Reflexões sobre sociedade, internet e as manifestações sociais de julho de 2013.
Para Marília que acabou de nascer.
Tenho em minhas mãos a Revista Civilização Brasileira No. 16 de Novembro de 1967. Em sua a capa a foto de uma manifestação política, onde um jovem com óculos de intelectual carrega um cartaz que diz: NÃO SAIREMOS ENQUANTO NÃO FOREM LIBERTADOS ESTUDANTES E PADRES PRESOS! O conteúdo da revista, denso e instigante, tem artigos sobre marxismo, arte, desenvolvimento e pobreza, literatura, sindicalismo, inflação e ainda uma carta de Louis Altusser aos leitores brasileiros.
Eu tinha apenas dezessete anos quando esta revista chegou às minhas mãos e, por mais que eu tentasse ler e entender os artigos, ficava sempre barrado pela impossibilidade da sua compreensão plena. Faltavam-me leituras anteriores – ainda não tinha vivido o suficiente para isso-, principalmente sobre o pensamento marxista e suas correntes, que representavam o principal veio ideológico daquelas décadas. Esse não saber, entretanto, aguçava em mim uma enorme curiosidade, por perceber que aqueles artigos eram fonte de extrema ameaça para o poder político da época. Vivíamos em plena ditadura militar onde a intelligentsia e seus portadores (os intelectuais), deveriam ser calados para que o manto autoritário do Estado nos envolvesse impedindo o pleno exercício da cidadania.
Ler era, por si só, um solitário ato de resistência. Participar ativamente de qualquer movimento político era um ato de bravura onde se colocava a própria vida em risco – e muitos tombaram ou penaram os anos da sua juventude presos – diante do aparelho repressor que, em 1968, com o AI-5, botou suas garras de fora.
Imaginem a vida de uma geração inteira recalcada, reprimida pelo autoritarismo de Estado que atuou por décadas em toda a América Latina, sufocando a criatividade e a livre expressão de pensamento. A resposta, ou reação, era resistir. E o principal combustível, além da revolta instintiva, era o marxismo a suas ideologias revolucionárias. Não havia outra opção se você fazia parte desse setor da sociedade inquieto e inconformado com a realidade. Quanto mais se lia, quanto mais se refletia e mais a inquietação crescia.
A Revolução Russa (1917), o Estado Soviético, a Revolução Cubana (1959) e a Revolução Comunista na China (1949) eram horizontes balizadores que inspiravam a grande maioria dessa geração de militantes políticos a acreditarem que suas estratégias e ações tinham um sentido libertário e uma determinação histórica. A intelectualidade estava aprisionada pelas forças da história forçando-as a caminhar por um estreito e único corredor de pensamento manietado pela dicotomia do bem e do mal: esquerda bem, direita mal. Foram necessários sete décadas de “experiência socialista”, guerra fria e milhares de mortes para compreendermos, com a queda do Muro de Berlim, em 1989, que a realidade entre Estado e Sociedade era muito mais complexa do que esse simples corredor da história por onde fluiu grande parte do século XX.
Paralelemente, e por causa disso, a atividade produtiva – o modo de produção capitalista – avançava célere com suas forças inovadoras construindo, destruindo e reconstruindo mercados e desejos de consumo nesse eterno e incessante ciclo schumpeteriano. O combustível ou a instância subjacente da produção, como cantara a pedra Adam Smith, David Ricardo e mais tarde Marx com a mais-valia, era a de força de trabalho do homem.
Com o fim da experiência da União Soviética, simbolizada com a queda do muro de Berlim, a esquerda se liberta dessa atroz dicotomia histórico-ideológica e entra numa explosão de correntes de pensamentos sempre instigada por esse não-saber, agora atravessada por uma orfandade perplexa, somente compreendida a posteriori, que suas ferramentas eram brinquedo de criança para tentar compreende – e mudar – a realidade.
Tudo que é sólido se desmancha no ar!
Com a sociedade complexa e o capitalismo se sofisticando – impossível ter um Karl Marx de hoje que tenha uma produção intelectual para construir uma cosmovisão do homem, da sociedade, do Estado e de seus fluxos contraditórios que forjam a história – entra-se na era da informação.
