“A civilização na encruzilhada” é o título de um livro publicado na década de 60 do século passado escrito e coordenado pelo filósofo tcheco Radovan Richta, que explorava os dilemas que a humanidade iria enfrentar diante da acelerada revolução tecnológica com suas implicações sociais e humanas. Quase na mesma época, o Clube de Roma publicou o famoso relatório intitulado “Os limites do crescimento”, com outra dramática advertência para o futuro: para continuar o ciclo de crescimento da economia o planeta sofreria uma dramática pressão antrópica decorrente da industrialização e da exploração maciça de recursos naturais.
O futuro chegou e quase 50 anos depois da publicação destes dois documentos, a civilização continua diante de um dilema grave nesta corrida desenfreada de consumo e de crescimento produtivo que não leva a lugar nenhum, exceto ao abismo. A não ser que faça uma escolha correta, normalmente a mais difícil, diante desta encruzilhada, as advertências do Clube de Roma foram adiadas mas continuam atuais.
De qualquer forma, podemos pensar, de ameaça em ameaça, desde Thomas Malthus, o mundo continua avançando e, convenhamos, melhorando em muitos aspectos de condição de vida da humanidade, embora com a exclusão de uma parcela significativa da mesma. Quando Malthus escreveu seus ensaios sobre a população, no início do século 19, o mundo tinha pouco menos de um bilhão de habitantes e a economia era essencialmente agropecuária. Segundo ele, o crescimento exponencial da população não seria acompanhado pela produção de alimentos, que cresceria de forma aritmética e com custos crescentes, antevendo o desastre no longo prazo. As mudanças tecnológicas desmoralizaram a teoria malthusiana e a produção de alimentos deu saltos espetaculares ao longo de dois séculos.
O relatório do Clube de Roma foi publicado mais de um século depois de Malthus, quando a população mundial já batia os 3,7 bilhões de habitantes, a esta altura com uma grande voracidade consumidora de energia e bens industriais. No ano 2000, já éramos 6 bilhões de habitantes, mas novos ciclos de inovação tecnológica permitiam a ampliação da produção agrícola e industrial e a geração de energia. Malthus e o Clube de Roma foram jogados no esquecimento, embora ainda existisse um bilhão de miseráveis e houvesse uma crescente degradação ambiental no planeta.
No entanto, com dois séculos de atraso, por razões diferentes e apesar de grandes inovações tecnológicas, as advertências de Malthus se manifestam agora como uma revolta da natureza contra o acelerado e descontrolado consumismo da população, amplificado pela expansão demográfica. Com um PIB de US$ 70 trilhões, baseado em energia fóssil, o planeta já não é sustentável nos padrões atuais com os 7 bilhões de habitantes. Em 2050 (daqui a pouco), estima-se uma população mundial de 9 bilhões de habitantes e o PIB mundial deve passar de US$ 280 trilhões, um salto de quatro vezes, atendendo ao desenfreado consumismo global.
A natureza não sofre mais porque, lamentavelmente, cerca de 2 bilhões de pobres ainda estão marginalizados do consumo, porém, a cada melhoria de renda e redução da pobreza, uma parte destes bilhões entra na festa, ampliando a demanda mundial por produtos e energia. Se não houver uma alteração no perfil e na intensidade do consumo de bens industriais e energéticos, a corrida de nove bilhões de pessoas alucinadas nas gôndolas dos mercados levará o planeta ao desastre. E a natureza se vinga e se revolta contra a civilização. Os que já estão na farra – os cidadãos dos países ricos e os ricos dos países pobres – não querem renunciar à compra da última novidade e dos novos produtos que se multiplicam no mercado; e os dois bilhões de pobres no mundo que estão excluídos desejam, com razão e direito, participar da festa.
Novas tecnologias podem moderar ou adiar este cenário. A civilização vem, com algum sucesso, empurrando a encruzilhada para frente, adiando as decisões, evitando fazer escolhas e torcendo para que estas tecnologias possam sempre contornar os problemas; mesmo que estas criem novos desafios e problemas humanos, sociais e ambientais, tudo para preservar esta corrida irracional de consumo. Mas a velocidade de crescimento do consumo tende a superar a capacidade de inovação e difusão de tecnologias, mesmo porque são as inovações que estão inundando o mercado com novos encantadores brinquedos para o fascínio dos consumidores, dos que podem comprar e dos que apenas sonham.
O dilema da humanidade neste início do século é simples: mais consumo ou mais consumidores? A inserção de dois bilhões de novos consumidores, esta massa de marginalizados, dentro do padrão dominante nos países desenvolvidos, para alcançar justiça, multiplicará dramaticamente a produção e, portanto, a pressão sobre o meio ambiente. Em outras palavras, se não houver uma mudança no nível de consumo e no padrão do consumo mundial, sobram duas alternativas: desastre ambiental ou marginalização social. Ou, o que seria pior e provável, uma combinação dos dois com a convivência do consumo conspícuo e desenfreado, de um lado, e a persistência de marginalização social e pobreza, de outro. Pode ocorrer um “milagre” tecnológico que quebre o impasse e adie mais um pouco a encruzilhada civilizatória. Mas, vamos esperar por este “milagre”?
Além das sábias preocupações de Sergio há, dentre os que apenas sonham com bugigangas, mas não podendo t~e-las, tomavam-nas.
