presidente eleito chega a tal situação de impasse? Afinal, ele foi eleito segundo as regras, respeitando as instituições.
A questão é que há limites para as instituições. O presidente foi eleito, depois disso mudou as regras, para que pudesse ser reeleito indefinidamente. Colocou sua companheira, não de partido, mas de vida, como vice-presidente. Mudou as regras das eleições, dos órgãos de controle eleitoral, da Justiça em geral, da composição dos tribunais superiores e das forças armadas. Deu azo a que organismos privados, inclusive de imprensa, fossem financiados pelo dinheiro público, através de meios escusos.
Usou as instituições para levá-las a um ponto além dos limites do possível, do aceitável, do razoável para a sociedade. Ainda que cada passo tenha sido dado de acordo com as instituições vigentes, a sociedade, aquela parcela que está tocando sua vida e vendo a política de longe, vai acumulando uma sensação de injustiça, até que não se sente mais representada, e sabe que o poder foi usurpado. A reação do governo aos protestos tem sido violenta e já se fala em mais de 400 mortos, incluindo uma brasileira, concluinte do curso de medicina.
Convenço-me de que as instituições precisam estar ancoradas na Ética. E que uma democracia precisa de imprensa livre, separação entre os poderes, livre associação e alternância de poder. A receita, lá como aqui, é Ética e Democracia.
Alcides Pires é empresário e membro do Movimento Ética e Democracia.
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