Agora foi que lascou tudo! (pensam os filósofos da nossa era)
Com a sociedade da informação e, principalmente com a internet e seus efeitos reestruturadores nas formas de comunicação, tudo é transformado: a economia, a sociedade, o Estado e o sujeito. Tudo se desprende, numa absurda velocidade, movido pela voraz força inovadora das tecnologias numa desubjetivação do sujeito nesse mar de informação difuso, com sentido errático, conduzindo-nos sempre, e cada vez mais, a atendermos às demandas de consumo desse capitalismo informacional, nutrindo nossa alienação num fluxo de narcísisico-voyerista-facebookeano onde a imagem se torna elemento predominante sobre o texto, a escrita e o pensamento.
Ou seja, vivemos paradoxalmente capturados pelo universo da alienação do sujeito que se funda num mar de conhecimento e informação. Se antes a fonte da alienação estava na inserção do sujeito na produção, agora esta força alienadora, com a internet, invadiu sua vida de maneira profunda e irreversível.
As manifestações sociais que inundaram as ruas do Brasil em Julho de 2013, organizadas pelo poder mobilizador das redes sociais, é um importante sintoma político que nos aponta um vigor da sociedade civil (o pulso ainda pulsa) contra o Estado. Contudo, não tentemos compreender depressa demais este fenômeno, nem sobre ele depositar exagerada confiança, pois falta-lhe consistência ideológica; falta-lhe uma weltanschauung direcionada à transformação das formas arcaicas de representação política – o político está se transformado em objeto obsoleto de representação da sociedade civil – que conduza estas instâncias, Estado e Sociedade, para um patamar histórico à altura das transformações tecnológicas.
Sem estas condições, as manifestações urbanas de julho de 2013 terão sido apenas um espasmo – importante, certamente – de um corpo em agonia pela eterna alienação do sujeito à instância do poder político que rege e molda nossas vidas.
* O Pulso ainda pulsa (Titâs)
DITOS & ESCRITOS
João Rego
joaorego.com
Para entender muito do que rolou no Brasil, aproveitando a cronologia de
joão Rêgo sugiro ler “Meu companheiro. 40 anos ao lado de Luiz Carlos Prestes”
Grande David, registrei sua indicação de leitura.
Forte abraço
Recomendo a leitura deste importante livro.
Prezado João Rego,
Penso que vivemos momento de mudança histórica. Em face de conceito novo que reúne duas noções: a de democracia e a de rede. Acho que podemos chamá-lo de re(de)mocracia. Porque une a noção secular de democracia, de participação, e a noção recente de rede social, de comunicação eletrônica.
A re(de)mocracia é síntese porque se sobrepõe ao dilema entre capitalismo e socialismo. É a pós política. Concretizando a política de massa. Transformando a política formal. Introduzindo elementos de participação das pessoas no processo de pressão sobre as instituições formais de poder.
Entre a Escola de Frankfurt de Habermas e Adorno, à esquerda, e o pensamento capitalista de Daniel Bell e Shumpeter, à direita, a sociedade caminha pelas trilhas eletrônicas de Steve Jobs eBill Gates.
Trata-se de agregar aos mecanismos formais da gestão republicana a democracia de massa mobilizada pelos recursos virtuais. Na prática, deu-se um corte histórico no processo político. Os mecanismos tradicionais da democracia formal não são mais suficientes para realizar o ideal democrático.
Trata-se de introduzir um novo ente político: o sujeito coletivo da rua. Este é o produto mais nítido e sonoro da era pós política formal: o sujeito coletivo.
Por meio de referendos e de recalls. Referendo é a validação popular sobre propostas de mudança de instituições sociais e econômicas. E recalls é a chance que o cidadão eleitor tem de pedir de volta ao mandatário infiel a confiança de seu voto.
