Editorial

 Criança inglesa  com cara pintada no dia do plebiscito da Grã-Bretanha (REUTERS/Marcos Brindicci).

Criança inglesa com cara pintada no dia do plebiscito da Grã-Bretanha (REUTERS/Marcos Brindicci).

Um triste dia para o processo de unificação europeia. Um triste dia para a globalização. Os britânicos votaram 52% a 48% para sair da União Europeia. Verdade que a Grã-Bretanha é de longa data um de seus membros mais céticos e nem é membro da Zona do Euro nem do Tratado Schengen sobre livre movimentação de pessoas intra-União Europeia. Mas a margem de derrota do bom senso surpreendeu: mais de 17,4 milhões votaram por “Brexit”, cerca de 16,1 milhões por “Remain”, com um elevado índice de comparecimento às urnas. Os técnicos haviam apresentado boa quantidade de argumentos racionais sobre as desvantagens de deixar a União Europeia, inclusive os perigos de desmembramento da própria Grã-Bretanha.  Economistas haviam advertido que “Brexit” causaria danos consideráveis à economia britânica.  E não é simplesmente que parte das operações na City poderia migrar para Frankfurt ou Paris, na medida em que Londres deixaria de ser a porta de entrada em língua inglesa para os mercados de 27 países. Mas a razão perdeu para os sentimentos, para a raiva anti-elite, o nacionalismo antiglobalização, os preconceitos contra imigrantes, a retórica de “um Reino Unido independente”, soçobrou na ideia de independência manipulada pelo populismo à direita.  Londres e as cidades maiores, bem como a Escócia, favoreceram a permanência. As cidades menores votaram pela saída.

Ainda não se pode saber com clareza o impacto sobre a União Europeia e se a saída da Grã-Bretanha vai levar outros países a convocar referendos.  Para além do voto, a saída de fato é um processo demorado. Significa negociar a separação da maior zona de comércio do mundo, de mais de 600 milhões de habitantes, negociar o rompimento de acordos sobre a livre circulação de mão de obra, capital, bens e serviços.  A saída tem implicações sobre o sistema legal britânico, que incorpora um imenso conjunto de regulações europeias as mais diversas, desde segurança de produtos, regras sanitárias, até privacidade digital. É possível que nesse longo processo de separação seja possível atenuar os prejuízos econômicos. Mas não apagará a mancha de xenofobia e de irracionalidade raivosa do populismo de direita que marcou o dia 23 de junho de 2016.