Vários pensadores, entre os quais Yuval Harari e Edgar Morin, têm sugerido que teremos um mundo melhor após a pandemia, com mais solidariedade, controle do capital financeiro, maior preocupação com os sistemas de saúde, com a importância de reduzir a desigualdade e eliminar a fome. Contudo, esta é apenas uma possibilidade, dentre outras. Depende das medidas que os governos tomarem, das mudanças nos valores e percepções das pessoas e, sobretudo, do crescimento da sensibilidade sobre a irracionalidade do modelo econômico que criamos no século XIX.
Não creio que haja qualquer mudança de caráter geral de forma significativa. Mas, algumas reflexões e proposições, que existem há alguns anos, tenderão a ganhar maior relevância e visibilidade. Uma delas será a do decrescimento, que consiste em nos libertarmos da ideologia do crescimento contínuo, que funda a irracionalidade da degradação ambiental promovida pelo modelo econômico vigente.
O decrescimento não propõe apenas a redução do crescimento econômico, e menos ainda uma recessão. É mais complexo. Trata-se de uma tentativa de responder a um dos dilemas centrais da humanidade hoje: continuar o crescimento econômico da forma como fizemos desde o século XIX, destruindo ecossistemas, dos quais dependem nossas vidas, com risco de enfrentar um colapso ambiental, social, político e econômico de consequências inimagináveis, ou planejar um decrescimento que nos conduza a outro estilo de vida, de produção, de consumo e de relacionamento social, com novos valores e nova concepção de vida, reduzindo, assim, o uso de recursos naturais e fontes energéticas fósseis.
O decrescimento é uma das principais correntes do campo da sustentabilidade. É a mais crítica ao modelo econômico vigente, e mesmo à ideia do desenvolvimento sustentável. É um movimento cultural que reúne intelectuais e militantes das mais diversas origens, profissões e países.
Para compreendê-lo é preciso ter presente que suas origens têm duas fontes distintas. A primeira é a crítica à ideologia do crescimento econômico, tecnológico e ao consumismo. A segunda é mais recente: a percepção dos limites físicos do desenvolvimento, na medida em que parte dos recursos naturais não são renováveis, e, portanto, são finitos.
Decrescimento não é um conceito, nem uma teoria, nem um modelo, dizem seus teóricos. Trata-se, na expressão de Paul Ariès, economista e jornalista francês, de uma “expressão ônibus”, que comporta muitas assertivas e proposições em torno do tema do reconhecimento dos limites físicos e da necessidade de uma mudança urgente. Nas palavras de um dos criadores deste movimento cultural, Serge Latouche, trata-se de um slogan político que reage à destruição ambiental que assistimos e desvela as suas prováveis consequências sobre o destino da humanidade. Mais diretamente, é o reconhecimento de que não é possível um crescimento infinito em um mundo finito. Ou ainda, trata-se de um movimento que propõe o abandono de uma religião: a do crescimento sem limites, com o abandono da ideia de progresso contínuo que marcou a humanidade desde o século XVIII com a sua ideologia positivista.
Decrescimento não se confunde com recessão econômica, e rigorosamente não significa que a economia tem que decrescer em toda parte e em todos os segmentos produtivos. No Norte do planeta é necessário reduzir o consumo, pois ele é excessivo, assim como entre as camadas mais ricas do Sul; neste, é preciso que as pessoas saiam da miséria e da pobreza, o que implica em ampliação do consumo. Em resumo, o decrescimento deve observar as características de cada local, de cada grupo social. São os indivíduos, com suas organizações específicas, que devem decidir qual a melhor forma de fazê-lo. Decidir o que decrescer (drogas, armas, artigos suntuosos e sorvedouros de recursos naturais) e o que crescer (alimento saudável, transporte não nocivo, habitação adequada, prevenção na saúde e educação de qualidade para todos). As iniciativas devem ser múltiplas e retroalimentadas. Como diz Morin, é preciso “crescer, decrescendo”.
Os participantes desse movimento intelectual buscam viabilizar uma proposta mais simples e mais modesta de sociedade, uma sociedade que comporte, de forma justa, o conjunto da humanidade neste barco finito que partilhamos, e que alguns denominam de convivial, em homenagem a Ivan Illich. O decrescimento, partindo de uma desconstrução da ideia de desenvolvimentismo, propõe uma alternativa à sociedade produtivista e consumista sem limites, com uma proposta difícil de ser compreendida e, sobretudo, operacionalizada: trabalhar menos, consumir menos e viver melhor.