Caro Luís Otavio Cavalcanti
De fato o fenômeno das redes sociais tem um enorme impacto nas instâncias políticas e na sociedade. Não afirmaria que a era da informação está refundando a democracia, não há rupturas universais no modelo milenar de interação entre sociedade civil e classe política que aponte um novo patamar civilizatório para tanto. Prefiro ser mais prudente e tentar identificar nesse tsunami de informação e conhecimento que invade nossas vidas, onde estão as velhas colunas fundantes da democracia, da política e do conflito estruturante que as funda: o natural antagonismo entre sociedade civil e a classe politica, esta última detendo o privilégio da força e a responsabilidade de gerir o Estado, esse Leviatã moderno que tenta conter nossa primitiva pulsão.
“Entre a Escola de Frankfurt de Habermas e Adorno, à esquerda, e o pensamento capitalista de Daniel Bell e Shumpeter, à direita, a sociedade caminha pelas trilhas eletrônicas de Steve Jobs eBill Gates.”
Os autores que você cita acima são fontes extraordinárias de pensamento, que não só interpretaram o homem e seus desejos em sociedade e a produção como resultado da pulsão inovadora do sujeito, mas também moldaram o que somos hoje.
Gosto sempre de pensar que houve um deslocamento metonímico nos significantes esquerda e direita, sendo o primeiro o grupo daqueles que propõem, lutam e atuam voltados às transformações da realidade social; o segundo, o da direita, aqueles que resistem as mudanças por uma impossibilidade real de sair da zona de conforto em que se encontram ou não desejarem correr risco de perder privilégios historicamente conquistados.
Disso, podemos inferir que há uma zona de inversão do que era antes esquerda e direita, e do que são hoje estas instâncias políticas.
Gosto de provocar dizendo que a 11ª Tese sobre Feuerbach da Karl Marx, que foi uma das principais forças impulsionadoras da esquerda, tem sido vivida com intensidade pelos empreendedores e suas inovações.
Será que BiIl Gates e Steve Jobs guardaram Marx em suas cabeceiras?
“Die Philosophen haben die Welt nur verschieden interpretiert, es kömmt drauf an, sie zu verändern.” ( Os filósofos têm apenas interpretado o mundo de diversas maneiras, o que importa é transformá-lo) Karl Marx.”
Certamente nos início do capitalismo, durante a revolução industrial, a esquerda era nitidamente organizada no bloco histórico marxista e a direita do outro lado, defendendo o capital e dele tirando vantagem sem medir as consequências sobre o resto. Falo de revolução industrial e de forma arcaicas de expropriação do trabalho humano apenas para situar um momento histórico, mas não significa que hoje ainda não tenhamos este tipo de relação. Há sim formas de produção extremamente arcaicas injustas e exploradoras do outro, como há também marxistas, militantes e pensadores de esquerda que, inibidos por limitações intelectuais e afetivas, vivem aprisionados em 1917.
Não vejo Steve Jobs e Bill Gates (a sociedade da informação) como trilhos por onde a sociedade caminha, vejo-os sim como criadores de uma forma sofisticada de capitalismo, assim como foram os criadores da máquina a vapor forjando a revolução industrial, onde por trás de seus projetos está o inevitável objetivo de conquistar lucro e competitividade, para ter….mais lucro.
Forte abraço
Meu prezado e admirável amigo João!
Você sintetizou de forma brilhante, neste artigo, tudo aquilo que eu estava procurando ‘dar forma’ na minha cabeça. “weltanschauung” explicou tudo. Parabéns e grande abraço!
Grande Ronaldo!
Fico muito contente que tenhas gostado do meu texto.
Um grande abraço
Caro João Rego
Gostei muito de teu artigo apesar de achá-lo um pouco ainda preso a uma linguagem que sofre por não se desvencilhar do já-usado, de uma forma de compreensão social que ainda se quer marxista. É dificil meu caro, e esse é um dilema que hoje nos implica diretamente: ainda não encontramos uma linguagem que possa caminhar sem ser puramente repetição do que teria sido num tempo que por ser por demais próximo tememos nos jogar no abismo. Então, para mim, meu dilema é: repetir ou tatear sabendo que as referências não mais nos assegura de nenhuma certeza, mesmo que puramente imaginária. Temos um saída? Creio que saída agora se apresenta (meu ponto de vista)no campo da arte: poesia.
