Sérgio C. Buarque

Via Lactea.

“Uma paródia para o novo presidente da CAPES, o criacionista Benedito Guimarães Aguiar Neto.”  

Antes era o nada, o vazio absoluto. Deus flutuava naquela completa ausência, e padecia de um tédio incomensurável. Seus gestos e movimentos no meio do nada eram inúteis e desinteressantes. Para onde olhasse ou se deslocasse, tudo era nada, escuridão e silêncio completos, provocando solidão e uma infinita melancolia. Ao longo da eternidade, quando nem tempo existia, Deus tentava vencer o tédio brincando com o nada, suspirando ou soprando no vazio.

Numa dessas brincadeiras, Deus reuniu uma porção do nada na palma das mãos e, mesmo na ausência de algo visível, cuspiu sobre a concha fechada dos dedos, formando uma pasta viscosa. Deus sorriu, olhando aquela matéria primordial que, percebia, era uma grande novidade no meio do nada. Mesmo sem muito ânimo, Ele massageou a massa, criando uma bola macia e maleável. Satisfeito com aquele curioso objeto que acabara de produzir, Deus continuou brincando por mais uma eternidade, até que a bola secou e diminuiu. Quando perdeu o interesse, apertou a esfera com a sua força descomunal, quase como se a quisesse devolver ao nada. E, bumm! Uma assustadora explosão forçou a abertura da sua mão, e jogou uma luz forte no meio da escuridão, expandindo para todos os lados múltiplos pedaços da pequena esfera, que se deslocavam em grande velocidade.

“Que foi que eu fiz?”, perguntou-se Deus, assustado com aquele estranho, mas fascinante, fenômeno que se descortinava à sua frente: um universo de formas, luzes, cores e sons avançando sobre o nada e, desta forma, quebrando a monotonia da sua existência. Deus gritava e saltava de alegria, sorria o seu mais belo sorriso, acompanhava as surpresas dos movimentos e choques de corpos celestes, mais explosões e jogo de luzes. Percebeu que acabara de criar o universo, e se regozijava com a excepcional invenção, mesmo sabendo que não tinha sido exatamente esta a sua intenção.

Deus se alegrava com a imprevisibilidade da expansão daquela matéria pelo nada, das explosões que enchiam o espaço de belíssimas luzes e cores. Além da emoção, Ele observava o movimento, e percebeu um padrão naquela expansão da matéria avançando sobre o nada. Resolveu quebrar o padrão para provocar mais daquela adorável imprevisibilidade mas, cada vez que havia um distúrbio externo, o movimento recuperava o padrão. “O caos tem uma ordem”, pensou Deus, fascinado com o universo que, sem querer, acabara de criar. Ele entendeu que não podia nem devia interferir mais no movimento da matéria, que demonstrava uma clara e emocionante evolução natural e não controlada. Decidiu não mais intervir naquele curioso e interessante movimento de expansão. Seu supremo prazer era acompanhar a evolução e alegrar-se com as surpresas e novidades das mudanças no universo. Bastava agora flutuar no espaço que tinha sido criado, não mais o nada monotóno e sombrio, mas uma matéria em expansão e permanente evolução. Acabou o tédio e a melancolia divina. E quanto menos se envolvesse, maior a beleza e a emoção das transformações que aquela evolução iria oferecer à observação prazerosa de Deus. Quem sabe, levaria até, depois de alguns bilhões de anos de evolução, ao surgimento de espécies com vida e com pensamento, capazes de refletir e analisar a própria criação e os padrões de transformação da matéria, capazes de adorar o criador mas também de duvidar de uma vontade original e intencional de provocar a grande explosão e de formar a sopa primordial que deu origem à vida.