Sérgio C. Buarque

A SUDENE está completando 60 anos de atuação no Nordeste. Nestas seis décadas, o Nordeste mudou bastante, diversificou sua base produtiva, se integrou à economia nacional, se urbanizou e se modernizou, e apresentou avanço em quase todos os indicadores sociais. No entanto, o Nordeste continua no mesmo lugar, com a mesma defasagem econômica e com a mesma diferença de qualidade de vida em relação à média nacional (mais ainda, em relação às regiões Sul e Sudeste). O semiárido não afunda mais na fome e na miséria a cada período de seca, graças a diferentes mecanismos de distribuição de renda (e de água), mas continua com os mesmos estrangulamentos e a mesma vulnerabilidade climática. Ao longo de tantos anos de implementação de políticas e projetos na região, o PIB per capita do Nordeste flutua em torno de 50% da média nacional, e quase todos os indicadores econômicos e sociais continuam abaixo ou muito abaixo da média brasileira. De acordo com Guilherme Resende, mantidos os diferenciais recentes de crescimento do Nordeste (ligeiramente acima da média nacional), serão necessários cerca de 50 anos mais para que o PIB per capita regional alcance 75% da média brasileira (citado por Monteiro Neto, 2017).

  1. Dependência e assistencialismo

Depois de 60 anos de atuação da SUDENE, o Nordeste continua dependendo dos incentivos fiscais para atrair empresas e da transferência de renda para moderar a pobreza e a vulnerabilidade social. Ou toda ambição do Nordeste é esta mesmo, acompanhar de longe a evolução do Brasil (e também suas dificuldades), ou temos sistematicamente errado na estratégia e nas prioridades de desenvolvimento regional. É verdade que teria sido bem pior, um desastre, se o Nordeste não tivesse contado com os projetos da SUDENE, os incentivos fiscais e o financiamento do FNE-Fundo Constitucional do Nordeste, e se não fossem os fluxos de transferência de renda. Mas, convenhamos, é muito pouco.

Os incentivos fiscais e financeiros são necessários porque compensam a baixa competitividade sistêmica da economia nordestina, atraindo empresas que não viriam para o Nordeste sem esta redução dos seus custos tributários e financeiros. A competitividade do Nordeste continua muito aquém da média nacional, mesmo depois de 60 anos de política regional. Se não houver uma redução da defasagem da competitividade da economia nordestina em relação às outras regiões, o Nordeste vai continuar dependendo desses incentivos para atrair investimentos produtivos. O financiamento subsidiado do FNE às empresas nordestinas tem sido de grande relevância para a manutenção e ampliação dos investimentos. Mas o resultado tende a ser modesto considerando a persistência dos baixos níveis da produtividade do trabalho e das atividades econômicas, compensada, parcialmente, pelos subsídios do crédito. E enquanto a produtividade das empresas nordestinas estiver abaixo da média nacional e das outras regiões, o Nordeste vai continuar dependendo do crédito subsidiado para manter essas atividades econômicas.

A distribuição de renda para a população pobre do Nordeste, onde se concentra mais de 50% da pobreza do Brasil, é fundamental para moderar o sofrimento e a angústia de milhões de nordestinos. Entretanto, para reduzir a pobreza é necessário muito mais do que apenas transferência de renda, que apenas compensa a vulnerabilidade social. Para reduzir a pobreza é necessário enfrentar as suas causas com educação, qualificação profissional e com serviços públicos de qualidade. A transferência de renda estimula o consumo, com pequeno efeito local, mas não promove desenvolvimento se não for acompanhada de investimentos que aumentem a capacidade produtiva e a produtividade do trabalho, gerando emprego e renda adicional e aumentando a arrecadação pública.