Mas qual é a eficácia da poesia? Percebe como ao dizer algo maldigo em seguida o que acabei de dizer. A preocupação com a eficácia é a busca da garantia que não mais temos e isto é horrível. Avaliemos sem paixão as manifestações atuais tamando-as simplesmente pelo viés da constatação: se dizemos ser ALIENAÇÃO onde está o outro e Outro dessa alienação? Será que o conceito – se assim me expresso – de alienação ainda é adequado? É, ia dizendo operativo e vi que estava prestes a cair no ABISMO da repetição. Será porque a religião continua a crescer de forma tão acentuada? Qual é a afeicácia ou a operatividade da RELIGIÃO? Não seria porque o religioso encontra garantia na certeza de uma crença, um fé que não tem conceito, não tem rigor científico e recria uma realidade POÉTICA para a vida? E nós orfãos do marxismo (é assim que me sinto)?
Bem, espero que continuemos. Abs do Alduisio
Caro Alduízio:
Penso que a história, assim como o pensamento humano sobre o percurso da humanidade ao longo desta se dá de forma linear, num necessário processo de construção do novo em substituição ao velho. Esse velho, até que cesse de ter importância na fundação do novo, continua fazendo efeito naquilo que se pensa sobre o homem, a sociedade, a economia, a cultura e a politica.
Há o “velho” que pela sua força criadora se torna perene, esses são os clássicos.
A linguagem, como você bem aponta, é o substrato que possibilita a materialização das ideias. Ela carrega os desejos e as impressões do observador que a realidade (quer seja por delírio ou não) lhe impõe.
“… achá-lo um pouco ainda preso a uma linguagem que sofre por não se desvencilhar do já-usado, de uma forma de compreensão social que ainda se quer marxista”.
Essa sua arguta observação, a qual me enriquece como crítica, inclusive pela sinceridade intelectual de você também se sentir ainda capturado por esse já-usado provocam-me algumas reflexões.
Vamos lá. Sei que ser marxista hoje é algo anacrônico, mas será que os fenômenos interpretados por ele mudaram tanto ao longo destes dois séculos para que o conjunto do pensamento marxista, como um todo, seja de fato desprezado e sem mais nenhuma utilidade?
Terá os pensadores do novo momento histórico armas e ferramentas suficientemente prontas para, de fato, se desprenderem deste pensamento marxiano já-usado, rompendo os liames da história que fundou os séculos XIX e XX?
Fazendo uma analogia entre Freud e Lacan, do qual você é um praticante e teórico da psicanálise, o inconsciente freudiano profundamente reinterpretado por Lacan, pode-se dizer ricamente complexificado por Lacan, não continua ainda assim sendo inconsciente? Onde está o ponto de ruptura – e sei que há muitos – definitivo que possa Lacan afirmar, ou seus seguidores, que ele não é mais freudiano?
Guardadas as distâncias e especificidades de motivações e o objeto de estudo entre Marx e Freud, vejo no pensamento social os conceitos marxistas revisitados, denegados e reinterpretados como um insistente sonho recorrente que nos atormenta o espírito.
Colocas a poesia como um possível refúgio das incertezas e inquietações humanas. Reconheço, é um belo refúgio, assim como todas as artes, expressão da sublimação humana diante da vida e da morte, mas apenas isso.
Como vês estes clássicos vão infernizar ad eternum as nossas vidas, para o bem e para o mal.
Continuemos….
O pulso ainda pulsa, é verdade, mas a sociedade brasileira está engessada. Ou as instituiçoes foram engessadas e blindadas em proveito proprio. Quem irá controlar os “impulsos” das instituiçoes que se tornaram sócias do Estado brasileiro? Um pequeno/grande exeplo: nao tem grito na rua que impeça as câmaras municipais de se apropriarem de 2,5 % , 3 %, 4% ou até 4,5% das receitas municipais. O Poder Judiciário é dono de um bom pedaço das riquezas produzidas pelo País. E os demais Poderes tambem. A “revolução comunista” de Cuba apodreceu. As esquerdas se revelaram piores que as direitas trogloditas. A questao do tal “patrimonialismo” vai além das ideologias.
