As dificuldades econômicas do Brasil nesta virada de ano – combinação de pressões inflacionárias, estagnação e desequilíbrio fiscal – podem levar a uma nova onda de mobilização e insatisfação política e social, seja pela aceleração inflacionária, seja pela retração da economia decorrente do anunciado ajuste fiscal. Como agravante, o Brasil saiu das últimas eleições dividido e com posições políticas altamente radicalizadas: o governo do PT e seus aliados de conveniência, de um lado, e as oposições lideradas pelo PSDB de outro. Neste ambiente explosivo, os desdobramentos das investigações da operação Lava Jato devem atingir os alicerces do Congresso, com dezenas de parlamentares envolvidos, e podem contaminar o Palácio do Planalto. Dependendo da intensidade e da abrangência combinada destes processos, o Brasil pode viver, no próximo ano, uma perigosa crise institucional e de governabilidade. Se não bastasse esta delicada configuração, a chefe de Estado e do governo eleita pelos brasileiros, Dilma Rousseff, não parece ter habilidade, competência e a disposição necessárias para a negociação e o diálogo.
Diante de risco real de ingovernabilidade, o Brasil precisa de um estadista, um homem público com grande liderança e visão estratégica, com coragem política para se liberar das pressões agudas do momento, adotar posturas e tomar iniciativas capazes de quebrar o ciclo de desagregação política e social, reconstruir as instituições e reformar o Estado e a política. O estadista é mais que um líder. E o líder deve ser mais do que, simplesmente, expressão das pressões da sua base política, orientando e influenciando na formação da consciência dos liderados. O Brasil não tem uma liderança com este perfil de estadista. Mas, nos dois polos do confronto político que divide o Brasil existem duas lideranças que poderiam negociar e construir um acordo nacional em torno de princípios e decisões convergentes que preparem o futuro: Luís Inácio Lula da Silva e Fernando Henrique Cardozo (duas maiores lideranças políticas do Brasil), cada um deles com uma retaguarda política radicalizada que precisa ser desarmada. Tal acordo não seria contra a presidente eleita. Seria mesmo necessário até para criar condições de governabilidade do seu governo, que assume em janeiro no meio da tempestade econômica, política e institucional.
Antes da emergência da crise e pensando no Brasil, os dois líderes deveriam renunciar aos seus interesses imediatos de partido, reunir-se em torno de uma pauta de negociação para além das pressões das bases, discutindo e definindo as reformas necessárias para deter a corrupção, reorganizar a economia, recompor a governabilidade e preparar o desenvolvimento nacional. Esta postura de estadista exige dos líderes um desprendimento e, mais ainda, coragem política para reabrir os canais e espaços de entendimento. Guardadas as proporções, foi a coragem e o desprendimento de Nelson Mandela e de Frederik Willem de Klerk, inimigos políticos, que salvaram a África do Sul de uma guerra civil e prepararam uma transição segura para um governo de maioria. O Brasil está muito longe da instabilidade e do confronto da África do Sul no início dos anos 90 do século passado: repressão, violência e ódio acumulado. O que poderá facilitar o entendimento e a negociação, mais do que no país africano, que estava na iminência de uma guerra civil.
O Brasil precisa de estadistas neste momento delicado. Para se mostrarem como estadistas e não apenas porta-vozes dos segmentos radicalizados dos dois polos políticos e seus partidos, Lula e Fernando Henrique Cardoso devem partir para uma construtiva e séria negociação política que leve à construção de um pacto pelo Brasil. Do contrário, passarão para a história como omissos diante da crise política, econômica e institucional do país, políticos menores frente ao tamanho dos desafios.
Meu Caro Sérgio
Concordando com sua tese, me parece que a crise que se apresenta tem tudo para paralisar o Brasil, política e economicamente, até porque pode se estender a outros setores do governo, e envolver mais parlamentares, já que o nosso sistema eleitoral é corrupto na essência.
Num momento desse precisamos de reais estadistas, que entendam o momento e tenham disposição para abrir mão de seus interesses menores.
A proposta de Sergio Buarque é feita de idealismo, próprio do autor. Sergio é um caçador de nuvens, como disse de si próprio Ulysses Guimarães. Admirava a coragem política de Ulysses, e admiro o entusiasmo cívico de Sergio. Mas não consigo ver viabilidade política na sugestão buarquiana. Do lado de Fernando Henrique, que teria dimensão intelectual para assumir o papel, há dificuldade na sua base paulista. São Paulo demonstra insuperável distância de Dilma. Os números da eleição recente o comprovam. E FH não correria por conta do desgaste.
Do lado de Lula, ele não teria interesse em se desapossar da vitória que acaba de colher nas urnas. Para se embrenhar nas trilhas de um acordo que não faz parte da cultura petista. Esta coloca a gana do Partido acima dos interesses do país.
O deserto de estadistas, que Sergio aponta, é evidente na mediocridade da política brasileira atual. Não há grandeza de gestos na defesa de teses. Nem ideias novas para refundar o fazer político. O destino cortou, no voo do desastre, um pássaro que tinha canto afinado. Vamos torcer para que apareça outro.