A eleição quase certa de Pedro Castillo como presidente do Peru é um fenômeno político surpreendente (até janeiro era um ilustre desconhecido) que, no entanto, parece seguir o roteiro de outros países da América Latina. A emergência de um outsider com um discurso contra as elites, num país fragmentado e corrupto, e com anos de indiferença política com as desigualdades sociais e as áreas periféricas, formou o Chavismo na Venezuela. E levou, na Bolívia, ao governo de Evo Morales que, como Castillo, reflete um conflito entre o campo e a cidade.

No caso do Peru, a eleição de Castillo ainda traduziu o ressentimento dos peruanos com o descaso governamental diante da pandemia do Covid-19, que matou quase 200 mil pessoas no pequeno país andino. O programa de governo de Castillo é claramente inspirado no modelo chavista, com estatização de petróleo, gás e mineração, convocação de Constituinte para formação de um “Estado popular” e regulação dos meios de comunicação.

De acordo com Gonzalo Banda, o analista político peruano, o programa parece ter sido retirado de uma biblioteca stalinista de antes da queda do muro de Berlim. A polarização política das eleições no Peru entre as tradicionais elites políticas e o populismo de Castillo, levando a intelectuais, como Mário Vargas Llosa, a apoiarem Keiko Fujimori (filha e herdeira política do Alberto Fujimori), lembra também as características políticas e eleitorais do Brasil. Castillo tem semelhanças ideológicas com Lula, mas coincide com Bolsonaro na defesa da família e na rejeição à ideologia de gênero, ao casamento de pessoas do mesmo sexo e ao politicamente correto de inspiração americana.

E enquanto, no Brasil, Bolsonaro elegeu-se no rastro da indignação da sociedade com a corrupção política, no Peru foi Castillo quem atraiu o voto do eleitorado revoltado com as denúncias da Operação Lava Jato peruana, do esquema de corrupção da Odebrecht, exportado do Brasil. Populismo e polarização são dois males da história, cíclicos da América Latina, que dificultam a construção de uma agenda de desenvolvimento. E não serão superados, enquanto persistir a fragmentação da sociedade e a insensibilidade dos políticos e governantes com as desigualdades sociais.