O movimento em defesa do voto em Lula já no primeiro turno das eleições presidenciais começou no ano passado. Diferentes políticos e intelectuais, e por razões bem diversas, apostavam no fracasso de uma candidatura alternativa à polarização. De um lado, políticos e intelectuais sérios, preocupados com os riscos reais de uma tentativa golpista de Bolsonaro no intervalo entre o primeiro e o segundo turno; do outro, os inescrupulosos caciques do MDB nordestino, como Renan Calheiros, Eunício Oliveira e o deputado Geddel Vieira da mala de dinheiro em Salvador, que queriam se aproveitar da popularidade de Lula no Nordeste. Como, além deste ambiente desfavorável, as lideranças políticas que se opunham à polarização não demonstraram disposição para a convergência, menos ainda desprendimento para definir um candidato com chances reais, a chamada terceira via apareceu tarde e frágil, e não decolou.

Na medida em que nos aproximamos do primeiro turno das eleições e que a disputa se acirra, o movimento pelo voto útil se intensifica, apostando na vitória de Lula logo no primeiro turno. A campanha pelo voto útil encontra um terreno fértil porque, paradoxalmente, qualquer sinal de crescimento das intenções de voto em Bolsonaro leva a um aumento da inclinação de parte dos eleitores da terceira via a antecipar o voto em Lula. E quanto menos a terceira via se impõe, maior a tendência à redistribuição antecipada dos seus eleitores para um dos dois polos da contenda, principalmente para Lula, que tem chances reais de vitória no primeiro turno.

Apesar desta inclinação natural a migrar mais cedo para Lula de grande parte dos eleitores de Ciro e Tebet, a campanha do voto útil pode provocar o efeito inverso, ao menos quando tem sido veiculada por diferentes vídeos nas redes sociais que, de forma simplista e grosseira (e não diferente do que sempre fez o PT) divide a disputa em dois lados, Lula representando a civilização contra a barbárie, praticamente jogando os candidatos alternativos do lado de Bolsonaro. A pretensão de Lula de uma vitória no primeiro turno é legítima e parece viável. Mas não pode ser dirigida contra os outros candidatos, acusando-os de favorecer a eleição de Bolsonaro. Os que não votam em Lula no primeiro turno estariam ajudando Bolsonaro, mesmo considerando que grande parte deles declarem a intenção de votar no ex-presidente no segundo turno. A infantaria virtual de Lula está em plena campanha de desidratação de Ciro Gomes e de Simone Tebet, manipulando com a polarização do bem contra o mal, a mesma utilizada por Bolsonaro, apenas invertendo as posições. O jornalista Luiz Carlos Azedo, em artigo no Correio Brasiliense, cita exemplos desta campanha que “destila veneno nas redes sociais”, tentando empurrar Ciro e Tebet para o lado de Bolsonaro. Ele descreve um gráfico mostrando uma barra vermelha com a foto de Lula e 52% dos votos e, do outro lado, uma barra amarela com as fotos de Ciro, Tebet e Bolsonaro e 48% dos votos. Ao lado do gráfico, a frase: “Se votar em Ciro ou em Simone Tebet, quem vai para o segundo turno é ele”, Bolsonaro. Além da grosseria e do desrespeito com os adversários, tão ou mais democratas que Lula, ignoram que Ciro e, principalmente Tebet, estão impedindo que mais eleitores votem em Bolsonaro no primeiro turno, parte dos que rejeitam Lula, mas não aceitam a virulência reacionária de Bolsonaro. Neste sentido, todo o contrário do que afirmam, os dois candidatos, mesmos sem intenção, estão ajudando a manter a grande vantagem do ex-presidente no primeiro turno, na medida em que tiram votos de Bolsonaro (provavelmente numa proporção maior do que absorvem dos potenciais eleitores de Lula).

Para além do jogo eleitoral, as candidaturas de Ciro e Tebet prestaram, até agora, um grande serviço à democracia, ampliando o debate sobre o Brasil nos pronunciamentos, nas entrevistas, nas redes sociais e nas inserções no rádio e na televisão, quebrando o confronto polarizado e maniqueísta do bem contra o mal. É verdade que Ciro andou perdendo a compostura, nas últimas semanas, com um nível deplorável de agressões pessoais e manipulações de informações que dificultam uma negociação política para o segundo turno, e também poluem o ambiente democrático. Mas, convenhamos, a deslealdade de parte desta campanha pelo voto útil é uma agressão política aos dois candidatos da terceira via, e criam também obstáculos à atração deles e dos seus eleitores para adesão a Lula. Esta campanha de voto útil não difere muito do que aconteceu nas eleições de 2018 com Ciro e Marina Silva.

Agora a campanha eleitoral chegou no ponto decisivo. Estamos a duas semanas das eleições, as pesquisas sinalizam para um crescimento de Bolsonaro, ainda que de forma muito lenta. Diante disto, mesmo sem uma campanha pelo voto útil, o eleitorado que rejeita Bolsonaro tende a migrar para o voto em Lula logo no primeiro turno. A escala deste movimento é uma grande incerteza. Mas, seguramente, não será atacando os concorrentes e jogando os eleitores de Ciro e Tebet na vala comum da barbárie que se pode conquistar os seus votos, muito pelo contrário, arriscam perdê-los. O presidente Lula deveria, ao contrário, convidar os dois para uma aliança política, um entendimento em torno de uma frente contra o demolidor da nação, e pela democracia. Este seria um gesto sério e respeitoso com os concorrentes democratas, e teria muito mais eficácia na atração do seu apoio, se não já agora, ao menos no segundo turno.