Ivan Rodrigues

Essa atrasada revolta contra uma matéria de escravidão na Líbia, com pretensa responsabilização americana naquele país há meia dúzia de anos, é manobra diversionista para as reais causas da desconforme migração dos últimos tempos ocorrendo na Europa, que desassossega o mundo.

Quem leu, escutou, ou ouviu o pronunciamento do Papa Francisco perante o Parlamento Europeu em Dezembro de 2014 deve entender – fielmente – as verdadeiras causas dessa degradação universal que, de algum tempo para cá, transforma o Mediterrâneo em imenso cemitério de fugitivos da miséria africana e do Oriente próximo.

Esses que estão morrendo aos montes, todos os dias – sem registro sequer da imprensa internacional – são oriundos dos países da África e do Oriente, como fugitivos ou como escravos, e constituem a maior prova de sua condição de abandonados após séculos da COLONIZAÇÃO OCIDENTAL, praticada por TODOS os países, sem exceção de nenhum: Portugal, Espanha, França, Inglaterra, Itália, Bélgica, Holanda, Alemanha, Rússia e adjacências,  e mais recentemente os Estados Unidos, que construíram  sua economia agrícola e principal fonte de riqueza com a utilização da escravidão africana.

Quando razões de conveniência política (Egito, Argélia, Líbia, África do Sul, Angola, Congo, Índia, Afeganistão, Iraque, Palestina, etc.) obrigaram o afastamento dos colonizadores, eles deixaram um rastro de degradação e miséria em todos os países ocupados, com uma população miserável, desqualificada, analfabeta, pobre, com os maiores índices de insalubridade do mundo, com suas riquezas naturais exploradas de forma predatória que, a cada dia, acresce os fatores de miserabilidade absoluta. Sem desprezar que a sua gente restou à mercê dos sobas e populistas dominadores de suas frágeis populações, a exemplo desse tirano do Zimbabwe – podre de rico – que acaba de ser derrubado depois de 38 anos no poder.

Como se não tivessem qualquer responsabilidade pelos cadáveres dos que afundam ou desaparecem sem deixar sinal, ou pelos que chegam famintos numa praia qualquer, as nações europeias em sua grande maioria estão tomando providências para evitar a chegada e o agasalho dessas multidões de desvalidos – frutos da miserável colonização – que foi implantada pelos mesmos países que hoje recusam abrigo aos infelizes “retirantes”.

A mensagem do Papa Francisco é uma peça profunda e consistente, que, mesmo em sua linguagem contida, é extremamente franca e objetiva quando analisa a questão:

“De igual forma, é necessário enfrentar juntos a questão migratória. Não se pode tolerar que o Mar Mediterrâneo se torne um grande cemitério! Nos barcos que chegam diariamente às costas europeias, há homens e mulheres que precisam de acolhimento e ajuda.  À falta de um apoio mútuo no seio da União Europeia, arrisca-se a incentivar soluções particularistas para o problema, que não têm em conta a dignidade humana dos migrantes, promovendo o trabalho servil e contínuas tensões sociais. A Europa será capaz de enfrentar as problemáticas relacionadas com a imigração, se souber propor com clareza a sua identidade cultural e implementar legislações adequadas capazes de tutelar os direitos dos cidadãos europeus e, ao mesmo tempo, garantir o acolhimento dos imigrantes, e se souber adotar políticas justas, corajosas e concretas que ajudem os seus países de origem no desenvolvimento sociopolítico e na superação dos conflitos internos – A PRINCIPAL CAUSA DESTE FENÔMENO – em vez das políticas interesseiras que aumentam e nutrem tais conflitos. É necessário agir sobre as causas e não apenas sobre os efeitos.”

Pagamos hoje os erros do passado, em que a volúpia e a ambição dos dominadores de então geraram distorções desumanas e a estratificação de desigualdades vergonhosas que se constituíram em verdadeiros crimes de lesa-humanidade, que envergonham a nossa condição de humanos.

A África do Sul, dominada pela Holanda (Boers), consolidou o mais vergonhoso  processo discriminatório racial do mundo – o apartheid – somente aliviado pela clarividência do seu grande líder Mandela que, após 27 anos de prisão, assumiu sua liderança nacional pregando a união de todas as raças.  Os Estados Unidos enfrentaram uma guerra fratricida e cruel, dividindo a Nação em duas, e nunca conseguiram resolver com eficácia o seu problema da discriminação racial e o confinamento de seus indígenas, a despeito da liderança de Lincoln. A Índia consolidou o seu problema de castas, impulsionada pelo sentimento monárquico da cultura inglesa, apesar da luta de resistência pacífica comandada por Ghandi.  A grande questão da Palestina há mais de 50 anos permanece insolúvel, mesmo com os Prêmios Nobel da Paz distribuídos à larga. E a Síria, onde se tenta atualmente restabelecer a Guerra Fria com a Rússia e os Estados Unidos, mais uma vez disputando áreas e influências do final da 2ª Grande Guerra, com dois desvairados nas lideranças de seus respectivos países.

E ainda aparecem medíocres ideólogos sem imaginação, pretendendo responsabilizar os americanos pela novidade do surgimento de escravatura na Líbia em pleno ano de 2017, na verdade nunca exterminada na África inteira. Acordem, estamos no final do ano 2017, do Século XXI e aconteceu muita coisa importante nos últimos cem anos no mundo, que vocês não perceberam ainda. É pena, mas o espaço disponível não permite uma análise melhor !