A maior ousadia dos autores que circulam em torno desse movimento é a de propor superar a economia de mercado, o capitalismo, sem recurso a uma revolução violenta, como predominou nas propostas do século XX, pela simples razão de que o atual modelo econômico capitalista levará a humanidade a uma catástrofe, e as revoluções, com exceção da China e de Cuba, conduziram a formação de “Gulags”. Como sugere André Gorz, a saída do capitalismo é um imperativo, a questão é saber se sairemos de forma civilizada ou de forma bárbara… o decrescimento é um imperativo de sobrevivência”.
Evidentemente, a postura de crítica à ideologia do crescimento econômico não data de hoje, nem os atores do decrescimento são os pioneiros. Eles reconhecem que muitos antecedentes abriram o caminho para mostrar as incongruências e (in) consequências de um crescimento econômico desenfreado e produziram ideias nas quais eles se inspiram. São ideias e proposições provindas de vertentes distintas e tradições singulares, e mesmo divergentes.
Nas obras dos economistas clássicos como Adam Smith, Thomas Robert Malthus e David Ricardo já se encontram indícios da ideia de um decrescimento, porque acreditavam que a economia não podia crescer eternamente. A queda da taxa de juros na agricultura e depois na indústria, a finitude de terras agriculturáveis e o crescimento populacional eram, para esses autores, as barreiras intransponíveis ao crescimento econômico continuado. Smith defende em A Riqueza das Nações a existência de ciclos da economia que conhecem o crescimento acelerado, em seguida o estado estacionário e, finalmente, o decrescimento. Ou seja, a economia reduziria normalmente o seu ritmo de crescimento pelo esgotamento dos fatores de produção, até começar a decrescer. John Stuart Mill partilhava das mesmas ideias. Em contraposição, os economistas neoclássicos, que se tornaram dominantes no século XX, insistem na substitutibilidade dos fatores de produção e do capital artificial e natural. Trata-se de uma ideia insustentável, mas que fez muito sucesso e ainda tem o seu prestígio.
A ideia do esgotamento do modelo econômico vigente não se encontra apenas nos escritos dos economistas clássicos. Nos anos 1930, o economista Alvin Hansen declarou que a economia havia chegado à sua maturidade e deveria entrar em um período de estagnação. A resposta não tardou. Veio com Keynes, que propôs a intervenção do Estado na esfera econômica como a forma de superar a tendência normal da economia de caminhar em direção à estagnação. Keynes tinha razão e se tornou a referência econômica dominante no mundo capitalista até o início os anos 1970.
Uma outra tradição antiga tem raízes na segunda lei da termodinâmica de Sadi Carnot, conhecida como a lei da entropia, que mede a energia resultante do processo produtivo como uma energia inútil. A partir dela, o processo produtivo não passa da transformação de energia de baixa entropia em energia de alta entropia, ou seja, energia de muito utilidade para energia de pouco uso.
Se quisermos as origens do decrescimento, a melhor época seria a década de 1970, com a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, em 1972, na qual se discutiu abertamente os limites biofísicos do crescimento econômico. Esta década foi importante não apenas pela conferência, mas também, e talvez sobretudo, por diversos textos que vieram à luz. Os Meadows e outros publicaram um livro que se tornou um best seller: The Limits to growth. Os Meadows e colaboradores analisaram possibilidades de futuro, utilizando algumas variáveis-chave como o crescimento populacional, o consumo de recursos naturais não renováveis, a quota de produção de alimentos por capital, as fontes energéticas, o produto industrial per capita e a poluição. E sinalizaram como os limites físicos do planeta se tornam cada vez mais presentes, se não mudarmos o modelo de desenvolvimento.
