Não sobra mais nada do discurso de Jair Bolsonaro, que atraiu o voto de milhões de brasileiros que optaram por um medíocre deputado do baixo clero, movidos pela desilusão com a política e com os políticos. Bolsonaro ajudou a enterrar a Operação Lava Jato, defenestrando o ex-ministro e juiz Sérgio Moro, tentou aparelhar a Polícia Federal e o Ministério Público, para proteger seus filhos e amigos, e agora procura torpedear a CPI – Comissão Parlamentar de Inquérito da Covid-19, que está desvendando as mutretas do Ministério da Saúde.

O último lance foi a “entrega da alma do governo” a Ciro Nogueira (nas palavras do presidente), um dos símbolos da velha política clientelista e corrupta, nomeado ministro Chefe da Casa Civil. Em vez do combate à corrupção e o afastamento da velha política, o compadrio com os malandros do Centrão. Com esse gesto, Bolsonaro entregou o governo ao Centrão, vendeu a alma ao diabo, para evitar um impeachment e uma derrota acachapante nas eleições de 2022.

Trata-se da consolidação de uma aliança que já se vinha desenhando, e que agora joga o Centrão no centro do poder. Bom negócio para Bolsonaro, que não tem apetite para governar, e não sabe fazer mais que provocar o permanente stress político e institucional no país. Excelente também para o Centrão, que não existe fora do governo. A aliança pode permitir driblar a CPI e dificultar a abertura de um processo de impeachment. Mas pode ser desastrosa, do ponto de vista eleitoral. Grande parte dos eleitores que votou em Bolsonaro em 2018 vai descobrir que foi vítima de um estelionato eleitoral. O próprio presidente lembrou que sempre foi Centrão: “Eu sou do Centrão. Eu nasci de lá”. E a acirrada disputa política pelo poder não vai sequer esperar 2022.

Com o Centrão no centro do poder (a alma do governo), deve ocorrer um desequilíbrio nas relações de força do governo, uma disputa pelos espaços com os grupos ideológicos e com os militares instalados em pontos estratégicos da Esplanada. Para não falar na disputa interna, no próprio Centrão, de gulosos parlamentares, na divisão de uma fatia minguada de cargos e de recursos públicos. Tudo indica que o presidente vai arrepender-se por ter entregado a alma do governo ao Centrão. Mas ceder o governo a Ciro Nogueira era o último recurso que restava para manter-se no Palácio do Planalto.