Editorial

As portas das prisões já começaram a se abrir, para a saída de criminosos cujas culpas já foram reconhecidas e não poderão ser desmentidas, pois os recursos ao STJ e STF não comportam reexame de provas, abrigando apenas questões formais, como dosimetria das penas ou tipificação dos crimes.  Vários já saíram, muitos os seguirão.  São todos membros do patriciado brasileiro – empresários, executivos, políticos – brancos e abastados.  Lépidos e fagueiros, eles sabem que não voltarão, em seu tempo de vida “útil”, pois a pletora de recursos protelatórios de nossa legislação penal e a saturação dos tribunais superiores levarão a sentença final para as calendas gregas.  Foi assim com Paulo Maluf (27 anos), foi assim também com Pimenta Neves, o jornalista que matou a namorada a tiros, nas costas e no ouvido, com todos os agravantes que pode ter um homicídio (mais de 10 anos).  Os criminosos soltos riem dos cidadãos honestos, o Brasil volta a merecer o ignominioso epíteto de país onde só pretos e pobres vão para a cadeia.  O povo, indignado, foi às ruas – caso talvez único no mundo – para pedir que a Justiça do seu país fizesse justiça.

Tudo, na verdade, se insere em um amplo movimento, envolvendo a cúpula do Judiciário, o Legislativo  e o Executivo, para torpedear de vez a Operação Lava Jato e a esperança de novos tempos para a política e a justiça em nosso país.  Começou com a mutilação do “pacote” de dez projetos de lei do Ministério Público Federal para dar mais eficiência ao combate à corrupção, pela Câmara de Deputados, prosseguiu com a revanchista “lei de abusos de autoridades”, com o cerceamento das comunicações entre COAF, MPF e Polícia Federal, com a descaracterização do novo “pacote” do Ministro da Justiça (que revisita o anterior), chegando agora à vergonhosa decisão, por 6 x 5 votos, do STF.  O próximo passo tem tudo para ser o julgamento da arguição de suspeição do juiz Sérgio Moro.  Só não vê quem não quer.

Chega a ser repugnante a desfaçatez com que seis ministros do STF, em votos caudalosos e enxundiosos, procuraram justificar uma decisão que não resiste ao critério analítico da “reductio ad absurdum”.  Pois se o princípio constitucional da presunção de inocência dos acusados até sentença irrecorrível for tomado, não como o princípio informador que é, mas como dispositivo cogente, nem a prisão preventiva, rotineiramente praticada, seria possível.  Neste caso, os presos podem nem sequer ter sido julgados em primeira instância.

Ao proferir seu “voto de Minerva”, o presidente do STF, como que encabulado por não poder descontentar aqueles que o puseram em tão alto posto, acenou com a possibilidade de mudança da norma constitucional, via PEC, pelo Legislativo.  A proposta é, no entanto, elusiva.  Uma emenda à Constituição exige aprovação em dois turnos, nas duas casas legislativas, por maioria de 3/5 dos parlamentares.  E a disposição dos nossos parlamentares – salvo honrosas exceções – para aprovar uma modificação na CF que pode, de algum modo, atingi-los, é bem pequena.  Além de tudo, não seria o caso de mexer no princípio constitucional, que é hígido,  e deve permanecer como está.  A solução pode vir por lei ordinária – como, aliás, está proposto no “pacote” de Moro: apenas explicitar o entendimento que vinha prevalecendo desde a promulgação da CF, em 1988, até 2009, só tendo sido posto em questão quando os poderosos e abastados começaram a ir para a cadeia.  Em 2016, o STF, também por 6 x 5, confirmou a orientação anterior, e logo o ministro autor do voto de desempate “virou a casaca”.  A orientação jurisprudencial firmada em 2016 só permaneceu até agora pela firmeza da ministra-presidente Carmen Lúcia, que se recusou a recolocar o assunto em pauta.

Agora, porém, tudo volta aos idos de 2009 a 2016.  E viva a impunidade!