Já é clássico o dialogo ente a madame assaltada que alega serem as suas joias apenas bijuterias e o “bandido” dizendo que a “nega” dele também gostava do falso brilhante.
Aqui, em Olinda, havia um grupo de corredores que saía, ao alvorecer, até o Marco Zero, lá nos mascates. Pivetes, na Agamenon, tomaram-lhes os tênis e já saíram trocando as sandálias de borracha pela bugiganga cobiçada.
Cuidado consumidores. essa nem Malthus sacou talvez por não ouvir o Datena.
Considerando-se, como disse o autor deste artigo bastante interessante,que já se passaram quase 50 anos e o planeta, em geral,mantem-se estável ou com pequeno declínio nas condições ambientais, apesar do crescimento populacional e do consumo de energia.
Assim o meu comentário, a guisa de estimular o debate, é o seguinte:
não seria mais profícuo que os catastrofistas, grupo no qual não incluo o articulista,abandonassem as posições radicais e as previsões baseadas em dados muitas vezes imprecisos, e começassem a avaliar cientificamente os dogmas pelos quais se pautam?
Há várias medidas de cunho ambiental e já adotadas inclusive nos denominados ricos que, se analisadas friamente são, no mínimo, de efeito duvidoso. Um exemplo é o de reaproveitamento de papel sendo justificado para poupar o corte de árvores. Estas tem um finalidade importante e que muitas vezes não é considerada ou até ignorada, qual seja a absorção de gás carbônico(CO2)durante seu crescimento,eis que árvores antigas não mais cumprem esta função e deveriam ser replantadas. Assim é que o aproveitamento de papel usado não deve ser considerado intrinsecamente como “poupador” de florestas, eventualmente, por questões de logística, o “vai e vem” de rejeitos para aterros sanitários venha a produzir mais gases ambientalmente nocivos que a queima controlada de lixo.
Em suma:o enfoque deve ser sempre a busca da solução ambientalmente menos nociva, em vez de se partir de conceitos imutáveis.
Atenciosamente
Ednardo Melo
Ao ler artigo do Sergio C. Buarque, confirmo a ideia de que o problema moral do capitalismo não é mais o lucro ou a propriedade privada, é a voracidade do consumo necessária ao aumento do lucro.
O teu artigo, Sérgio, poderia se sustentar, pela relevância do assunto tratado – o dilema da sociedade de consumo versus o meio ambiente – sem você precisar ressuscitar defuntos de triste memória: Malthus e o Clube de Roma. A teoria de Malthus, como você próprio reconhece, foi ultrapassada pelo desenvolvimento da tecnologia aplicada à produção agrícola. Teoria preconceituosa contra os pobres e muito combatida pelos demógrafos sérios num certo momento em que o governo americano (em 1968 eu diria sem pejo, os imperialistas), além de todas as demais interferências no seu quintal da América Latina, também queria impor o controle da população. Quando se sabe que a queda do crescimento da população está relacionada positivamente aos níveis de desenvolvimento do país ou região. O dilema de que você trata não estava no cerne da teoria de nenhum desses defuntos.
Teresa
A referência que faço a Malthus e ao Clube de Roma é importante no meu artigo porque pretendo destacar que o fracasso das suas previsões tem levado a imaginar que tudo estará bem no futuro já que a tecnologia, que derrubou as hipóteses deles, vai também nos salvar, mesmo com a enorme multiplicação da população e o acelerado consumismo que, não é mais dramático porque 1/3 da população está fora da festa. Será? As previsões de Malthus ocorreram numa época em que quase não existiam inovações na agricultura; e se não fossem as novas tecnologias agrícolas, o mundo teria enfrentado crises agudas de fome no mundo e convivido com grande inflação de alimentos (como houve em anos recentes) se os 800 milhões de esfomeados no planeta passassem a se alimentar com as calorias mínimas necessárias. As advertências do Clube de Roma foram bem mais sofisticadas e amplas e já introduziam o risco de uma catástrofe ambiental por conta do crescimento. As previsões não se confirmaram pelos enormes avanços tecnológicos e pela introdução de políticas que preveniram algumas tendências. E para o futuro? Confiamos que tecnologias mágicas vão equacionar todos os problemas?
Por outro lado, Teresa, mesmo sem assumir a defesa e a posição dos autores (Malthus e Clube de Roma) não considero adequado e justo classifica-los como “defuntos de triste memória”, menos ainda como teóricos a serviço do imperialismo, bem no estilo das teorias da conspiração. No seu tempo e nas suas circunstâncias e apesar de hipóteses questionáveis, Malthus e o Clube de Roma foram precursores da incorporação da natureza na análise econômica e no desenvolvimento. O grande equívoco do Clube de Roma, que terminou por contaminar toda a base analítica, reside na proposta errada e inviável de crescimento zero da economia. Não vejo também nada de “preconceito contra os pobres” no estudo “Os limites do Crescimento”; acho que, ao contrário, existe é uma aversão ao trabalho por parte de muitos intelectuais, muitas vezes sem o conhecer e sem compreender as suas hipóteses e fundamentos. Incomodados com o equívoco da proposta de crescimento zero, rejeitam todo o estudo, rejeitam até mesmo o grupo de pesquisadores que realizaram o estudo. Preconceito?