Na fuga do senador boliviano Roger Pinto da Embaixada brasileira em La Paz, o diplomata brasileiro Eduardo Saboia quebrou a hierarquia do Itamarati e, ao mesmo tempo, criou um conflito diplomático com a Bolívia ao retira-lo do país sem salvo-conduto. Entre a obediência às regras institucionais e diplomáticas e a consciência que, segundo ele, o senador estaria sendo vítima da intolerância do governo boliviano e da leniência do governo brasileiro que tinha concedido asilo diplomático, Eduardo Saboia assumiu os riscos e a responsabilidade. Não cabe julgar se o Roger Pinto merecia asilo e nem mesmo qual o nível de perigo que corria. Cabe considerar que o diplomata brasileiro tomou uma decisão ousada com a sua avaliação da situação e sua consciência política e moral. Guardadas as proporções, o gesto isolado de Eduardo Saboia lembra a atividade secreta de Aracy Guimarães Rosa, com apoio do diplomata e escritor Guimarães Rosa, burlando a vigilância do governo alemão nazista e do governo brasileiro de Getúlio Vargas para salvar milhares de judeus perseguidos. Como se sabe, ela conseguia a assinatura do cônsul brasileiro em Hamburgo nos passaportes, escondia judeus em sua casa e cruzava fronteira com alguns no banco de trás. Saboia e Guimarães Rosa quebraram hierarquia, desobedeceram a ordens e regras mas o fizeram, tudo indica, por razões justas e louváveis de consciência humanista.
Conselho Editorial
Camaradas
Álvaro Lins também passou por cima do Itamaraty, quando era embaixador em Lisboa, no caso dos rebeldes anti-salazaristas do navio “Santa Maria”, que veio dar ao Recife. Belos gestos de consciência e ação. Entretanto, desconfio que esse senador boliviano não passa de um bandido (confesso não ter tido tempo de pesquisar) e, neste caso, sendo confirmada essa intuição, reduz-se, em muito mesmo, a aura do nosso Saboia.
Caro Homero,
Se, mesmo confessando não ter tido tempo de pesquisar sobre o senador boliviano Roger Pinto, você coloca em dúvida seu caráter, de certo modo você está colocando também uma em dúvida o caráter do diplomata brasileiro Eduardo Saboia, ou pelo menos duvidando de seu discernimento, o que, principalmente num diplomata, é falha grave.
A diplomacia brasileira nesta era Lula/Dilma tem se pautada por ações que tem deixado envergonhado o Brasil perante as nações civilizadas, tais como entregar de volta à ditadura cubana dois altletas (boxe) daquele país que vieram lutar no Brasil e estavam pedindo asilo político, permitir que opresidente deposto (constitucionalmente) de Honduras usasse a embaixada brasileira em Tegucigalpa como palco para fazer fazer campanha contra o novo presidente, envolvendo o Brasil numa crise que poderia ter resultado imprevisíveis, aproveitar o impeachment (também constitucional) do presidente Lugo, do Paraguai, e aliar-se às quase ditaduras bolivarianas que formam a uma boa parte do Mercosul, para dar um golpe na instituição comm o propósito de instalar a Venezuela naquele organismo internacional, em desacordo com as regras do próprio Mercosul.
Enfim, esses atos vegonhosos do atual Itamaraty teve um honroso contraponto com a atitude corajosa e honrada do diplomata Eduardo Saboia.