Estes três pilares da política regional no Nordeste – incentivos fiscais, crédito subsidiado e transferência de renda – têm sido muito importantes e, lamentavelmente, continuam sendo necessários para impedir que a região se afaste mais ainda do padrão econômico e social do Brasil. Mas são claramente insuficientes para promover um efetivo desenvolvimento da Região e uma rápida e consistente convergência econômica e social com as outras regiões brasileiras. Além de continuar dependente destes instrumentos compensatórios depois de tantos anos, o Nordeste tem se limitado a acompanhar, à distância o desempenho da economia e dos indicadores sociais do Brasil. Pelo menos no que se refere à transferência de renda, quase continua válido o que Celso Furtado escreveu, há 60 anos, no diagnóstico do GTDN – Uma Política de Desenvolvimento Econômico para o Nordeste (documento orientador da criação da SUDENE): “Por seu caráter assistencial (transferências do governo federal para o Nordeste), são gastos que quase nenhum efeito têm na estrutura econômica e na capacidade de produção do sistema. Por outro lado, os recursos que saem da região constituem, em sua maior parte, capitais em busca de colocação. Se lá permanecessem (no Nordeste), esses capitais iriam criar capacidade produtiva, elevar o nível médio de produtividade, absorver parte do excedente populacional, elevar, enfim, o nível de vida da população nordestina” (Furtado, 2009, pag. 106).

O programa Bolsa Família beneficia pouco mais de seis milhões de famílias do Nordeste, o que representa cerca de 51% de todos os beneficiários do Brasil (dado de 2015), quando a população nordestina equivale a menos de 28% dos brasileiros. E o BPC-Benefício de Prestação Continuada distribuiu cerca de 35,6% do total nacional no Nordeste. Em 2013, os três programas sociais (Bolsa Família, BPC-Benefício de Prestação Continuada e RMV-Renda Mínima Vitalícia) distribuíram R$ 23,43 bilhões de reais no Nordeste, mais do dobro do crédito do FNE às empresas nordestinas (Monteiro Neto, 2017) e pouco mais do financiamento do BNDES no Nordeste, altamente concentrado em alguns grandes empreendimentos produtivos, como a Refinaria Abreu e Lima (em 2013, o financiamento do BNDES chegou a R$ 21,73 bilhões). De acordo com Monteiro Neto, a “novidade da última década, entretanto, está ligada ao nível estabelecido pelo gasto social em transferências de renda a famílias (PBF, BPC e RMV), que se tornou superior ao financiamento do empreendimento produtivo da política regional e até mesmo rivalizou com o crédito ao investimento do próprio BNDES, como foi o caso em 2013, quando PBF + BPC + RMV atingiram 3,8% do PIB nordestino. No mesmo ano, o BNDES desembolsou fração similar do PIB regional para o investimento empresarial”.

Embora tenha o impacto reduzido pela baixa competitividade sistêmica e pela deficiente produtividade das atividades produtivas, o crédito subsidiado do FNE estimula o investimento e a produção. A transferência de renda pode até contribuir para a economia pelo efeito da demanda por bens-salários mas, sendo um fluxo (e não um ativo que gera um fluxo de renda), continuará sempre dependente da continuidade da fonte geradora externa. Por isso, embora seja muito justo, considerando a vulnerabilidade social das famílias nordestinas, constitui uma desproporção que as transferências de renda representem mais do dobro do financiamento do FNE.

  1. O grande desafio

O grande estrangulamento do Nordeste é a enorme defasagem de competitividade sistêmica da região em relação à média nacional, causa estrutural do atraso e da persistência da desigualdade regional. A este estrangulamento se associa a baixa produtividade das atividades produtivas, agravando a defasagem regional e a incapacidade da região de competir no mercado nacional e internacional. Enquanto o Nordeste se mantiver com nível baixo de competitividade sistêmica, comparado com as outras regiões do Brasil, os incentivos fiscais e os subsídios creditícios e as políticas de transferência de renda vão conseguir, no máximo, que a região acompanhe o ritmo econômico e a melhoria dos indicadores sociais do país. O desenvolvimento do Nordeste, com a rápida redução da sua dependência de incentivos e de transferências, será possível apenas quando a competitividade sistêmica da região se aproxime da média nacional e das regiões mais desenvolvidas.

