Diante dos conflitos institucionais criados por declarações e atitudes do presidente da República, incluindo agressões graves a membros de outros poderes do Estado, tem surgido um debate em torno do Artigo 142 da Constituição. Segundo o jurista Yves Gandra, o referido artigo concederia às Forças Armadas um poder moderador, numa interpretação enviesada do texto constitucional.

O ministro e presidente do STF – Supremo Tribunal Federal, Luiz Fux, foi contundente no questionamento desta visão, afirmando que a “chefia das Forças Armadas é poder limitado, excluindo-se qualquer interpretação que permita sua utilização para indevidas intromissões no independente funcionamento dos outros Poderes”. Com efeito, é necessário um bom exercício de imaginação volitiva para descobrir alguma referência a poder moderador das Forças Armadas no artigo 142 da Constituição, que diz textualmente: “As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”.

Entendendo que a democracia se sustenta no equilíbrio de forças das três instituições da República, a Constituição não define a necessidade de um poder moderador, cada instituição controlando a outra. O argumento de Gandra, que alimenta declarações do general Augusto Heleno, contém uma grave contradição, a favorecer o chefe do Poder Executivo, que, pela Constituição, é o chefe supremo das Forças Armadas. Ora, no caso de um conflito entre o Presidente da República e o STF, por exemplo, Bolsonaro poderia convocar as Forças Armadas, a ele subordinadas, para “moderar” sua disputa com o Poder Judiciário. E se, ao contrário, o Judiciário pedisse a intervenção das Forças Armadas para dirimir um conflito com o Presidente da República? Como comandante supremo das Forças Armadas, Bolsonaro poderia, simplesmente, desautorizar a intervenção. E os subordinados teriam isenção para atuar como poder moderador. Numa disputa jurídica do Legislativo com o Judiciário, acusando o STF de “invasão de competência”, que competência jurídica teriam os militares para atuar? E, pior, como fariam para resolver a querela? Jogando tanques na frente de um dos dois poderes?

Os formuladores da Constituição Cidadã não terão sido tão ingênuos ao ponto de conceder ao Presidente o poder de convocar as armas para sanar eventuais conflitos com os outros poderes da República. Como afirma o jurista Lenio Luiz Streck, neste caso, a “democracia dependeria dos militares e não do poder civil. Seria um haraquiri institucional”.