
Tropas alemãs em retirada da Rússia
O mundo comemora, neste 8 de maio, os 80 anos da derrota do nazismo, após uma guerra brutal provocada pelo expansionismo da ditadura racista que dominou a Alemanha por doze dramáticos anos. Os vitoriosos em 1945 – França, Grã-Bretanha, Estados Unidos e União Soviética (representada atualmente pela Rússia) – não realizarão uma cerimônia conjunta para celebrar a vitória contra a cruel e devastadora ditadura de Adolf Hitler. Raramente celebraram juntos o fim da Segunda Guerra Mundial. Ao longo da Guerra Fria, quando os aliados de 1945 se dividiram entre os Estados Unidos e a Europa, de um lado, e a União Soviética, do outro, dois blocos adversários marcaram a data procurando ressaltar suas respectivas participações no sangrento conflito.
Na Europa, a derrota do nazismo abriu caminho para a expansão e consolidação da democracia, além de impulsionar os grandes avanços civilizatórios e sociais das últimas oito décadas. A Alemanha, que foi o berço do nazismo e hoje é uma das mais importantes democracias europeias, comemora os 80 anos do fim da guerra, que simboliza, para os alemães, a queda do Terceiro Reich e a abertura para a democracia no país. Na verdade, foi apenas recentemente que a Alemanha passou a comemorar as vitórias dos aliados sobre o exército alemão. Em 1984, o chanceler da Alemanha Ocidental, Helmut Kohl, chegou a afirmar: “não há motivo para festejar quando outros celebram sua vitória numa batalha em que dezenas de milhares de alemães morreram miseravelmente”.
Na União Soviética – que teve um papel decisivo na vitória contra o nazismo, com o sacrifício de mais de 26 milhões de militares e civis – Stalin deixou sua marca de autoritarismo, que, com diferentes nuances, persiste até hoje na Rússia de Vladimir Putin. Se já era difícil reunir os aliados de 1945 para comemorar a vitória conjunta contra o nazismo, as relações entre eles deterioraram-se ainda mais após a invasão da Ucrânia pelas tropas russas. Os países que combateram o expansionismo de Hitler não podem aceitar o expansionismo atual do presidente russo, que ignora a Ata Final de Helsinque (1975), a qual estabelece a inviolabilidade das fronteiras dos Estados. Por isso, é no mínimo estranho que o presidente do Brasil participe das cerimônias dos 80 anos da derrota do nazismo organizadas pela Rússia, hoje governada por um autocrata expansionista.
O mundo tem motivos para comemorar o 8 de maio, mas também razões para se preocupar com o futuro da democracia. O crescimento da extrema direita em diversos países, com claras simpatias pelo nazismo, reacende o risco de colapso das instituições democráticas construídas após a Segunda Guerra. O autoritarismo e o expansionismo imperialista do ex-presidente Donald Trump ameaçam o respeito às normas internacionais de inviolabilidade das fronteiras nacionais e estimulam a ultradireita mundial. Parece que vivemos uma espécie de amnésia política, esquecendo a desastrosa insensatez da Segunda Guerra Mundial.
O penúltimo parágrafo do editorial, a meu modesto entender, “comporta temperamentos”. Falar em expansionismo em um país cujo histórico sempre foi, predominantemente, de ser invadido (e não invadir) – Sacro Império, Napoleão, Hitler – é um tanto imaginativo. A preocupação dos russos é sobretudo defensiva: o Pacto de Varsóvia foi dissolvido, mas a OTAN continua viva. Um foguete de médio alcance pode atingir Moscou, a partir da Ucrânia, rapidamente. E o ditador Putin, por identificar-se, bem ou mal, com esse espírito defensivo, conta com o apoio do povo russo, que acorre em massa às suas manifestações.
Quanto à participação do nosso presidente nas comemorações do fim da II Guerra Mundial, pode justificar-se pelas relações comerciais que mantemos com os russos, e devem intensificar-se, agora que os norte-americanos nos impõem taxas e restrições. Nossa política externa deve permanecer independente, não podemos ser simples caudatários dos gringos.
E também em homenagem à vitória dos Aliados sobre os nazistas, que começou na batalha de Stalingrado, com o triunfo dramático dos soviéticos, ao preço, no total, de mais de vinte milhões de seres humanos. As democracias ocidentais devem isso ao povo russo. Uma dívida que não pode ser minimizada.