Outros trabalhos vieram à luz nesta década. Nicholas Georgescu-Roegen foi talvez o grande inspirador dos economistas e bioeconomistas do decrescimento, na medida em que associa o princípio físico da entropia às ciências econômicas, considerando a economia como parte da biologia. Em seus trabalhos demonstra que todo processo produtivo transforma recursos naturais em mercadorias, que se transformam por sua vez em dejetos que não podem ser integralmente reciclados. Para Georgescu-Roegen, o uso da energia é irreversível, assim como o de recursos naturais não renováveis e, em parte, o uso dos renováveis, quando o seu ecossistema é destruído.
Ivan Illich, polímata austríaco, é outro dos antecessores relevantes do decrescimento. Sua obra também data dos anos 1970 e inspirou a ideia de pós-desenvolvimentismo junto aos cientistas sociais. São várias suas contribuições ao decrescimento, como as críticas aos efeitos das tecnologias no estilo de vida moderno. Mas, ele se sobressai, quando propõe a noção de convivialidade, das suas ideias originais a que ganhou maior fama. Nela reside uma crítica à tecnologia que foge de nosso controle (exemplo, usina nuclear), que nos expropria da capacidade de gerir nossas vidas, e um elogio aos instrumentos que podemos controlar (exemplo, a bicicleta), verdadeira tecnologia social, que ele denomina de convivial. Mas, sobretudo, ele se destaca ao propor a ideia de que são a amizade, a confiança e o compartilhamento que conformam o alicerce fundamental da sociedade humana. É preciso reconstruí-la, na medida em que a sociedade moderna, desenvolvendo o individualismo, quebrou os vínculos sociais, substituindo-os por vínculos mercantis.
Illich nos anos 1970, em um conjunto sucessivo de livros, artigos e conferências, tentou demonstrar o princípio da inflexão perversa: a partir de um certo momento o desenvolvimento se torna irracional e prejudicial a seus próprios autores. Assim, o excesso de escolarização pode produzir a castração criativa das crianças (Une Socièté sans ècole, 1972); o mesmo ocorre com o aumento da medicalização, que passa a ter reflexos mais negativos que positivos sobre a saúde das pessoas (Némesis Medicale: l’expropriation de la santé,1975); no transporte, o crescimento contínuo do uso de automóveis leva seus proprietários a uma situação irracional, pois o tempo despendido para sua manutenção e uso, incluindo a compra e os gastos de manutenção dos veículos, apresenta um balanço negativo (Énergie et éqüite, 1975). Assim, com o crescimento da frota de automóveis a cidade passa a se movimentar mais lentamente; com o aumento da ingestão de medicamentos os efeitos colaterais aumentam e a saúde das pessoas se torna mais débil; com o excesso de escola as crianças se tornam menos criativas. O “desenvolvimento” provoca externalidades negativas cada vez maiores e ausentes dos cálculos dos economistas e gestores públicos.
Cornelius Castoriadis, psiquiatra, economista e filósofo grego-francês, crítico do capitalismo e dos efeitos do crescimento da tecnologia a todo custo, é outro intelectual que não pode ser omitido. Defende que as proposições políticas dos partidos defensores dos direitos humanos devem integrar a natureza. Chama a atenção, entre outros, para os limites e irracionalidade do PIB, ainda nos anos 1970, pois os valores produzidos fora do fluxo de mercado não são contabilizados. Ironicamente, Castoriadis dizia constantemente, ser preferível ter um novo amigo do que um carro novo. Contudo, ao inverso do carro novo, o amigo não conta para estimar o PIB.
Outro autor importante é Herman Daly(, economista norte-americano, discípulo de Georgescu-Roegen, antigo chefe do departamento ambiental do Banco Mundial. Ele defende a tese de que o crescimento contínuo é uma impossibilidade e que a alternativa é a economia estacionária ou condição estacionária. Para Daly, esta é uma forma de ampliar a longevidade da espécie humana, que não permite salvá-la do aniquilamento, porém permite adiar seu aniquilamento por séculos.
O livro de Celso Furtado – O mito do desenvolvimento –, de 1974, contribuiu para criar um clima favorável à ideia do decrescimento, na medida em que ele defende a tese de que o desenvolvimento não pode ser universalizado. Trata-se de um mito que se vende aos povos do Sul, mas irrealizável para todos, pois o padrão de consumo dos países ricos não pode ser generalizado a todas as sociedades. O planeta não comporta.
