O avanço exponencial do conhecimento humano, que teve lugar a partir de meados do século XIX, trouxe – nas primeiras décadas do século XX – a hegemonia de sistemas de produção vinculados ao Paradigma Eletro-Mecânico, este sendo subsequentemente substituído, ainda no mesmo século, pelo Paradigma Microeletrônico. Estabelecia-se, então, uma linha divisória, em termos de requerimentos severamente mais exigentes no que se refere a qualificação (proficiência) da força de trabalho. Novo patamar para o primado da produtividade e importante marca do presente estágio da humanidade. Uma vez explicitada tal atualidade, tenham-se em conta alguns aspectos evolutivos até o advento da microeletrônica. 

O fenômeno da eletricidade ganhava, no início do século XX, importante espaço de utilização no sistema produtivo das nações centrais. Nesse contexto, duas mudanças de vital importância vieram a ser introduzidas no sistema produtivo. Uma, a divisão de trabalho – originada em ideias de Taylor – entre concepção (atribuída aos trabalhadores com boa qualificação), e execução (a cargo de mão-de-obra não qualificada). Divisão que foi aperfeiçoada com a introdução da esteira de produção, por Ford, o que permitia maior controle da gestão sobre os tempos individuais de execução das tarefas. Outra, a intercambiabilidade de componentes de um sistema eletromecânico, também desenvolvida por Ford, viabilizando simplificação e barateamento das indústrias de montagem.

Tecnologias organizacionais de feição taylorista refletiam a distribuição de conhecimento e educação formal nos países centrais, desenvolvidas que foram para viabilizar a cooperação de vasto número de operários não qualificados com pequeno número de técnicos bem formados e bem qualificados. Assim, linhas de produção deviam fabricar rigidamente grandes lotes de uma única ou pequena variedade de peças. O arranjo organizacional taylorista prescindia de opiniões dos trabalhadores do chão de fábrica, não havendo razões para interação no trabalho, entre eles, focando decisões relacionadas ao andamento do processo produtivo. Para trabalhos de produção, em nível de “chão de fábrica”, alfabetização era mais adorno desejável do que insumo requerido. Por outro lado, eletricidade requer mais do que conhecimento intuitivo. Mas, apesar de ter sido ingrediente crescentemente incluído nos equipamentos ao longo do período de domínio do paradigma eletromecânico, não alterou significativamente a situação, dado que componentes elétricos, em geral, trabalham imersos em meios mecânicos. Então, a grosso modo, os requerimentos educacionais continuaram os mesmos.

Por outro lado, em operações rotineiras de produção – reino dos métodos tayloristas –, que empregavam o grosso da mão-de-obra industrial, conhecimento excedente ao de alfabetização tinha escassa margem para utilização por trabalhadores do chão de fábrica. E, pela rigidez do método, tal conhecimento adicional levava os operários a frustração, o que causava estorvo, afetando negativamente a produtividade, especialmente nos países centrais (Braverman, 1977).

Conquanto baseada em válvulas termoiônicas, a microeletrônica – em desenvolvimento paralelo – proporcionou a produção e o uso de rádios e radares, estes pensados para a guerra, incrível irracionalidade dos auto-pensados racionais. Daí também veio o desenvolvimento da televisão. Mas foi o avanço do conhecimento da física do estado sólido que deu margem ao desenvolvimento do transistor, um arremedo da válvula no tocante à fidelidade da relação de amplificação de corrente elétrica, mas com larga vantagem em termos de confiabilidade, duração, resistência à vibração, a choques mecânicos, e menor consumo de energia, o que significa menor geração de calor. E inúmeras vezes menor custo unitário de produção. Funcionava suficientemente bem para certos fins, a exemplo de uso em equipamentos de memória, cálculos e transmissão de dados; enfim, tudo que suportasse sistemas de numeração de base binária. Passou a ser miniaturizado, agrupado em chips e inserido em placas. Em termos de placas, o que um garoto de oito anos pode carregar na mão, contém o equivalente em válvulas que só um longo trem poderia carregar. Rebaixou em várias ordens de grandeza o custo de armazenamento e transmissão de informação e dados, além de cálculos.

Pela primeira vez na História, passava-se a dispor de aparelhos capazes de servir de apoio direto à mente humana, ampliando a capacidade do homo sapiens em diversos campos do conhecimento e da vida. Propiciou mudança fundamental no progresso das forças produtivas. A mais radical das inovações, depois da escrita. 

