Em artigo publicado nesta Revista, intitulado “Muito além da Lava Jato” (Nº 195 de 24 de junho), o economista Marcus Alban manifesta dúvida em relação à necessidade de um “penoso ajuste fiscal” (segundo suas palavras) para superar a crise econômica brasileira. O ajuste fiscal seria para ele o discurso da “elite política e econômica” de “boa parte da imprensa” e não um inevitável preço a pagar pelo desastroso desequilíbrio das finanças púlbicas gerado pela gestão fiscal perdulária e temerária, segundo pensa, aliás, a esmagadora maioria dos economistas de todas as tendências políticas. O articulista não indica o caminho que considera adequado para a superação desta “grave crise que se agudiza” (são suas palavras), indicando uma alternativa indolor a esta perversa proposta das elites.
De acordo com o articulista, a sociedade, ao contrário da elite política e econômica, “entende (…) que a raiz do problema está na gigantesca corrupção explicitada pela operação Lava Jato” e que só depois da “purgação do mal” da corrupção o país “poderá empreender o ajuste e voltar a crescer”. Ele não endossa esta visão, é verdade, que duvido que seja mesmo a visão da sociedade. Mas o autor parece concordar que se deva cuidar da corrupção antes de implementar um ajuste fiscal, quando diz que “só assim com a purgação do mal, entende-se que o país poderá empreender o ajuste e voltar a crescer”. Como se a corrupção fosse a causa do desequilíbrio fiscal e como se bastasse parar o assalto aos cofres públicos para que as finanças se recuperassem. A corrupção é um desastre moral mas está longe de ser a principal razão do desequibrio fiscal provocado mesmo pelos demandos na gestão fiscal perdulária e irresponsável.
Num estranho malabarismo intelectual, Marcus Alban diz que tudo teria começado (em parte, diz) com o Plano Real ancorado no “congelamento com uma moeda supervalorizada, garantida por taxas de juros estratosféricas” que não teria promovido “o esperado dinamismo da economia”. O Plano Real representou, ao contrário, uma ruptura com o desmantelo fiscal, confirmando depois com a Lei de Responsabilidade Fiscal, e foi uma das mais importantes iniciativas de política econômica deste país, acabando com uma destrutiva ciranda inflacionária que paralizava a economia brasileira e punia duramente a população assalariada e pobre, tanto assim que levou a uma redução da pobreza e das desigualdades sociais. O Plano Real não promoveu dinamismo, é verdade, mas foi graças à queda drástica da inflação e estabilização da economia que a economia voltou a crescer moderamente no primeiro mandato de Lula. O primeiro governo Lula foi uma continuidade do Plano Real com a gestão fiscal responsável e competente de Pallocci e Meirelles que o articulista confunde, injustamente, com a irresponsabilidade perdulária dos gastos descontrolados do final do governo Lula e dos anos desatrosos de Dilma Rousseff.
O artigo termina afirmando que as ideias que orientam na definição das políticas de estabilização são “sustentadas por economistas vivos – muito vivos – quase que invariavelmente ligados ao capital financeiro”. Sendo assim, seria desejável que o articulista formulasse uma proposta diferente e sem ligação com o capital financeiro capaz de resolver o dramático déficit público. Diante de um Estado que vem gastando sempre mais do que arrecada, é difícil imaginar uma alternativa fora da redução de gastos e/ou da elevação de receita embora haja sempre espaço para discutir onde e o que cortar e até que ponto seja válido e possível aumentar mais ainda a carga tributária. Quem descobrir a fórmula indolor para se livrar dos desmantelos fiscais do passado tem tudo para ganhar o Prêmio Nobel de economia. Ah! Diriam: basta que a economia volte a creser. Simples assim. Ocorre que a economia não pode crescer sem investimento. E o Estado brasileiro, falido, não tem capacidade de investimento e, para tapar os buracos do setor público, se apropria de parte significativa da poupança nacional que seria destinada ao investimento. O ajuste fiscal não é uma opção mas uma necessidade incontornável diante do desastre da economia brasileira.
Uma excelente explicação de quanto é necessário o ajuste fiscal. E de quanto é difícil aprovar políticas que impeçam o gasto público de se expandir a ponto de levar o país à ruína. Aqueles que, no Brasil, andaram invocando John Maynard Keynes para defender o gasto público descontrolado, não conseguiram apontar em que parte da obra de Keynes existe a tese de que o gasto pode aumentar indefinidamente sem as receitas correspondentes. Aliás, há um estudo empírico conhecido que mostra como o endividamento excessivo acaba sempre prejudicando o crescimento econômico mais adiante. (Carmen M. Reinhart & Kenneth Rogoff, This Time is Different. Eight Centuries of Financial Folly. Princeton University Press, 2009.)