O gráfico 1 mostra a classificação da competitividade dos Estados do Nordeste (estudo do Centro de Liderança Pública), evidenciando a notável desvantagem da região em comparação com o Sul, o Sudeste, e mesmo o Centro-Oeste. Os Estados destas regiões têm alta competitividade, enquanto todos os Estados do Nordeste estão no intervalo de baixa competitividade (apenas Pernambuco, primeiro do Nordeste, está um pouco acima da média do Brasil (50,2)[1].

[1] O estudo do Centro de Liderança Pública/The Economist-Inteligence Unit combina um conjunto de 10 pilares (incluindo Educação, Capital Humano, Inovação e Infraestrutura), desdobrados em 73 indicadores que expressam o diferencial de competitividade dos Estados.

Gráfico 1 – Ranking da Competitividade dos Estados brasileiros – 2016

Fonte: Centro de Liderança Pública/The Economist-Inteligence Unit (www.clp.org.br)

Nas principais variáveis determinantes da competitividade sistêmica – Educação, Qualificação Técnica e Profissional, Inovação e Estrutura de Pesquisa e Desenvolvimento Tecnológico e Infraestrutura, incluindo infraestrutura hídrica – o Nordeste fica sempre atrás das regiões Sul e Sudeste, e mesmo Centro-Oeste[1]. Em 2015, o Nordeste tinha uma taxa de analfabetismo de 14,8%, contra 7,2% da média nacional; eram 14,3% da população de 15 anos e mais sem instrução e com menos de um ano de instrução no Nordeste, contra 8,5% da média brasileira; e eram 6,7 os anos de estudo da região, contra 7,8 anos do Brasil. Na nota do IDEB, apesar do sucesso recente do Ceará no ensino fundamental, e de Pernambuco no ensino médio, a maioria dos Estados do Nordeste tem qualidade inferior a quase todos os Estados do Sul e do Sudeste.

Quando se trata de inovação, com exceção da Paraíba, no indicador “Pesquisador por milhão de habitantes”, o Nordeste também está em situação inferior à das regiões mais desenvolvidas, especialmente na massa crítica de pesquisadores. A região Sudeste tem mais do dobro dos pesquisadores do Nordeste (45% contra 20% do número total de pesquisadores do Brasil) e apenas o Estado de São Paulo, com 32.578 pesquisadores (2008), tem mais que toda a região Nordeste (28.273). Cerca de 70% dos doutores do Brasil estavam no Sudeste contra apenas 10% no Nordeste, e apenas o Estado de São Paulo tinha quatro vezes mais doutores que todo o Nordeste (4.811 contra apenas 1.035). O Nordeste também tem desvantagem na infraestrutura, especialmente no transporte rodoviário; de acordo com dados da CNT para 2017, cerca de 50,2% das rodovias do Nordeste tinham qualidade Péssima ou Ruim, apenas 2% se classificavam com Ótimas. O Sudeste tinha 11,3% das suas rodovias na categoria de Ótimas.

O segundo grande desafio do Nordeste é a baixa produtividade das empresas. Com limitações competitivas externas e baixa produtividade, as empresas nordestinas têm grande dificuldade de concorrência com outras regiões do Brasil, para não falar das restrições ao mercado global. Vale a pena lembrar que, no GTDN, Celso Furtado alertava para a gravidade do diferencial de produtividade das empresas nordestinas; segundo ele, em 1956, a renda gerada por pessoa ocupada no Centro-Sul era 2,5 vezes superior à alcançada no Nordeste. Em 2015, a produtividade do trabalho do Nordeste (VAB-Valor Agregado Bruto/pessoal ocupado) era a mais baixa das macrorregiões do Brasil, e correspondia a menos da metade da produtividade do Sudeste (ver gráfico 2).

[1] Nos indicadores detalhados do Ranking da Competitividade do Centro de Liderança Pública, alguns Estados do Nordeste conseguem posição diferenciada na Educação (Ceará e Pernambuco) e na Inovação (Paraíba) mas sem alcançar massa crítica para aumentar a competitividade da economia.

