Sérgio C. Buarque

Os Retirantes – Cândido Portinari (1944).

Os Retirantes – Cândido Portinari (1944).

Grande parte dos intelectuais que votam em Dilma Rousseff para presidente da República reconhece os graves problemas do PT no governo – corrupção, aparelhamento do Estado, ineficiência – mas justificam sua posição, meio envergonhada, com um esquerdismo emocional. Pelo visto, o “PT inventou o Brasil” em 2003, mas a corrupção teria sido uma criação das atuais forças de oposição, cabendo aos governos petistas apenas ampliar e intensificar, única coisa que aproveitaram dos governos anteriores, corrupção “como nunca antes neste país”.

 

Se é tudo “farinha do mesmo saco”, como se diz na linguagem popular, o que leva à escolha de Dilma? Então a diferença seria ideológica, recuperando a diferença entre esquerda e direita. Dilma é esquerda e Aécio direita. Será? Em que a prática do PT é de esquerda? Distribuição de renda? Nada mais liberal. Um dos primeiros e maiores defensores deste mecanismo foi Milton Friedman, principal expoente do neoliberalismo econômico da Universidade de Chicago. E sabem por quê? Porque não enfrenta as questões estruturais da pobreza, conserva a pobreza em vez de combatê-la. Isso é esquerda? A pobreza e a desigualdade no Brasil vêm caindo desde meados dos anos 90 (não invenção do PT) e decorre muito mais de um processo demográfico – redução do tamanho das famílias e do aumento da população em idade ativa – do que do programa Bolsa Família (ver a respeito, nesta mesma Revista Será?, o artigo “As mudanças demográficas e a pobreza no Brasil”).

 

Sem tirar o mérito deste programa, o que incomoda aos críticos do PT é a mistificação deste instrumento e de várias outras iniciativas vendidas como a salvação do país e a solução da pobreza no Brasil. Metade dos beneficiários da Bolsa Família está no Nordeste e, no entanto, foi precisamente nos Estados da região onde a taxa de pobreza caiu menos; a região tinha a mais alta taxa e continua sendo a mais elevada do Brasil. De 2000 a 2010, a pobreza caiu 5,9% ao ano na média do Brasil e, no Nordeste, apenas o Rio Grande do Norte teve um declínio um pouco maior (6,2% ao ano). A maior queda foi em Santa Catarina, com 11,8%, e no Paraná, com 10,2%; em Minas Gerais a pobreza declinou cerca de 7,7% e em São Paulo 7,1% ao ano (dados do IPEA). Fora o Rio Grande do Norte, todos outros estados do Nordeste tiveram redução da pobreza entre 5,5% ao ano, Sergipe, com o melhor desempenho, e 4,5% ao ano, no Maranhão. Com isso, aumentou a diferença entre taxa de pobreza dos Estados do Nordeste e a média nacional e, principalmente, os Estados do Sul e do Sudeste.

 

O uso abusivo do discurso esquerdista do PT, assumido por velhos militantes dos antigos partidos de esquerda, não tem mais nenhuma relação com a realidade e com as políticas petistas. Da mesma forma que não tem fundamento a pecha preconceituosa de direita a todos os que criticam o governo do PT e votam na oposição. Esta classificação como direita e elitista de todos os que criticam o PT tem o propósito de inibir o debate e constitui uma detestável pressão moral e ideológica.

 

Outro argumento recorrente para justificar o voto em Dilma é o que chamam de ódio ao PT da chamada direita (na verdade todos que estão contra Dilma). Não vêm o ódio do PT à oposição? Existe sim uma rejeição forte ao PT no país que é tão forte quanto a arrogância deste partido e do seu governo, para quem “os fins justificam os meios” e que se considera acima do bem e do mal, os puros e perfeitos, os donos da ética, tão donos que podem joga-la na lama. Este componente meio fundamentalista que divide os brasileiros entre nós e eles é a base para o fanatismo e para o ódio. Por outro lado, a campanha de Dilma usou e abusou de baixaria e de mentiras e os blogs dos seus aliados espumavam pela boca. Veja o que fizeram com Marina Silva?

 

Os opositores do PT e de Dilma seriam de direita e da “elite branca”, brasileiros perversos que não suportam que os pobres ascendam à condição de cidadãos. Esta afirmação, que se repete em todos os discursos petistas, é uma simplificação grosseira das críticas de amplos setores da oposição ao PT, técnica publicitária também reiteradamente utilizada de acusar os adversários em vez de se explicar à sociedade. Por que alguém poderia rejeitar a melhoria das condições de vida da população brasileira que, aliás, continua na lama com dramática carência de serviços públicos? E os capitalistas, que devem ser parte desta “elite branca”, estão adorando o consumo da população e, particularmente dos pobres pela escala que representa na compra dos seus produtos.

 

Quando os argumentos faltam e a capacidade política mingua, resta a reza do teólogo Leonardo Boff: “Peço a Nossa Senhora e a todos os santos que esse homem (Aécio) não ganhe, porque ele é inimigo do povo” (citado no blog de Ricardo Noblat). Este o outro lado do fanatismo religioso no Brasil (o Malafaia católico) para quem o adversário do PT é inimigo do povo, quem está contra o PT está contra o povo. Lamentável!