A história da humanidade e das civilizações pode ser interpretada como o resultado da geração e das formas de distribuição dos excedentes econômicos. O volume de excedente econômico gerado em cada momento da história depende das inovações tecnológicas que elevam a produtividade do trabalho e a sua distribuição social, definindo o nivel e a qualidade do desenvolvimento: é uma decisão política. De modo que o desenvolvimento está diretamente condicionado pela elevação da produtividade do trabalho, gerando excedentes econômicos. A grande transformação histórica na evolução do capitalismo ocorre quando o Estado passa a se apropriar de parcela significativa e crescente dos enormes excedentes econômicos gerados graças às inovações tecnológicas. Desta forma, o Estado passa a exercer um papel ativo na economia e na sociedade, com investimentos e diferentes formas de provimento de serviços públicos. Até os anos 30, o Estado detinha, na média dos países, apenas 6% do PIB-Produto Interno Bruto. Atualmente, esta participação passa de 30% do PIB, na maioria das nações desenvolvidas, e flutua entre 35% e 45%, nos países socialdemocratas da Europa, com poder enorme de investimentos e gastos na oferta de serviços públicos e em segmentos da competitividade, e grande capacidade de regulação do mercado.
A ampliação dos recursos do Estado não seria possível sem a elevação dos excedentes econômicos gerados pelo aumento acelerado da produtividade do trabalho, decorrente das grandes inovações tecnológicas e organizacionais. A velocidade e extensão deste aumento do excedente econômico permitiram a elevação de salários, a redução da jornada de trabalho e o crescimento da parcela apropriada pelo Estado, sem comprometer a acumulação de capital. Na verdade, estes movimentos favoreceram a acumulação de capital pela formação de um mercado de massa e pela alta demanda dos elevados gastos públicos.
O desenvolvimento é um processo complexo e o resultado de múltiplos fatores, circunstâncias históricas e escolhas políticas, mas decorre, antes de tudo, da geração de excedente econômico, com maior ou menor resultado, a depender da sua distribuição entre salários, renda do capital e apropriação do Estado. Na sociedade capitalista avançada, os dois processos – geração e distribuição de excedentes – correspondem e são favorecidos pela relação entre o Estado e o Mercado. O mercado é o espaço de concorrência, que favorece a eficiência econômica e estimula a inovação, fator decisivo para aumento da produtividade do trabalho. A promoção da justiça social e da igualdade de oportunidades são responsabilidades do Estado com o provimento dos serviços públicos à sociedade. Mas, para isso, o Estado depende da eficiência do mercado e sua contribuição para o aumento da produtividade. Em outras palavras, o desenvolvimento é o resultado da combinação de um mercado eficiente e um Estado com grande capacidade de investimento e provimento de serviços públicos.
A crise e o atraso econômico e social do Brasil decorrem, em grande medida, da combinação perversa de um Estado pesado, falido e incompetente, socialmente injusto e apropriado por corporações e grupos de interesse, e um mercado ineficiente e travado pelo protecionismo, pelos elevados encargos sociais e pelo caótico sistema de incentivos e subsídios que distorcem a concorrência. O Estado brasileiro foi se apropriando, nas últimas décadas, de parcelas crescentes da economia, apesar da quase estagnação da produtividade do trabalho e, portanto, dos excedentes econômicos. Com apropriação de cerca de 35% do PIB, o Estado brasileiro tem um peso muito próximo ao de países altamente desenvolvidos, como a Alemanha com 36,7% do PIB. A Coréia do Sul, com uma produtividade do trabalho três vezes superior à do Brasil, tem uma carga tributária de apenas 24,3% do PIB. Mesmo assim, o IDH-Índice de Desenvolvimento Econômico coreano alcançou 0,891, muito superior ao do Brasil (0,744), evidenciando a ineficiência do Estado brasileiro.
Qualquer proposta de desenvolvimento do Brasil deve contemplar, portanto, a reestruturação do Estado, com a reorientação dos investimentos e gastos públicos e o aumento da eficiência governamental, e a liberalização do mercado, com destravamento do ambiente de negócios e a ampliação da concorrência. A reestruturação do Estado deve levar a menos Estado na economia (incluindo ampla privatização), com muito mais Estado na oferta de serviços públicos, privilegiando a distribuição de ativos sociais, principalmente conhecimento (educação e qualificação profissional). O Estado brasileiro é um grande distribuidor de renda e, no geral, favorecendo os mais ricos (aposentadoria e altos salários dos servidores públicos) e está longe de investir na distribuição de ativos sociais, como o conhecimento (educação e formação profissional), que promove a igualdade de oportunidades. E a liberalização do mercado deve contemplar a reforma tributária e a abertura planejada da economia, para aumentar a exposição à concorrência internacional, forçando a inovação, fator decisivo para o aumento da produtividade.
Para a retomada do desenvolvimento, o Brasil tem que lidar com passivos econômicos e sociais, especialmente a dramática deficiência da educação, ao mesmo tempo em que se prepara para os desafios das próximas décadas. De imediato, o Brasil tem que equacionar a grave crise fiscal que está estrangulando a capacidade de investimento público, mesmo porque não pode aumentar a carga tributária, já muito alta e desproporcional à produtividade da economia. Mas, para estruturar o futuro, escapando da armadilha das emergências, o Brasil precisa de uma profunda reformulação do Estado, racionalizando e reorientando as despesas públicas, e uma ampla liberalização do mercado para aumentar a eficiência econômica e elevar a produtividade do trabalho. Sem esta elevação da produtividade do trabalho e, portanto, do execedente econômico, o Brasil está condenado ao fracasso.
Palmas!
Finalmente começa a se dar um reconhecimento de que o Estado brasileiro cria desigualdade. Em nossa “república de funcionários” há uma situação única em que a média salários do funcionalismo público é mais alta que a média de salários do setor privado. E a cidade que é praticamente só de funcionários públicos, Brasilia, tem a renda per capita mais alta do país. Eis aí mais sintomas da distorção que Sergio Buarque aponta, com toda razão. E mais, mesmo que um funcionário público concursado se encoste na burocracia estatal e não faça nada, é praticamente impossível demiti-lo.
Excelente texto. Contudo, a simples comparação da carga tributária média do Brasil (~ 35% do PIB) com outros países, como Alemanha, não dá a devida dimensão do problema: se compararmos a carga tributária líquida, ou seja, deduzirmos os gastos do Estado diretamente em prol de seus cidadãos (Educação, Saúde, Segurança, subsídios diversos etc. Esse cálculo não é fácil de fazer), a carga tributária líquida média na Alemanha, ou nos países escandinavos se reduz brutalmente, enquanto que no Brasil essa redução é muito pouco expressiva.
Excelente texto. Contudo, comparar a carga tributária bruta do Brasil com a da Alemanha, ou de outro país, não dá a devida dimensão do problema. Quando se deduz do total de tributos o valor dos serviços diretamente prestados à população – Educação, Saúde, Segurança, subsídios em transportes etc – eu imagino que a carga tributária bruta da Alemanha e principalmente dos países escandinavos se reduz bastante. Enquanto que no Brasil, se fizermos esse cálculo, a redução é muito menor. Se for verdade que o Brasil gasta algo como 10% do PIB para pagar salários, aposentadorias, benefícios diretos e indiretos ao funcionalismo público, incluindo militares, uma redução desse percentual em 20%, por exemplo, representa 2% do PIB, ou US$ 40 bilhões. Não é desprezível.