Dividendo é renda, da mesma forma que salário. Enquanto este é a remuneração pelo trabalho, os dividendos são uma remuneração pela participação acionária no capital da empresa. A remuneração do trabalho entra como custo de produção da empresa e, portanto, realiza-se antes do resultado empresarial, na forma de lucro. Assim, a remuneração do capital na forma de dividendos é posterior ao resultado da empresa, na medida em que consiste na distribuição de lucros. Mas ambos são rendas das famílias, via trabalho ou via capital. Ora, se ambos são rendas das famílias (trabalhadores e acionistas), por que o Estado cobra impostos sobre os salários e isenta os dividendos? Por uma questão de justiça, não se justifica isentar a renda recebida pelo capital, precisamente os rendimentos, muitas vezes de mais alto valor, e penalizar os salários. Dados do Ministério da Economia mostram que, em 2020, foram distribuídos R$ 480 bilhões de dividendos, completamente isentos de impostos. De acordo com a proposta de reforma do governo, a cobrança de impostos sobre esses dividendos (e a redução de impostos sobre os lucros) levaria a uma arrecadação adicional de R$ 54 bilhões, pagos por apenas 20 mil pessoas com renda média anual de R$ 15 milhões.

Entretanto, segundo os defensores da isenção dos dividendos, como a empresa paga, em média, 34% de imposto sobre o lucro, tributar os dividendos, que decorrem da distribuição de parte desse lucro, seria uma dupla tributação. Apesar da vinculação dos dois, lucro e dividendos são modalidades diferentes de remuneração da atividade produtiva: o lucro é o resultado econômico da empresa, o prêmio pelo seu bom desempenho, enquanto os dividendos são a renda que a empresa paga aos seus acionistas, como remuneração pelo capital. Neste sentido, o imposto sobre o lucro é uma tributação da pessoa jurídica, enquanto o imposto sobre dividendos é uma tributação da pessoa física.

O que o governo está propondo na reforma tributária é uma redução do primeiro, imposto sobre o lucro, compensado pela cobrança de impostos sobre os dividendos. Assim, as empresas terão uma disponibilidade maior de recursos para distribuir com seus acionistas que, no entanto, passam a pagar impostos sobre a renda correspondente. Sem entrar na análise direta da calibragem das alíquotas diferenciadas (sobre lucro e sobre dividendos) na proposta, que tem sido muito criticada, a cobrança de impostos sobre os dividendos é correta e necessária, para corrigir a isenção de rendas elevadas dos acionistas, sem que leve a uma elevação da carga tributária.

Quase todos os países do mundo (exceções são o Brasil e a Letônia), com diferentes proporções, cobram impostos sobre o lucro e sobre os dividendos distribuídos, como mostra a tabela abaixo. Chama a atenção que dois países da América Latina, México e Chile, tenham as maiores alíquotas de impostos sobre dividendos dos países selecionados, abaixo apenas da França.

PAÍSES LUCRO DIVIDENDOS
França 36,4 44,0
México 30,0 42,0
Chile 22,5 40,0
Reino Unido 21,0 37,5
Turquia 20,0 35,0
Alemanha 30,2 26,4
Áustria 25,0 25,0
Bélgica 34,0 25,0
Brasil 34,0 0,0

Fonte: OCDE, citado por Gobetti e Orair

Do ponto de vista macroeconômico, parece razoável considerar que o melhor modelo seja utilizar alíquotas baixas para o imposto direto sobre o lucro, e tributar mais fortemente os dividendos, pelo impacto diferenciado que têm no investimento e no consumo. O menor imposto sobre os lucros representa maior disponibilidade de recursos na empresa, que pode estimular os investimentos ou reinvestimentos, desde que seja combinado com a imputação de impostos sobre dividendos. A isenção de impostos sobre dividendos, que vigora até agora no Brasil, constitui um incentivo ao consumo, porque representa alto rendimento disponível das famílias e, ao contrário, a taxação dos dividendos desestimularia o consumo dos acionistas (embora, evidentemente, parte desta renda forme poupança). Deste ponto de vista, o modelo de tributação da Turquia e do Reino Unido tem a melhor combinação: baixo imposto sobre o lucro e alto sobre os dividendos. Dos países analisados pela OCDE, apenas Alemanha e Bélgica aplicam alíquotas maiores sobre o lucro das empresas que os impostos cobrados sobre dividendos dos acionistas.

Há dois outros aspectos adicionais a considerar no debate. De um lado, a isenção de impostos sobre dividendos provocou no Brasil um fenômeno chamado de pejotização das relações de trabalho, manobra das empresas que transforma salários em dividendos, tornando sócios os seus empregados (algumas empresas já exigem que os seus contratados tenham CNPJ). No sentido contrário, existe o risco real da cobrança de impostos sobre dividendos estimular as empresas a incorporarem despesas dos acionistas como custeio, com redução do lucro e, portanto, dos impostos. Além de não constituir uma razão suficiente para manter isenção de dividendos, uma fiscalização competente, utilizando os recursos digitais avançados, poderia inibir este tipo de evasão fiscal.

Nada disso, contudo, justifica a manutenção do modelo atual de isenção de impostos dos dividendos distribuídos com os acionistas das empresas, injusto e de grande incentivo ao consumo, em detrimento do investimento. Cabe, em todo caso, uma discussão cuidadosa sobre a calibragem das duas alíquotas combinadas, para evitar distorções e não permitir a elevação da carga tributária. O fato de constar de uma proposta deste governo, que não merece a menor confiança dos brasileiros, não é motivo para rejeitar, sem um debate sério, este aspecto relevante do sistema tributário do Brasil.