Caro José Adalberto:
Concordo com você, o patrimonialismo de esquerda parece tão danoso quanto o de direita, mas insisto que acima das ideologias há duas instâncias antagônicas : a classe política e a sociedade civil, que romanticamente se imagina como a geradora do poder político através do voto em uma democracia.
O que há, em uma democracia como a nossa é a apropriação dos aparelhos ideológicos de Estado em favor de interesses escusos.
Esta tensão, ou pressão da sociedade civil tem que ser sistematizada e canalizada com estratégia sob pena de obter poucos e temporários efeitos cerceadores.
E mais, quais os mecanismos sociais para controlar os impulsos “filantrópicos” de um BNDES? As esquerdas corrompidas alimentam o patrimonialismo deletério. O Brasil está carente de um “iluminismo” novo
meu nobre, joao. li atentamente todos os comentarios,como vc quando tinha 17 anos por falta de conhecimento nao sabia o que estava a contecendo imagine agora o nosso povo sem escolaridade, precisamos falar de forma que todos possa entender o que esta acontecendo, bom ai vai aminha avaliaçao, capitalismo esse aos poucos vai sendo enfrentado pelo o socialismo que hoje e praticado e o povo adora, vale transporte vale refeiçao cexta basica decimo teceiro gratuidade para idoso e outras coisas mais,agora precisamos de escolas de boa qualidade hospitas habitaçao menos impostos,porque todo o dinheiro vem da força de trabalho do povo porque os militares tem o privilegio de ter um hospital so para eles? isso esta errado,porque o judiciario faz o proprio salario e tambem o politico esta errado! por falar em politico ja sairao de ferias,quando que o trabalhador so tem 30 dias, vamos agora a ditadura falada por vc,vc so nao falou quem provocou, que foi aquele que se mete na vida de todo mundo sem respeitar a soberania dos paizes e agora invadiu os meios de comuniçao do mundo inteiro, aquele que dizia que o brasileiro nao era de nada era so de cerveja carnaval e futebol se enganou, porque nao sabe que aqui teve varias guerras, como as cabanadas canudos farrapos e outras. UM FORTE ABRAÇO
OUSAR LUTAR OUSAR VENCER
Caro Nelson
Fico muito contente que tenhas lido nosso debate. De fato, concordo com você em todos os pontos levantados. Nos falta eleitores mais conscientes e participativos para exercer uma ação controladora sistemática sobre a classe política.
Se deixar tudo solto e só atuar nas eleições, mesmo assim obrigado, vamos deixar as raposas tomando conta das galinhas num galinheiro fechado.
Ir para as ruas sim, mas com agenda e estratégia para obter ganhos concretos.
Forte abraço.
Caro João Rego.
Gostei muito de seu artigo,escrevi um recentemente:”Das sociedades de massas às sociedades de matizes” em que abordo algo semelhante,ou seja, precisamos mudar os antigos paradígmas para nos aproximarmos da atualidade.A “complexidade” nos permite isso.Acredito que das manifestações do caos poderemos alcançar novas “auto-organizações.É uma aposta ,assim como,senti o seu artigo.Abs.Alcimar.
Caro Alcimar:
Compreender o caos talvez seja o maior desafio. Fazer dele algo com sentido transformador do velho, é tarefa de várias instâncias da sociedade civil.
Forte abraço
Muito bacana o texto e a tentativa de buscar participar reflexivamente dos atuais acontecimentos. Entretanto, no momento em que leio sobre a falta de consistência ideológica, a “alienação” do sujeito devido à pluralidade de informações e de um suposto narcisismo de época, não sei. Creio que há sempre formas de edição e que não há um todo e nem mesmo uma possível modelização totalizadora nas informações; quanto à consistência ideológica penso e vejo com potência os acontecimentos atuais confrontando as formas de poder ideológico verticalizado que se mostram, na prática, também falíveis e, portanto, seja um modelo sólido ou líquido, esse estará invariavelmente sob o signo da transitoriedade. Por isso acho que este é um momento interessante dessa denominada singularidade narcísica (esse narcisismo é algo que nos constitui, mesmo que frequente formações mais amplas) que se quer relativizada, na medida em que deseja, desbandeiradamente, formar esse coletivo constestador, questionador dos estabelecidos lugares. Reparabenizo pelo texto que me fez pensar e contribuir com algumas palavras.
