Luiz Otavio Cavalcanti

Ilustração para The Economist – Michael Morgenstern.

Globalização induz igualdade. Supondo que a riqueza de nações desenvolvidas se transforme em investimento em países emergentes. Nacionalismo produz desigualdade. No pressuposto de que populismo político vede abertura econômica inibindo crescimento. Será?

O Estado encontra-se em crise como reconhece Bauman. A eficácia da ação do Estado se apoia em poder e política. Poder como capacidade de produzir bens e serviços. Política como habilidade de decidir o que fazer.

Ocorre que o Estado perdeu parcela significativa daquele poder por forças supraestatais. Que forças são estas? São decisões globais tomadas no espaço de fluxos financeiros. É aí que se dá a separação entre poder e política. Reduzindo a capacidade de escolha do Estado.

Neste caso, global e local não se justapõem. Antes, se opõem. Fragilizando a governança do Estado. Noutro cenário, estabilidade política e solidez fiscal propiciam interesse de agentes externos investirem produtivamente. Justapondo virtuosamente global e local.

Coloca-se, nesse contexto, o fator mudança. Social e econômica. O processo de mudança, segundo Douglass North, depende de três pontos: 1) qualidade dos desejos humanos; 2) nível de educação e conhecimento da população; 3) aparato institucional voltado à transformação.

As aspirações humanas constituem sistema de crenças. Tais crenças formam consensos sociais em torno de mudanças. Influindo sobre o processo de modificação de instituições. Essas instituições, mediadoras de conflitos, absorvem (ou não) mudanças expressas pela população.

Esse processo é permanente. Realidade que produz crenças; crenças que influem sobre instituições; instituições que refletem (ou não) mudanças requeridas por parcelas da opinião pública.

Ao longo dos últimos quatro séculos, a transformação política acentuou a evolução da sociedade. No século XVII, os principados europeus construíram os Estados-nação. Centralizando o poder. E enfatizando a arte política.

Nos séculos XVIII e XIX, a Revolução Americana e a Revolução Francesa destacaram a liberdade. Exaltaram a cidadania. Organizaram o poder. E institucionalizaram a política. Na dimensão do Estado federativo e na do Estado unitário. Com ajuda de Montesquieu.

Na primeira metade do século XX, a social democracia cresceu na Alemanha de Willy Brandt, na Suécia de Olof Palm e na Áustria de Bruno Kreisky. E feneceu sob o colapso fiscal de gordas aposentadorias.  Na segunda metade do século XX, surgiu o liberalismo. Exacerbado na concepção de Estado mínimo de Margareth Tatcher e Ronald Reagan. Foi revogado eleitoralmente pelo aumento da desigualdade.

Como mudar o Estado no século XXI voltado para a prosperidade global? Longe de extremismos sebastianistas dos salvadores da Pátria?

A experiência histórica aponta a necessidade de considerar três pressupostos: 1) existência de instituições democráticas, atenuando o populismo; 2) respeito ao mercado, incentivando o investimento privado; 3) solidez fiscal, fortalecendo a eficácia do Estado.

O episódio do Brexit, com saída da Inglaterra da União Europeia, foi sintoma de malaise política. A eleição de Donald Trump nos Estados Unidos mostrou febre no sistema. E a fartura de Marine Le Pen na extrema direita sugere urgência clínica.

Esquerda ou direita? Das cinco maiores economias da Europa, os atuais governos da Alemanha, Inglaterra e Espanha se situam no centro direita. Restavam à esquerda, França e Itália. O presidente francês, François Hollande, em decisão inédita, desistiu de postular a reeleição. E o primeiro ministro italiano, Matteo Renzi, acaba de renunciar.

Esquerda ou direita? No Brasil, o centrismo tucano garantiu a estabilização econômica. Mas não promoveu a mediação social. Por isso, perdeu o poder.

Depois, nos treze anos de Lula/Dilma, a esquerda ficou no poder até que se esgotou a política de ganhos sociais. E até quando a corrupção no PT foi enfrentada pela Operação Lava Jato.

Os valores democráticos liberais estão sob ataque. A paciência dos que não são incorporados ao mercado de trabalho se esgota. O colapso fiscal incentiva o extremismo. Partidos de extrema esquerda e de extrema direita conquistam eleitores de Partidos tradicionais.

Esquerda ou direita. Não importa. Importa a política virtuosa que associe regulação econômica, mediação social e viabilidade fiscal. Este é o trinômio que define o Estado no século XXI. É este tipo de Estado que semeia estabilidade política. E alimenta confiança no ambiente de negócios.

Este é o cenário que elimina o populismo. E torna o Estado capaz de se inserir na globalização. Incorporando ganhos do crescimento global. E combatendo a desigualdade local.

Mas o poder vem sempre acompanhado da política. E política é a capacidade de fazer escolhas certas.