Sérgio C. Buarque

As dificuldades econômicas do Brasil nesta virada de ano – combinação de pressões inflacionárias, estagnação e desequilíbrio fiscal – podem levar a uma nova onda de mobilização e insatisfação política e social, seja pela aceleração inflacionária, seja pela retração da economia decorrente do anunciado ajuste fiscal. Como agravante, o Brasil saiu das últimas eleições dividido e com posições políticas altamente radicalizadas: o governo do PT e seus aliados de conveniência, de um lado, e as oposições lideradas pelo PSDB de outro. Neste ambiente explosivo, os desdobramentos das investigações da operação Lava Jato devem atingir os alicerces do Congresso, com dezenas de parlamentares envolvidos, e podem contaminar o Palácio do Planalto. Dependendo da intensidade e da abrangência combinada destes processos, o Brasil pode viver, no próximo ano, uma perigosa crise institucional e de governabilidade. Se não bastasse esta delicada configuração, a chefe de Estado e do governo eleita pelos brasileiros, Dilma Rousseff, não parece ter habilidade, competência e a disposição necessárias para a negociação e o diálogo.

 

Diante de risco real de ingovernabilidade, o Brasil precisa de um estadista, um homem público com grande liderança e visão estratégica, com coragem política para se liberar das pressões agudas do momento, adotar posturas e tomar iniciativas capazes de quebrar o ciclo de desagregação política e social, reconstruir as instituições e reformar o Estado e a política. O estadista é mais que um líder. E o líder deve ser mais do que, simplesmente, expressão das pressões da sua base política, orientando e influenciando na formação da consciência dos liderados. O Brasil não tem uma liderança com este perfil de estadista. Mas, nos dois polos do confronto político que divide o Brasil existem duas lideranças que poderiam negociar e construir um acordo nacional em torno de princípios e decisões convergentes que preparem o futuro: Luís Inácio Lula da Silva e Fernando Henrique Cardozo (duas maiores lideranças políticas do Brasil), cada um deles com uma retaguarda política radicalizada que precisa ser desarmada. Tal acordo não seria contra a presidente eleita. Seria mesmo necessário até para criar condições de governabilidade do seu governo, que assume em janeiro no meio da tempestade econômica, política e institucional.

 

Antes da emergência da crise e pensando no Brasil, os dois líderes deveriam renunciar aos seus interesses imediatos de partido, reunir-se em torno de uma pauta de negociação para além das pressões das bases, discutindo e definindo as reformas necessárias para deter a corrupção, reorganizar a economia, recompor a governabilidade e preparar o desenvolvimento nacional. Esta postura de estadista exige dos líderes um desprendimento e, mais ainda, coragem política para reabrir os canais e espaços de entendimento. Guardadas as proporções, foi a coragem e o desprendimento de Nelson Mandela e de Frederik Willem de Klerk, inimigos políticos, que salvaram a África do Sul de uma guerra civil e prepararam uma transição segura para um governo de maioria. O Brasil está muito longe da instabilidade e do confronto da África do Sul no início dos anos 90 do século passado: repressão, violência e ódio acumulado. O que poderá facilitar o entendimento e a negociação, mais do que no país africano, que estava na iminência de uma guerra civil.

 

O Brasil precisa de estadistas neste momento delicado. Para se mostrarem como estadistas e não apenas porta-vozes dos segmentos radicalizados dos dois polos políticos e seus partidos, Lula e Fernando Henrique Cardoso devem partir para uma construtiva e séria negociação política que leve à construção de um pacto pelo Brasil. Do contrário, passarão para a história como omissos diante da crise política, econômica e institucional do país, políticos menores frente ao tamanho dos desafios.