Marcus Alban (*)
Vivemos uma grave crise que se agudiza e, ao mesmo tempo, parece não ter fim. Ao menos no discurso, para a elite política e econômica, e também para boa parte da imprensa, a mesma só pode ser superada através de um penoso ajuste fiscal, que implicará em novos impostos. A sociedade, porém, entende que a raiz do problema está na gigantesca corrupção explicitada pela operação Lava Jato. Dessa maneira, antes de aceitar o ajuste, defende-se levar essa operação às suas últimas consequências, promovendo, em conjunto com o impeachment da Presidente, ou a cassação da chapa, a prisão de todos os empreiteiros e tecnocratas envolvidos, e sobretudo a prisão dos grandes líderes políticos do esquema. Só assim, com a purgação do mal, entende-se que o país poderá empreender o ajuste e voltar a crescer.
Sem dúvida o que a operação Lava Jato nos apresenta é escabroso, e os envolvidos terão de ser – como já estão sendo – exemplarmente punidos. Mas será que isso basta para, com o ajuste fiscal, voltarmos a crescer? E será o ajuste, hoje proposto com o retorno do Henrique Meirelles, o caminho acertado para voltarmos a crescer? Para respondermos a essas questões é preciso voltar aos anos 90, onde, em parte, tudo começou. Ocorre que, após o fracasso dos planos de mero congelamento dos anos 80, no começo dos 90, com o Plano Real, ancorou-se o congelamento com uma moeda super valorizada, garantida por taxas de juros estratosféricas. Com esse processo, garantiu-se a eleição e reeleição de FHC, mas não se promoveu o esperado dinamismo da economia. Ao contrário, com um Real sobrevalorizado, iniciou-se um acelerado processo de desindustrialização, onde banqueiros e rentistas ganharam rios de dinheiro.
Com essa dinâmica, como era de se esperar, no começo dos anos 2000 o tucanato foi posto para fora, dando lugar ao aguerrido, e supostamente impoluto, Partido dos Trabalhadores. Em seus primeiros anos, o PT surpreendeu a todos ao mostrar que não sabia bem o que fazer. A colocação de Henrique Meirelles no Banco Central acalmava os mercados, mas a economia não deslanchava, e a política social, centrada no Fome Zero, era um verdadeiro vexame. Com o tempo, porém, surgiu o Bolsa Família, turbinado pela política de forte expansão do salário mínimo, bem acima dos ganhos de produtividade da economia. E tudo isso com a manutenção das taxas de juros sempre dentre as maiores do mundo, o que fazia com que banqueiros e rentistas continuassem ganhando rios de dinheiro.
Esse conjunto de políticas conformava uma combinação perfeita para afundar a economia. A economia, no entanto, não afundou. Ao contrário, acelerou suas taxas de crescimento, atingindo em 2007 e 2008 um patamar superior a 5%, que era mais que o dobro da média do tucanato. Tudo isso com uma enorme geração de empregos. Naturalmente, com esse desempenho, o Presidente Lula, o Meirelles e até o Ministro Palocci, foram transformados em verdadeiros gênios da política e da economia. Aqueles que tudo sabiam – e podiam.
Hoje sabemos que essa trinca não era tão genial assim. Na prática o PT nada mais fez do que promover uma irresponsável política de distribuição de renda, o que permitiu expandir a economia, mesmo com um medíocre investimento agregado. Ou seja, expandir a economia via consumo. Obviamente, não é preciso ser nenhum gênio para bolar essa estratégia, que é uma velha conhecida dos “voos de galinha” de todos os populistas latino-americanos. Surpreendentemente, porém, a “galinha petista” acabou voando por um tempo bem mais longo, e sem acelerar a inflação, o que permitiu que Lula, não só se reelegesse, como ainda elegesse, como sucessor, uma ilustre desconhecida.