Cara Anna Amélia:
O narcisismo é algo constitutivo da identidade do sujeito. Nós somos constituídos como sujeito ao inconsciente pela relação especular com o outro. Deslocando nosso olhar sobre esse sujeito em sociedade, a da informação, esse narcisismo se exacerba impedindo ou obstruindo a relação social com o outro. O Facebook, por exemplo – do qual sou intenso usuário – é a explosão da materialização possível, em rede, dessa especularidade do sujeito, para o bem e para o mal.
Como você diz, há um traço de transitoriedade nessas manifestações articuladas em rede. Para expressar essa transitoriedade usei a famosa frase de Karl Marx no Manifesto Comunista.
Tudo o que era sólido se desmancha no ar, tudo o que era sagrado é profanado, e as pessoas são finalmente forçadas a encarar com serenidade sua posição social e suas relações recíprocas.
(Manifesto Comunista) Karl Marx.
Não há um todo fechado, arrumado nestes fenômenos sociais pós-internet. E aí é que reside a enorme dificuldade em dar sentido a esse caos ou dele extrair algo efetivamente transformador nas estruturas vigentes de poder. Creio que alguém goza com tudo isso, a começar com o Mark Zuckenberg, dono do Facebook com bilhões de dólares aos trinta e poucos anos. Ou seja, há mudanças como nunca se teve ao longo de toda a história da humanidade, e essas mudanças implicam em informação e conhecimento em profusão envolvendo esse sujeito que paradoxalmente, até pelas limitações de seus desejos como cidadão – esmagado em um cotidiano opressor -, continua imerso em sua alienação.
Forte abraço.
DAS SOCIEDADES DE MASSAS ÀS SOCIEDADES DE MATIZES.
Estamos vivendo um momento único e novo em nossa história. As massas se manifestam, mas não temos um único líder em sua condução, temos uma dispersão. Isto faz uma grande diferença!
A questão das massas foi estudada por Freud, em Totem e Tabu, em 1913 e em Psicologia das massas e análise do eu, no ano de 1923. Portanto, em dois momentos distintos de sua obra.
As massas compõem-se por uma grande aglomeração de pessoas, Freud destaca que nestas circunstâncias as instâncias psíquicas, superego e ego se diluem no conglomerado, ou seja, sofrem uma regressão a estados primitivos do aparelho psíquico. Darei, no decorrer deste texto, ênfase a esta questão. Nestas condições cada elemento segue cegamente um líder, em geral, carismático. Nesta massa amorfa, as responsabilidades individuais ficam suspensas e os excessos pulsionais vêm à tona e são manipuladas por esse líder.
As guerras mundiais ocorridas no século xx foram bastante emblemáticas quanto a esse funcionamento das massas. Os partidos totalitários, nazista e fascista, utilizaram destas características das massas em direção de seus interesses.
Com a criação da internet e o seu desdobramentos em networks um outro universo político está surgindo.
No cerne das democracias pulsa a alternância de poder. Um sintoma grave surge quando os partidos que estão ocupando o poder insistem em se perpetuar nele. É dessa forma que a corrupção aparece com muita intensidade e tenacidade. A consequência disso é uma competitividade selvagem para que a permanência no poder seja mantida. Precisamos de relações solidárias e isto só conseguiremos com alternância de poder.
Neste momento detecta-se uma grande transformação histórica que é o aparecimento das redes sociais, atuando politicamente com grande força. Estas são potências, virtualidades, que podem suscitar novas formas do atuar no social.
Isto muda muito: a questão da representabilidade entra em xeque, pois, estamos passando de uma época de” representações” à uma época de “apresentações” em tempo real.
Como podemos pensar a questão das representações políticas em um tempo histórico de redes sociais?