Uma parte dos membros do movimento pelo decrescimento se aproxima do Mouvement Anti-Utilitariste en Sciences Sociales (MAUSS), liderado por Alain Caillé, que defende a dádiva (dar, receber e retribuir) como um dos princípios organizativos não apenas de sociedades pretéritas, mas ainda presente em diversos espaços da sociedade moderna e que pode ser ampliado no sentido de construir a sociedade convivial.
Um livro recente, organizado por Manuel Castells, trata das iniciativas econômicas à margem da economia de mercado – Uma outra economia é possível (Zahar, 2019).
No Brasil, a literatura sobre decrescimento era incipiente até 2012, quando foi publicado o livro – Enfrentando os limites do crescimento: sustentabilidade, decrescimento e prosperidade, com 22 artigos (Garamond).
Parte dos defensores do decrescimento considera que o movimento se dedica a gerar ideias e sugestões que permitam produzir, aos poucos, uma sociedade distinta, ou seja, mais saudável, mais simples, mais convivial. É nessa perspectiva que se inserem aqueles que, como Alain Caillé, inspirando-se no pensamento de Marcel Mauss, propõe que a ordem social é irredutível à ordem econômica e contratual. Isto é, o que dá vida aos mercados econômicos não é a universal e abstrata lei da oferta e da procura, mas a cadeia de interdependência e relações de confiança. Como diz Castells, a economia é cultura. Além disto, o acúmulo de riqueza não é nada sem o reconhecimento social.
Os decrescentistas propõem uma reinserção do Estado e do mercado numa ordem social e política que tenha um sentido cultural e global. O seu objetivo pode ser resumido na proposta de reconciliar a economia e a ética. Cristovam Buarque defende esta ideia, propondo que haja duas linhas de limites ao consumo: a primeira define o mínimo que cada pessoa deve ganhar para ter uma vida digna e quando cada pessoa não tem esse mínimo, o Estado supre; a segunda, define o limite máximo do que uma pessoa ou uma família pode consumir, independente do que aufiram como renda, é a linha ecológica. Linhas que devem ser definidas mediante um acordo de nações, um desafio, portanto, a uma nova governança global.
Em plena pandemia (segundo El Clarin de Chile – 23/04/2020), 170 acadêmicos holandeses assinaram um manifesto em cinco pontos, entre os quais o primeiro cita nominalmente o decrescimento; “Pasar de una economia enfocada en el crescimiento del PIB, a diferenciar entre sectores que pueden crescer y requerien inversión (sectores públicos críticos, energias limpias, educación, salude) y sectores que devem decrescer radicalmente (petróleo, gas, mineria, publicidade etc)”.
Sugestões bibliográficas que podem alimentar o conhecimento e o debate sobre o decrescimento.
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BÁDUE, Ana Flavia P Louzada. Décroissance: uma abordagem antropológica da política, economia e do meio ambiente. Dissertação de Mestrado. USP, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, 2012.
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CASTELLS, Manuel (Org.) Outra economia é possível. Cultura e economia em tempos de crise. Rio de Janeiro : Zahar, 2019.
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Caro Elimar,
Acho que este conceito de decrescimento (embora o texto diga que não é um conceito, não sei o que seria) confunde mais que ajuda a formular estratégias para um “desenvolvimento diferente”. Como se o desenvolvimento sustentável não servisse mais e ainda passa a ideia de retração da economia tendo que explicar que os países de renda baixa podem crescer, mas só se os de alta renda estiverem dispostos a diminuir sua renda. Mas o principal é o seguinte: por que este conceito se já temos uma forte e amplamente aceita proposta de desenvolvimento sustentável. Desde os anos setenta do século passado, Ignacy Sachs (injustamente ignorado no artigo), defendia um novo modelo de desenvolvimento que chamou de ecodesenvolvimento. No início dos anos 90, foi criado e hoje é a base de qualquer discussão sobre desenvolvimento a proposta de desenvolvimento sustentável que se sustenta em três pilares interligados e interdependentes: equidade social, conservação ambiental e crescimento econômico. Sim, crescimento econômico que, no entanto, teria que respeitar a conservação ambiental e assegurar a redução das desigualdades sociais. Tanto Sachs quanto as Nações Unidas, que difundiu o conceito de desenvolvimento sustentável, sabem e expressam claramente que a economia tem que se subordinar aos “limites da natureza”. Nenhuma novidade. O ecodesenvolvimento de Sachs e o desenvolvimento sustentável das Nações Unidos defendem uma necessária mudança de padrão de desenvolvimento e, claro, redefinição da estrutura produtiva, das fontes energéticas e mesmo dos padrões de consumo, que nos leve a um novo estilo de vida. Tudo isso formulado bem antes do conceito de decrescimento. A única novidade destes teóricos decrescentistas consiste, como diz o ensaio, em ter a “ousadia (….) de propor superar a economia de mercado e o capitalismo”. Epa! A discussão agora passa a ser outra. Estão pensando na estatização dos meios de produção e no planejamento centralizado? Já vimos este filme. E não foi bom.
