Maurício Cota Romão

Em março deste ano de 2018 o PEN, atual Patriotas, tendo posteriormente o PSL como amicus curiae, ajuizou no STF ação direta de inconstitucionalidade (ADI), com pedido de medida cautelar, em face do artigo 4º, da Lei 13.165/15, no trecho em que deu nova redação ao artigo 108 do Código Eleitoral.

A nova redação do art. 108, em síntese, institui cláusula de desempenho individual (CDI) como barreira à ascensão de candidatos de baixa votação ao Legislativo, facultando entrada somente àqueles com votação igual ou superior a 10% do quociente eleitoral (QE).

Na peça jurídica, o PEN argumenta, resumidamente, que a exigência de votação mínima contida na norma estatuída afronta a democracia representativa, a soberania popular e o mecanismo proporcional de eleição.

O ministro Luiz Fux, relator da ação, não enxergou motivos para a cautelar e remeteu a matéria para julgamento pelo Pleno do STF. Instadas a se pronunciarem, tanto a Procuradoria Geral da República (PGR), quanto a Advocacia Geral da União (AGU), se manifestaram pela improcedência do pedido veiculado pelo requerente.

O problema da Lei 13.165, no que tange à CDI, não está na eventual afronta aos princípios constitucionais que emolduram o sistema de eleição proporcional – tese equivocada na qual repousou a ação ajuizada pelo PEN – conforme foi sobejamente demonstrado nas robustas contrarrazões apresentadas pela AGU e pela PGR.

A questão toda se assenta na aplicação mesma dos artigos 108 e 109 da lei em comento, em razão de suas dubiedades, omissões e contradições na resposta à questão prática fundamental:como substituir os candidatos que, eleitos diretamente pelo quociente partidário, não lograram atingir a votação mínima exigida? A ofensa à evidência empírica é gritante*.

A Resolução 23.456/15, do TSE, veio em socorro da lei, completando-a e albergando correções apontadas pela PGR na ADI 5420/15, mas também não trouxe solução para o dito problema do preenchimento de vagas daqueles que não conseguiram o atingimento dos requisitos de desempenho individual.

Na verdade, é de se questionar, ab initio, qual a motivação do legislador em instituir a cláusula em apreço?

O intuito foi corrigir certa distorção no modelo de voto em uso que acolhe a possibilidade de candidatos eleitos com altíssimas votações, os chamados “puxadores de voto”, por causa do transbordamento (spillover) dessas votações para seus partidos ou coligações, arrastarem para os Parlamentos postulantes com votações irrisórias.

Ora, este fenômeno é relativamente raro, não chega a representar danos à democracia representativa e nem, tampouco, agride os alicerces conceituais do modelo proporcional*.

O fato é que na minirreforma de 2015, os legisladores, precisando dar respostas à sociedade diante da ausência de uma “reforma política”, instituíram açodadamente a CDI cujo arcabouço foi gestado do PL 5735 e do qual incorporou seus inúmeros defeitos, ademais de suscitar novos.

Simulação do TSE solicitada pela PGR para subsidiar resposta à ADI em apreço mostrou que o impacto da medida nas eleições de 2012 e 2014 seria absolutamente irrelevante.

Dos 57.931 vereadores eleitos em 2012, nos 5.565 municípios, apenas 18 deixariam de ascender aos Parlamentos por não atingirem votação de 10% do QE. Aplicada a CDI à eleição de 2014, apenas 3 dos 513 deputados federais e 1059 deputados estaduais seriam barrados pelo limite imposto. Nos pleitos de 2016 e 2018 os números seriam, possivelmente, muito assemelhados.

Em outras palavras, além de ser eivada de falhas, a malfadada lei também é inócua, por conta do baixo sarrafo estipulado de apenas 10% do QE.

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Maurício Costa Romão é Ph.D. em economia pela Universidade de Illinois, nos Estados Unidos.

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*Vide de nossa autoria: “Cláusula de desempenho individual na Lei 13.165/15: problemas e propostas de solução”. Recife, fevereiro de 2018, 19 pag., disponível mediante solicitação.