Ocorre que a microeletrônica exige mais da mente ao requerer adequada qualificação para, de forma profícua, ampliar a capacidade humana criativa, e de execução de tarefas. Sub-qualificados podem usá-la, todavia com um notório patamar inferior de produtividade. É nesse aspecto que tal momento de mudança tecnológica traz uma singularidade que a destaca dos momentos anteriores de revolução industrial. Agora, importam sobremaneira requisitos de lógica, leitura, matemática entre os inputs de força de trabalho nos processos produtivos. Saímos de processos em que energia mecânica, combustão, vapor, eletricidade eram os marcadores de revolução industrial. Portanto, nível educacional – sempre um elemento-chave – assume posição hierárquica ainda maior, porque se torna exigência primaz no quotidiano das atividades produtivas. Daí a assustadora diferença entre nações que estão muito além da média na escala de nível educacional, e aquelas que se encontram em expressiva defasagem. Nações desenvolvidas versus nações subdesenvolvidas formam, agora, uma dualidade mais dramática. O perfil de conhecimentos e habilidades exigidos para participação em atividades produtivas, sob o Paradigma Microeletrônico, pressupõe – mais do que nunca – treino específico da força de trabalho, adicional à formação básica, com vistas a garantir, na produção de bens e serviços, níveis de eficiência compatíveis com a competitividade de empresas e agentes produtivos em geral. Treino específico, per se, para adequado resultado – altamente exigente em termos de educação básica.

Tome-se o conhecimento produtivo como composto por conhecimento explícito e conhecimento tácito (Nonaka, 1991). O primeiro (formal e sistemático), de mais fácil transmissão e compartilhamento, exige – no paradigma microeletrônico –um bom domínio de relações lógicas, fluência e correção de linguagem. O conhecimento tácito, por seu turno, essencialmente pessoal, de difícil transmissão, formalização e compartilhamento, exige conhecimento explícito compatível com requerimentos dos apropriados equipamentos. 

Domínio de conhecimento codificado, relativo a equipamentos de base microeletrônica exige, em geral, ser satisfeito o requisito de conhecimento mínimo adquirível em ciclo médio de boa qualidade. E o desenvolvimento de conhecimento tácito, por seu turno, envolve domínio de amplas fatias de conhecimento codificado, o que reforça as exigências educacionais. A partir daí o crescimento das economias, tão mais elevado já sejam seus níveis, exige quase toda atividade econômica imersa no novo paradigma tecnológico.

O nível médio de “boa qualidade” como base pré-qualificação é evidenciado em resultados de pesquisa de âmbito nacional nos EUA, que identifica os conhecimentos necessários ao desempenho profissional, na passagem dos anos 1980 aos 1990, quando o paradigma da microeletrônica veio a se tornar hegemônico. Habilidade em leitura pressupõe requerimento, entre outros, de capacidade de “julgar precisão, adequação, estilo e plausibilidade de relatórios, propostas, ou teorias de outros escritores”. Habilidade em escrita entendida como capacidade de “compor e criar documentos como cartas, instruções, manuais, relatórios, propostas e gráficos com a linguagem, estilo, organização e formato apropriado ao assunto, propósito e ao leitor”. Entre os requerimentos de matemática, “expressar ideias e conceitos matemáticos oralmente e por escrito”. Entre requerimentos gerais, “usar computadores para processar informações” (The Secretary’s Commission on Achieving Necessary Skills, 1991). 

Exigências educacionais para a população, nos países centrais, constituem aspecto bem estabelecido. O nível geral de educação, nesses países, se manteve – por premissas sociais – em satisfatório crescimento ao longo do século XX, antecipadamente propiciando, sem grandes solavancos, satisfação das demandas do paradigma microeletrônico. Os asiáticos, cuja renda per capita corre bem acima da média mundial, fizeram – em tempo hábil – a devida revolução educacional.

Ocorre ser necessário que se introduza uma qualificação-chave, que – em cronologia reversa – só agora passa a ser contemplada. Trata-se de algo que, em princípio, é aspecto bem resolvido em boa parte de países desenvolvidos (em especial, na Europa e em alguns países asiáticos). Trata-se do básico do básico: educação na primeira infância (0-5 anos), estágio inicial do futuro cidadão. Embora seja aqui dada ênfase ao requisito de uma boa educação básica (ensino fundamental e ensino médio), a educação na infância (early education) exerce, como enfatizado por James Heckman, papel crítico, para o que famílias estruturadas e presença dos pais são balizas estruturantes (Fundação Maria Cecília Souto Vidigal, 2017). E isso carrega maior relevância em países como o Brasil, em que pobreza, violência e desestruturação familiar são obstáculos de peso à preservação de uma saudável infância, particularmente em camadas sociais mais desfavorecidas. 