O modelo das representações políticas não serve mais?
Precisamos de políticos que recolham as apresentações que a população está produzindo nas ruas e passem a “metabolizá-las” e” catalisá-las” sem trair os desejos e compromissos daqueles que os elegeram e os colocaram em um lugar de poder.
Com as redes sociais criam-se a possibilidade das auto – organizações² das massas e, concomitantemente estas deixam de serem sociedades de massas e passam a ser sociedades de matizes. Perde-se aquela indiferenciação própria das massas que obedecem a comandos definidos e passam agora para uma multiplicidade de comandos com muitas tonalidades.
De seu computador, cada usuário pode emitir a sua opinião em tempo real no ciberespaço. Isto mostra que estamos superando a era das puras representações, pois, estas emissões são agora compartilhadas, ( não ao acaso mas, em cada compartilhamento pulsa um desejo) com o mundo e depois retornam ao emissor. Temos, portanto, diferentes espaços se articulando em simultaneidade. Estes espaços virtuais produzem redes que se auto – organizam. Esta mescla, espaço virtual e espaço público, entram em interação e isto é o novo. Produzem novas expressões políticas. As representações, não mais dão conta desses processos. As apresentações estão sendo incorporadas em tempo real às redes sociais.
Os rumos que as manifestações estão tomando basculam entre o caos e a ordem. Não temos garantias, porém, sabemos que estas novas formas geradas nas multidões podem ser criativas e precisam ser ouvidas para que possam catalisar mudanças, pois das turbulências surgem auto-organizações. Neste sentido, o caos não é confusão, dispersão ou bagunça.
Neste momento de planetarização, que caracteriza o nosso momento histórico, existe a necessidade de captarmos estas novas formas que estão pulsando no social.
A produção/ criação destas auto-organizações provenientes das expressões desejantes dessas multidões faz com que pensemos em novos manejos da democracia.
Há um paradoxo sendo criado entre as forças políticas organizadas em partidos e as forças políticas que se desejam apartidárias. Como podemos articular e trafegar democraticamente por esse paradoxo?
Estas questões são as novidades destas manifestações, pois, elas apontam para a complexidade que ocorrem nas auto-organizações das massas, e, neste sentido este processo, não é somente da ordem do regressivo. É da ordem da produção do novo.
Para analisarmos este acontecimento que tem características caóticas , sugiro algumas ferramentas: o caos é um potencial e nesse sentido ele é um virtual que produz auto-organizações. Para que estas sejam captadas, precisamos de alguns elementos, pois a sua produção emana dos diversos matizes que estão sendo pulsados nas multidões. Para captarmos estes novos matizes, que são puras diferenças, precisamos reconhecer a produção destas auto-organizações, pois elas são usinas das novidades provenientes das multidões.
Como podemos chegar às expressões de desejos das populações e traduzi-las em informações que possam mostrar os campos de força presentes nelas?
Precisamos pensar em pelo menos três operadores para lidar com estes matizes São eles: referências, consistências e consequências.
Criando o campo das referências os campos de forças contidos nas manifestações sociais/subjetivas são historicizados.
Dar consistência a esses campos de intensidades é descobrirmos suas vigas mestres, ou seja, nomear seus alicerces, portas e telhados.
A característica principal de uma auto-organização é sua capacidade de metabolizar acontecimentos. Essa metabolização gera consequências irreversíveis no social.
Podendo nomear estes operadores criam-se a possibilidade de nos aproximarmos das potencialidades caóticas e dar-lhes novos rumos, produzindo novos universos de articulações políticas provenientes dessas intensidades.
As emanações das multidões pulsam no campo do coletivo abrindo janelas para novas ações políticas.
João Rego-Estou lhe enviando o meu texto.Abs.Alcimar.
Caro Alcimar:
Agradeço-lhe por enriquecer nosso debate de forma tão consistente e articulada. Grifando sua frase “Em cada compartilhamento pulsa o desejo” esta remeteu-me a Freud na Interpretações do Sonhos “Cada palavra carrega em seu bojo o desejo.”
Abraços