Meu querido Sergio desculpe dizer que desta vez você não está certo.
DS é superado do ponto de vista teórico e prático. Um conceito disseminado que se tornou famoso justamente por ser genérico, e nele caber quase tudo, desde os petroleiros até os madeireiros da Amazônia. Trata-se de um oximoro. Desenvolvimento implica necessariamente, por mais esforços que nossos amigos Furtado e Sen tenham feito, em crescimento. Este, de forma contínua, em um planeta finito é impossível. Uma contradição nos termos. E superado do ponto de vista prático. Desde os anos 1990 (o Relatório Brundtland data de 1987) que os organismos e governos proclamam o DS. E desde então a situação tem apenas piorado, enquanto quantidade de gases de efeito estuda na estratosfera, área devastada, perda de biodiversidade, zonas mortas no oceano, esgotamento do estoque pesqueiro, derretimento das geleiras (no polo norte neste verão tivemos a temperatura de 38 graus). Não é que não se fez nada, mas o feito é extremamente insuficiente. Caminhamos para um desastre conhecido e relatado. Há uma única dúvida, ele ocorre dentro de 20 ou 30 anos? Por que a mudança climática já esta em curso. E com ela a consequência: o mundo começa a desacelerar o crescimento e, portanto, decrescer, por decisão dos humanos, antecipando o desastre, ou forçados por um desastre espetacular com mortandade impensável – milhões de mortes, bilhões de perdas? Os tempos mudam, as ideias também.
Quanto a superação da economia de mercado há muitas formas de ocorrer. Não sabemos bem como, e as velhas ideias não tem mais vez. Pois, o capitalismo vive por meio de sua reprodução ampliada, portanto, crescimento irracional e que um dia vai quebrar tudo. Talvez façamos a máquina parar, lentamente, com cuidado, antes. OU não. Neste caso, como diz minha vó: “Deus nos acuda”.
Ninguém ousaria dizer que a propagação bem sucedida de um conceito ou proposta de desenvolvimento seria suficiente para mudar a história. O problema é, antes de tudo, político, sabemos muito bem. Mas tem havido avanços importantes em várias áreas, na mudança da matriz energética, nas experiências com a economia verde, e mesmo no mundo empresarial e até em alguns Estados americanos apesar do troglodita de plantão. Claro que é insuficiente, mas deve-se a uma enorme resistência em todo mundo, e não só entre os capitalistas mas também nos consumidores, que não querem mudar nada. Agora, se você acha que o conceito de desenvolvimento sustentável não mudou nada, espera que o conceito de decrescimento seja capaz de transformar o mundo e construir um novo modelo de desenvolvimento, digamos, sustentável? Acho que concordamos num ponto que você desconsidera na última frase: o Estado deve regular o mercado e orientar para a sustentabilidade. O problema é que o Estado é expressão da resistência à mudança do modelo de desenvolvimento. Eu não acho que estamos bem e nem tenho dúvidas que marchamos para grandes desastres ambientais. Mas, quando se confunde o debate com novos conceitos que só dividem, se limitando a denúncias, a marcha da insensatez se acelera.