Hoje está claro que o surpreendente pouco teve a ver com o PT. De fato, o que possibilitou a duradoura expansão consumista da economia brasileira foi, basicamente, a exponencial expansão chinesa. Crescendo a taxas superiores a 10% ao ano, decorrentes em grande medida do boom especulativo americano, a China, com sua enorme população, se transformou num ávido consumidor de commodities brasileiras. Dessa maneira, com o saldo da exportação de commodities, viabilizou-se, por cerca de 10 anos, o controle da inflação via valorização do Real / importação crescente de bens. Claro que toda essa dinâmica, ainda que duradoura, não poderia durar para sempre e levaria, como levou, ao acirramento da desindustrialização.
É nesse contexto, de baixo investimento e juros estratosféricos, que se pode entender a atual metástase da corrupção brasileira. Ocorre que, como as oportunidades de investimento real tornam-se escassas, e o custo de oportunidade do capital é muito elevado, o acesso a obras públicas, bem como aos financiamentos estatais subsidiados, se tornam, praticamente, as únicas alternativas de crescimento das empresas não produtoras de serviços e ou commodities. Naturalmente, isso é ainda mais verdade no caso das grandes empreiteiras que, claro, para se manterem ativas, seguindo “a regra do jogo” dos “donos das obras”, trocam a disputa via competência, pela disputa da influência.
Como se observa, é muito pouco provável que a situação venha a se resolver com a mera prisão dos empreiteiros. Ainda que culpados e merecedores de condenação, é preciso ter claro que o que eles fizeram, em termos estritamente econômicos (não morais), não é muito diferente do que faz qualquer camelô quando suborna um fiscal de prefeitura – ou paga um “pedágio” ao mesmo – para manter sua banca funcionando. Essa é uma situação que não se resolve, verdadeiramente, apenas com a prisão do camelô, e nem do fiscal. De fato, só se resolve com a dinamização paralela da economia, de modo a que o camelô, o fiscal, e também o empreiteiro, possam se voltar a atividades mais produtivas e integras. Assim, é preciso voltar as nossas atenções para os verdadeiros culpados, que, em parte, também não são os políticos.
Políticos, como já postulou Keynes muitos anos atrás, sempre agem com base nas ideias de algum economista morto. E no Brasil, essas ideias que, desde o Plano Real, propõem a estabilização por meio de ajustes radicais, âncoras cambiais e brutais taxas de juros, são sustentadas por economistas vivos – muito vivos –, quase que invariavelmente ligados ao capital financeiro. Capital financeiro esse, que, não por acaso, ao longo de todo o processo, bateu sistematicamente seus recordes de rentabilidade, acumulando, de maneira absolutamente legal, recursos infinitamente superiores ao total de propinas e lucros indevidos gerados por atos como os investigados pela Operação Lava Jato, e todos os seus congêneres, investigados ou não.
(*) Engenheiro, Doutor em Economia pela FEAUSP e Professor do PDGS/EAUFBA.
Caro Marcus
Comecei a escrever um comentário ao seu artigo mas ficou muito longo de modo que preferi transformar num artigo e publicar na próxima edição da revista. Antecipo aqui três discordâncias que desenvolvo no artigo: 1. o ajuste fiscal não é o discurso da “elite política e econômica” de “boa parte da imprensa”, é uma um inevitável preço a pagar pelo desastroso desequilíbrio das finanças públicas gerado pela gestão fiscal perdulária e temerária; 2. a corrupção está longe de ser causa importante do desequilíbrio fiscal decorrente das políticas governamentais; 3. O Plano Real não tem nada a ver com este descalabro macroeconômico do governo Dilma, como tampouco Palloci. Finalmente, repetindo o que está no primeiro ponto, não vejo como resolver esta crise sem reduzir gastos e/ou aumentar receita. Abraços, Sergio
Prezado Sérgio,
Lendo seus breves comentários, fico com grande expectativa de conhecer os desdobramentos dos mesmos no seu novo artigo.
Acredito que vamos desenvolver um belo debate.
Abraços, Marcus