Jorge Jatobá (*)

O Estado brasileiro é pai-patrão também para os empresários: grandes, médios e pequenos. Ao longo da nossa história, empresários e suas federações e/ou associações, sob os mais diversos argumentos, demandaram benefícios, sendo a maior parte reclamada dos governos federal e estadual. Em outros momentos, em nome de alguma política industrial, regional, de emprego ou anticíclica o próprio governo concebia e concedia benefícios fiscais e financeiros às empresas.

Os benefícios representam, em sua maior parte, renúncia fiscal, ou seja, dinheiro público que deixa de entrar no caixa do tesouro para ser endereçado aos cofres das empresas e aos bolsos dos empresários. Os argumentos de governo e empresários são variados: proteção contra a competição externa por meio de crédito público subsidiado e desonerações fiscais, benefício fiscal para empresas se instalarem em algum território que apresentem ou aparentem apresentar alguma desvantagem competitiva,  proteção à  pequena e média empresa, proteção a setores considerados estratégicos,  estimular a inovação, conter queda de produção e emprego em setores produtivos importantes como resultado de demanda cadente derivada de crise externa ou interna,  incentivar a produção  cultural, estimular a geração de empregos, etc. A lista seria longa e cansativa para o leitor.

Esses benefícios foram denominados pela imprensa e por alguns críticos de “bolsa-empresário” em contraposição ao principal programa de combate à pobreza do país, o bolsa-família. Entre 2010 e 2014 o Governo Dilma concedeu vários benefícios, todos bem documentados na Receita Federal nos relatórios anuais denominados de “desonerações instituídas”. Algumas desonerações foram concedidas por tempo determinado, outras por tempo indeterminado. Quando essas benesses se utilizavam do imposto sobre produtos industrializados (IPI) e/ou do Imposto de Renda, os estados e municípios perdiam parte dos recursos das transferências (FPE e FPM) que se alimentam desses tributos. Foram gentilezas feitas com chapéu alheio.

Os benefícios têm um ônus fiscal e financeiro: reduzem a receita tributária por conta das isenções, reduções de alíquotas ou de base de cálculo, desonerações de tributos e contribuições incidentes sobre a folha de pagamentos, deduções de impostos devidos e, em alguns casos, elevam a dívida pública quando, por exemplo, o Tesouro Nacional transfere dinheiro para algum banco público que o empresta ao setor produtivo cobrando juros menores do que pagou na sua captação (Juros SELIC). O diferencial de juros, diferença entre o custo de captar e o de emprestar, é pago com dinheiro público.

Essa intervenção dos governos na economia modifica a alocação de recursos e os preços relativos, conduzindo a uma configuração e distribuição dos investimentos diferente daquela que prevaleceria se as forças de mercado agissem de forma autônoma e espontânea. Alguns desses incentivos fiscais e financeiros podem cumprir um papel importante no desenvolvimento de um país, especialmente nos seus estágios iniciais quando o Estado tem que ser um forte indutor do progresso econômico. No entanto, esse não é o caso do Brasil de agora e nem é o cerne do nosso argumento que vai em outra direção.

Em momento de aguda crise fiscal onde se pretende manter constante, descontada a inflação, os gastos federais por vinte anos, o orçamento terá que ser bem focado e atender a prioridades bem definidas. Haverá uma severa contenção e racionalização de gastos em alguns setores até mesmo para abrir espaço para atender as despesas com educação, saúde, segurança e combate à pobreza, dimensões que consideramos prioritárias nas ações do estado brasileiro. Por que não reduzir substancialmente as perdas de receita que esses subsídios impõem ao Tesouro Nacional e, por conseguinte, à sociedade? Por que o governo brasileiro que concedeu boa parte dessas benesses com o apoio do Congresso Nacional não os retira, mesmo que gradativamente, ao longo dos próximos anos? O que puder cessar de imediato que o seja. O que não puder, que seja eliminado da maneira mais rápida possível. O valor da renúncia fiscal não é desprezível.

O projeto de lei orçamentária para 2017 prevê uma renúncia fiscal de R$ 280 bilhões, um valor duas vezes maior do que o déficit primário de R$ 140 bilhões previstos para aquele ano. Daquele valor, o Simples-nem sempre trivial ou preferível- representa 28,6%, por sua vez cerca de R$ 28 bilhões serão destinados à Zona Franca de Manaus, R$ 17 bilhões resultam de desoneração de folha salarial, R$ 2 bilhões destinam-se ao setor automotivo, sendo os restantes R$ 153 bilhões da renúncia fiscal distribuídos entre outros bens, setores e regiões. O bolsa-família, em contraste, custa ao Tesouro apenas R$ 26 bilhões, ou seja, menos de 10% da renúncia fiscal prevista para 2017.

Este conjunto de estímulos oferecido a agentes econômicos tão distintos precisa ser revisto para que se faça um ajuste fiscal mais bem distribuído, em termos de sacrifícios, por toda a sociedade. Já passou o tempo quando muitos dessas benesses eram necessárias para promover o desenvolvimento econômico brasileiro e proteger setores e regiões. Além disso, os grupos beneficiados usualmente se situam no topo da distribuição de renda, contribuindo para a elevada desigualdade socioeconômica do país. Tais benefícios precisam ser revistos no contexto de um forte ajuste fiscal, da globalização, da inovação tecnológica e das prioridades sociais do país. Alguns poucos podem ser eliminados por ações executivas, mas a maioria depende da aprovação do Congresso Nacional. A sociedade deve provocar governo e legislativo a reverem esses benefícios, reduzindo a renúncia fiscal, e tornando mais equitativa a distribuição dos custos do ajuste que não devem recair com força nos setores mais vulneráveis da população.

(*) Economista e sócio-diretor da CEPLAN Consultoria
Membro do Movimento Ética e Democracia