Gráfico 2 – Produtividade total das macroregiões do Brasil (VAB/pessoal ocupado) das regiões – R$ mil – 2015

Fonte: IBGE/RAIS

Apesar da excepcional modernização da agricultura nos cerrados nordestinos e nos polos de irrigação, a produtividade da agropecuária do Nordeste, em 2008 (Mateo, 2013), era quase um terço da registrada na região Sudeste, e menos da metade da média brasileira.

Esta fragilidade do Nordeste diante da concorrência nacional e internacional tende, contudo, a se agravar no futuro, por conta da onda de inovação que acompanha a irradiação da Indústria 4.0, que acelera a produtividade e eleva, de forma significativa, as exigências de qualificação profissional dos trabalhadores. O Nordeste, com baixo nível de qualificação profissional e educacional, está completamente despreparado para as mudanças que vão acompanhar o novo paradigma tecnológico nas próximas décadas. O Nordeste precisa se preparar também para a provável abertura externa da economia brasileira, com o aumento da exposição das empresas nordestinas à concorrência internacional. O que, mais uma vez, depende da elevação da competitividade da economia e da produtividade das empresas.

  1. Nordeste competitivo

Se o principal desafio do Nordeste reside na defasagem da competitividade sistêmica, complementada pela baixa produtividade das empresas, a estratégia de desenvolvimento do Nordeste deve ter como grande prioridade o investimento em larga escala nos fatores de competitividade: i) educação; ii) qualificação técnica e profissional; iii) inovação; iv) infraestrutura, incluindo infraestrutura hídrica. Esta estratégia pressupõe um investimento diferenciado da União na região nordestina, complementando o esforço dos governos estaduais, para avançar nos fatores de competitividade num ritmo e numa escala superior à média nacional e dos Estados mais desenvolvidos.

Os avanços na qualificação técnica e profissional e na inovação contribuem também para o aumento da produtividade das empresas do Nordeste, desde que induzidas à introdução de novas tecnologias. A manutenção de incentivos fiscais e financeiros compensa a defasagem, com efeito positivo no curto prazo. Mas, no médio e longo prazo, tende a conservar a dependência, na medida em que acomoda o empresariado à sua situação e aos benefícios, inibindo o esforço empreendedor e inovador que aumenta a produtividade empresarial.

Ao longo das próximas décadas, a principal meta de desenvolvimento do Nordeste deve ser a convergência regional dos níveis de competitividade e da produtividade (do Nordeste em relação às regiões desenvolvidas). Sem descuidar, evidentemente, da conservação ambiental e da ampliação dos serviços públicos de qualidade para convergência dos indicadores sociais. Lembrando que mesmo esta convergência dos indicadores sociais depende da dinâmica da economia regional, e da receita pública, que resulta do crescimento econômico.  Do resto, o mercado se encarrega.

BIBLIOGRAFIA

Furtado, Celso – “Uma política de desenvolvimento econômico para o Nordeste (GTDN) (1959) – in O Nordeste e a saga da SUDENE 1958-1964 – Arquivos Celso Furtado – Editora Contraponto/Centro Internacional Celso Furtado de Políticas para o desenvolvimento – Rio de Janeiro – 2009

Matteo, Miguel – “Estrutura produtivae desenvolvimento regional” – IPEA – março 2013

Monteiro Neto, Aristides – “Federalismo e redistribuição intergovernamental de recursos no Brasil: um mapa do padrão de atuação federal no território no período recente (2000-2015) – Região Nordeste em perspectiva” – in Desenvolvimento Regional no Brasil – políticas, estratégias e perspectivas – Aristides Monteiro Neto, César Nunes de Castro, Carlos Antonio Brandão – Rio de Janeiro: IPEA, 2017.

[1]O estudo do Centro de Liderança Pública/The Economist-Inteligence Unit combina um conjunto de 10 pilares (incluindo Educação, Capital humano, Inovação e Infraestrutura), desdobrados em 73 indicadores que expressam o diferencial de competitividade dos Estados.

[2]Nos indicadores detalhados do Ranking da Competitividade do Centro de Liderança Pública, alguns Estados do Nordeste conseguem posição diferenciada na Educação (Ceará e Pernambuco) e na Inovação (Paraiba) mas sem alcançar massa crítica para aumentar a competitividade da economia.