Abraço,
Adnor Pitanga
Meu caro Homero,
No plano da desconfiança, também tenho a impressão de que o senador em questão é, como diz você, um “bandido”. Mas também não sei muita coisa sobre o dito cujo, como você também não. E louve-se essa sinceridade sua. Acho que ambos (eu e você) estamos intuindo, com base no que conhecemos do baixo clero hoje hegemônico no parlamento brasileiro, que esse senhor não deve ser flor muito cheirosa. Um senador boliviano perseguido pela justiça do seu próprio país… hum! É o tipo de pessoa que já de saída conta com a nossa antipatia. Mas aí é que está: a nossa antipatia apriorística não pode ser um critério para julgar quem ele é ou fez. Nesse sentido, acho que Sérgio está certo, ao levantar a questão da possível intolerância do governo boliviano, de um lado, e da leniência do nosso, de outro. Afinal, se o Itamaraty concedeu asilo diplomático ao senador, supõe-se que foi por fundadas razões. E, nesse sentido, deveria ter sido mais operoso nas tratativas para obter o salvo-conduto. É a lei, velho, a lei. Nós mesmos, nesta República dos Bruzundangas (nunca é demais lembrar o triste Lima Barreto), quanto sofremos quando ela foi pisoteada! Em resumo, não pode haver presunção de culpabilidade para julgar esse episódio. A presunção de inocência é uma aquisição dos regimes democráticos de que não podemos abrir mão, mesmo para os “piores bandidos” (mas quem define o que é isso?), porque senão voltamos ao tempo em que o sujeito tinha de provar que era inocente…
Abração,
Luciano
Comentário
Caro Homero:
Não achamos que as qualidades (ou a falta delas) do senador boliviano sejam critério para julgar a atitude do diplomata Saboia. Certou ou errado, o governo brasileiro tinha concedido asilo diplomático ao senador supondo, portanto, que ele estava sendo vítima de perseguição política na Bolívia. Neste caso, o Itamaraty deveria solicitar ao governo boliviano salvo-conduto para sua saída do país, pressionar nesta direção e, enquanto não fosse concedido, oferecer condições mínimas de vida nas instalações da Embaixada brasileira. O que não estaria acontecendo, segundo afirma Saboia, sem que tenha sido contestado pelo Ministério das Relações Exteriores. Supomos que Dona Aracy Guimarães Rosa não pedia folha corrida dos judeus que escondeu e que ajudou a deixar a Alemanha, salvando-os da prisão e da morte. Embora a gravidade das situações seja muito diversa, as circunstâncias são parecidas já que o diplomata Saboia avaliou (e não nos cabe julgar se a sua avaliação estava correta ou exagerada) que o senador estava em condições precárias e com risco de vida, e arriscou a carreira para retira-lo do território diplomático brasileiro na Bolívia para o Brasil.
Os Editores
Devo estar mesmo perdendo meu juízo, pois, por mais que me esforce, não consigo compreender e muito menos aceitar que se respalde uma atitude dentro de uma lógica constitucional comparando-a (mesmo dizendo “guardadas as devidas proporções”) com uma situação de absoluta exceção como a atuação de Aracy Rosa (e vários outros exemplos históricos).
Também não me importo com a folha corrida da pessoa em questão, pois concordo com o direito democrático qdo trata da presunção de inocência, mas já imaginaram se nessas “circunstâncias parecidas” (estou realmente vivendo fora do mundo?) o diplomata pensasse justamente o contrário do que pensou e resolvesse, digamos, livrar o mundo de alguém que ele pessoalmente julgasse que não merecia continuar vivo? E aí? Claro que é uma situação hipotética, mas com ela quero lembrar que o arbítrio pode ir pra qualquer lado.
As instituições democráticas (não esquecer que o governo foi eleito e que teremos eleições breve, breve) servem justo pra que se evitem as decisões pessoais por juízos e “achismos” individuais. No caso em tela, só mesmo tendo uma crença no ser humano maior do que a minha (e olha que ainda tenho bastante) para acreditar que isso foi um ato de bondade humana com o semelhante, por consciência humanista, sem nenhum caráter político por trás. Ou então, reconhecer que vale tudo quando se é contra quem está transitoriamente representando o poder instituído pelo voto, se tiver muitas razões para isso, mesmo se tiver caminhos institucionais para fazer-lhe frente.
Só para discutir um pouco com os argumentos levantados no comentário de Fátima Amorim, gostaria de lembrar que a Itália é um país democrático, com o sistema judiciário em funcionamento e onde há liberdade partidária e, no entanto, o Brasil deu asilo a Batisti, depois de ele ter sido condenado por homicídio de quatro pessoas e atos de terrorismo. Além disso, o Brasil negou o pedido de extradição feito pelo governo italiano, criando um grande constrangimento nas suas relações internacionais. Que mérito possui o Batisti que levou o governo a desafiar as regras internacionais? por outro lado, o senador boliviano recebeu do governo brasileiro o direito a asilo político, tendo se recolhido à sede da Embaixada brasileira na Bolívia. Por que não facilitou a sua saída desse país democrático que se negou a liberar o salvo conduto do asilado? A política internacional tem alguns segredos que qualquer simples cidadão não consegue entender.
Só para corrigir : o nome do terrorista italiano asilado no Brasil e , hoje, trabalhando como tradutor do Itamaraty é Cesare Battisti.