Estabelecida essa trajetória de análise, como inserir o Brasil no mesmo contexto? Este país – apesar do tamanho, do acervo não-trivial de recursos naturais, e da importância geopolítica na América Latina – notabilizou-se como duradouro portador de expressivo atraso educacional. E uma marca indelével, que muito revela: nunca foi capaz de erradicar o analfabetismo, carregando tal anacronismo como a cereja do bolo da inépcia na educação.

Atenção à necessidade de uma revolução na educação houve, e há. Plural de vozes, na mídia: articulistas, intelectuais das mais diversas áreas de conhecimento, leitores. Mas não se materializa um projeto em que a Nação se apresente. Em fins do século passado, um candidato a presidente erigiu educação como estandarte de um programa de governo. Debalde. A jornada terminou como sacrifício pessoal e político. Em um governo seguinte lutou para que fosse criado um Ministério da Educação Básica. Mas, no pensar da mais alta liderança no governo, não se estava, naquele momento, diante de algo tão importante que viesse a merecer ministério específico. O ex-candidato terminou aceitando ser Ministro da Educação. E, talvez, mesmo para ser revelado – de forma ineludível – que prestígio educação tem em nossa sociedade, acabou sendo exonerado, por telefone, quando liderava uma delegação brasileira no exterior. Inaugurava-se – na era da restauração da moeda brasileira e da Lei de Responsabilidade Fiscal, o que alentava augúrios de mais avanços institucionais – a inclusão do MEC no mundano balcão da política, mais recentemente descambando-se para práticas nada republicanas. 

A ideia de dar tratamento ministerial a certos temas estratégicos veio a ser reforçada por pesquisa feita na Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj), envolvendo a temática ‘meio ambiente’. Tratava-se do grau de alerta que as prefeituras do Norte-Nordeste teriam acerca do Aquecimento Global, na primeira década deste século XXI. Foi então dirigido um questionário, por via eletrônica, a todas as prefeituras das duas regiões, em que se investigavam, entre outros aspectos, a conveniência de uma secretaria específica para tratar do Meio Ambiente. Foi identificada uma associação positiva entre o enfrentamento local de questões do meio ambiente e a necessidade de um aparato institucional, específico, no âmbito municipal. Discussões com um grupo de representantes de municípios contemplados pela pesquisa corroboraram tal associação. Especialização do corpo técnico já existente e o estabelecimento da obrigação de expressar resultados especificamente sobre o Meio Ambiente poderiam ser pilares de uma reorganização administrativa (Dias et al, 2010). No plano conceitual, abarcava-se uma questão que é global e que, essencialmente, tem o palco local como espaço precípuo de materialização.

Infelizmente, o Brasil continua ouvindo discussões e propostas sobre seu futuro que ignoram o desastre educacional que somos. Superar tal grave entrave – condição necessária mas não suficiente, per se – deve ser reconhecido como condição indispensável a um processo continuado e amplo de desenvolvimento. Corremos o risco de chegar aos anos cinquenta deste século, já com sérios efeitos negativos das Mudanças Climáticas afetando nossa produção agropecuária, que, com gosto de retorno a 1920, volta a ser a base principal do PIB brasileiro e marca nacional na entrada do Paradigma Microeletrônico. Não parece ser notado que, quando então superamos a condição de primário-exportador e chegamos a 1980 como oitava economia industrial do mundo, havíamos percorrido a rota de atendimento aos requisitos educacionais ao longo do processo de industrialização dos anos 30-80 do século passado. Menção honrosa, mas não de louvor: afinal, nunca se chegou sequer a erradicar o analfabetismo, e retardamos bastante o processo de efetiva equidade no acesso a uma educação de nível e qualidade indispensáveis a um bem fundado processo de desenvolvimento sustentável. 

Precisa-se instituir, rapidamente, uma meta de universal básico completo, de boa qualidade, segundo parâmetros e testes internacionais, em escolas integrais, públicas, profissionalizantes – em todos os rincões. O que não se dá, até agora. Nem há – desafortunadamente – vislumbre de se e quando tal instituto viria a ser realidade.