Todos sabem que o Brasil é um país marcado por grandes desigualdades sociais. Mas o Brasil é também um país de enormes privilégios de grupos e segmentos sociais, grande parte se beneficiando de distorções patrocinadas pelo do Estado. Por estranho que pareça, o Estado brasileiro tem sido o principal promotor das desigualdades sociais e da criação de privilégios na sociedade, como demonstra estudo dos economistas Marcelo Medeiros e Pedro Souza, publicado pelo IPEA¹. A diferença começa com o valor pago aos os salários dos servidores públicos que, na média, são superiores aos do setor privado para cargos similares e nas empresas estatais, os salários dos cargos executivos são muito superiores aos pagos pelas empresas privadas, incluindo multinacioanis (sem falar na corrupção).
Em matéria do Estado de São Paulo, Rachel Gamarski e Carla Araújo mostram que a soma dos salários dos servidores públicos que ganham mais do que o limite definido em lei (nada modestos R$ 33,7 mil mensais) chegaria a quase R$ 10 bilhões por ano, praticamente o que o governo espera arrecadar com a recriação da CPMF. A principal transgressão do limite ocorre no judiciário e se esconde por trás de um maneirismo jurídico que aumenta receita não classificados como salários.
A Previdência social é outra fonte de desigualdade social. A “generosidade” criada no passado no sistema previdenciário, especialmente a aposentadoria precoce, é um enorme peso no orçamento da União que, desta forma, restringe os recursos que seriam utilizados para investimentos públicos que enfrentariam as desigualdades de oportunidades. Vale lembrar que apenas um segmento já privilegiado pode fazer uso dessa aposentadoria, pois a maioria do povão não comprova tempo de serviço, pois trabalha informalmente. Em 2015, a Previdência (INSS e previdência do setor público) teve um gasto total de R$ 571,8 bilhões comprometendo 26,3% do orçamento público federal, ao mesmo tempo em que a Saúde foi contemplada com 5,5% e a Educação com 5,6% do orçamento federal. Este comprometimento do orçamento com despesas da Previdência, que já está estrangulando as finanças públicas, deve crescer mais ainda no futuro devido ao envelhecimento rápido da população brasileira.
No ano passado, a população idosa (acima de 65 anos) do Brasil foi estimada pelo IBGE em 16 milhões de pessoas (bem menos que o número de beneficiários do sistema na medida em que grande parte destes se aposentou bem mais novo). Daqui a vinte e cinco anos, a população de idosos no Brasil deve saltar para 40 milhões (projeção do IBGE), crescimento de 4,6% ao ano. Mantendo a mesma atual proporção benefícios da previdência/idosos, em 2040 os gastos do sistema podem chegar a mais de R$ 1,7 trilhões de reais (a preços de hoje).
Mais alarmante ainda que o crescimento acelerado da população idosa e sua pressão sobre a Previdência social é a enorme desigualdade dos benefícios da previdência dos aposentados do serviço público em relação aos inativos do setor privado. O estudo de Marcelo Medeiros e Pedro Souza mostra que os funcionários públicos aposentados, que são apenas 4% de todos os beneficiários da previdência, recebem cerca de 20% de tudo que é pago como aposentadoria no Brasil. Cerca de 935 mil aposentados e pensionistas do setor público federal geraram um déficit anual de R$ 62 bilhões (2015) quase o dobro do que o provocado pelo pelos 28 milhões do INSS (R$ 35 bilhões).
O Brasil precisa agora iniciar uma radical revisão destes privilégios que, além de uma grande injustiça social limitam a capacidade dos governos realizarem investimentos que promovam o desenvolvimento nacional e crie igualdade de oportunidades na sociedade. E os direitos adquiridos? Grande parte destes direitos foram “adquiridos” de forma ilegítima com a manipulação de leis no silêncio dos gabinetes e constituem uma violência contra o bom senso e os direitos sociais.
___________________________________________________________________
¹“Gasto público, tributos e desigualdade de renda no Brasil” – Texto para Discussão 1844 – IPEA – 2013
Muito bom o texto, só gostaria de saber mais sobre a parte “Vale lembrar que apenas um segmento já privilegiado pode fazer uso dessa aposentadoria, pois a maioria do povão não comprova tempo de serviço, pois trabalha informalmente.”
Poderia explicar melhor essa parte aqui ou me mandar por email [email protected] pois pensava que os trabalhadores informais fossem a minoria.
Você tem razão, Roberto. Na verdade, o trabalho informal (sem carteira assinada e conta própria) não é maioria mas chega a cerca de 43,1% dos brasileiros ocupados (IBGE 2012). Alguns dos que são conta própria pagam o INSS, é verdade mas não deve ser um número expressivo se considerarmos a média baixa do seu rendimento. Por outro lado, mesmo sem ter um dado para comprovação parece certo que a grande maioria dos aposentados do INSS recebem salário mínimo e estão muito longe dos privilégios referidos no artigo.
Muito bom artigo
Excelente artigo sobre a previdência injusta. A desigualdade na renda por aposentadorias é tão grande quanto a desigualdade na renda familiar total, o que, além de “jaboticaba”, é uma distorção do que seja a função das aposentadoria. É preciso mesmo discutir esse assunto, porque algumas “soluções” apresentadas diante do déficit crescente (como retirar do sistema a aposentadoria rural e estabelecer uma idade mínima mais elevada) ignoram a questão da enorme injustiça no atual sistema de aposentadorias. Além do vergonhoso fato de que muitos aposentados do setor público recebem aposentadorias acima do teto (que por si já é elevado), incorporando vários penduricalhos de carreira que defendem como “direito adquirido”.
Meu caro Sérgio: Concordo. Já escrevi que o maior opressor no Brasil não é o capitalismo, como correntemente dizem. O maior opressor no Brasil é o Estado. Sei que isso já basta para que me incriminem como neoliberal. O problema não é o Estado, mas o Estado brasileiro, que nunca foi passado a limpo, nunca submetido às reformas profundas que o converteriam num Estado moderno. O mais grave, também já escrevi aqui, é que esse Estado espoliador e gerador das piores desigualdades é sustentado ideologicamente por nossa ancestral mentalidade patrimonialista e estatizante. Ri da arrogância de Jessé Souza, com sua pose de desmistificador da inteligência brasileira, vertendo disparate polêmico contra o que chama de nossa tolice. Entre os argumentos furados que articula para provar sua tese, afirma que a sociedade brasileira demoniza o Estado. A verdade é precisamente o contrário. Como é que um intelectual desses, com tantas credenciais, escreve disparates desse tipo? Nossa mentalidade anticapitalista e estatizante é tão poderosa que já conseguiu unir, e une, esquerda, direita, militares, o povo em geral. Basta convocar nosso nacionalismo ranheta nas situações de crise.