Concordamos que foram tomadas medidas para combater a crise ecológica, como tambem concordamos que as medidas são insuficientes. Concordamos tambem que sao as ações que mudam as coisas, e tambem que elas dependem das noções, valores e representações que temos. Enfim, de conceitos que informam as ações. Ninguém age sem uma ideia por detrás, que alimente a ação. O problema é que o DS é cada vez mais contestado por setores da sociedade civil e intelectuais. Pq se revela um discurso vazio. Morin – a expressão ‘r dele -chama o DS de “vasilina”. Kallis de oximoro. Herman Daly de insuficiente. Sharpley de esgotado. Paul Gilding de desastroso. A ideia do decrescimento, devagarinho cresce, porque o DS contem todo mundo e diz cada vez menos para as pessoas informadas. Concordamos tambem que a situação é grave. Por isso é preciso buscar soluções a altura da gravidade. O decrescimento tenta dar esta resposta. É um ator campo em construção. Seus membros sabem que a grande ideologia da modernidade que precisa ser superada é a do crescimento. Não é de esquerda nem de direita e esta em ambas. Com ela caminhamos para o desastre porque é impossível dar uma vida minimamente digna a 8 bilhões de pessoas. Três saídas: excluímos uma parte crescente da humanidade (e os pobres aceitam cada vez menos a situação de excluídos), o desastre que certamente ocorrerá se não mudarmos de fato os rumos da economia (definindo por exemplo a felicidade, como diz Clovis, como sua finalidade ultima) ou buscamos uma solução que nos garante a todos uma situação de bem estar sem destruição dos recursos naturais, e para isso o balanço global tem que se reequilibrado. É preciso que coisas cresçam como a produção de bicicletas e ˆônibus, e outras decrescem como automóveis. Os ricos tem que ter um limite para o consumo, reduzindo-o a níveis racionais, e os pobres devem aumentar seu consumo, para ter saúde e direitos. Não se trata de dividir, mas de criar soluções que de fato resolvam a crise ecológica e nao que nos enganem. Como dizia profeticamente André Gorz: o decrescimento virá, ou por desastre ou decisão dos humanos.. Prefiro esta opção.
O que me surpreende é que, em toda essa conversa, seja omitido o problema da estabilidade da população mundial. Com a população crescendo, nada do que se propõe poderá funcionar satisfatoriamente. Não adianta mudar rótulos nem propostas.
Ambientalismo desde o início teve muitas vertentes, inclusive os neoluditas ao estilo de Elimar Nascimento, reivindicando Malthus como ambientalista. Malthus foi desmentido faz tempo. E o casal Meadows e coatores, em seu relatório para o Clube de Roma, “The Limits to Growth”, podem ter sido bestsellers, em 1972, mas também já foram desmoralizados faz tempo. Houve até apostas, em que ganharam os que apostaram que os tais recursos cujo esgotamento se apontava teriam queda de preços. (O que não quer dizer que poluição ou falta d’água não sejam problema, apenas que é utopia pretender resolver isso acabando com a economia de mercado.) Até inventar palavra-ônibus, um “saco conceitual” (?) tão grande em que caiba qualquer coisa, não é novidade. Lembro quando se falou em “environmanticism” (ecoromantismo talvez traduza bem), citando líricos do século XVIII como Wordsworth ou Coleridge (“Há uma benção na brisa gentil/ uma visitante que afaga minha face/ parece semiconsciente do prazer que traz/ dos verdes campos e do azul do céu”. Wordsworth 1795). Não deixa de ser ambientalismo.
Para cada economista que quer fazer uma análise de custo-benefício há algum ambientalista com a pretensão de refutar tanto o capitalismo quanto o comunismo, pois tanto um como outro pretendiam maximizar o crescimento econômico. É simples propor redução de consumo esquecendo que o que é a paisagem de um pode ser o ganha-pão de outro. E o comunismo já acabou, mas não foi por causa da poluição. Sobrou o capitalismo para culpar.
Deveria, isso sim, haver mais respeito pela ciência. Meteorologistas nos informaram sobre a camada de ozônio ou a mudança climática, engenheiros químicos nos informaram sobre o impacto de produtos químicos tóxicos e poluentes orgânicos persistentes, biólogos e botânicos detectaram a extinção das espécies. Como esses impactos surgem dos processos de produção e consumo, os economistas (e cientistas sociais em geral) são chamados a ajudar na formulação de políticas (públicas) para lidar com esses problemas. “Decrescimento” é palavra vazia, parece uma maneira desajeitada de crítica ao capitalismo, parece aquela teoria conspiratória sobre a ameaça estrangeira à nossa soberania no Amazonas.