“….é um erro confundir problemas difíceis com problemas sem probabilidade de solução”. (The Begnining of Infinity. David Deutsch)

Os tempos eram risonhos no final do século XIX e começo do XX. O que permitia, por exemplo, ao biólogo britânico Thomas Huxley, em 1889, dizer que os recursos marinhos eram inesgotáveis: “não havia nada de tão sério que pudesse afetar o número de peixes”. Eram anos dourados de crescimento e prosperidade, de novas invenções que ligavam os humanos entre si, ampliavam suas capacidades de trabalho (motores elétricos e de explosão), de locomoção (ferrovia e automóvel) e de comunicação (telefone e telégrafo sem fio). A prosperidade crescia e se expandia de forma contínua, embora aos poucos para os mais pobres, é verdade. Entretanto, chegaram a 1a e a 2a Guerras Mundiais, assim como a febre espanhola. Milhões e milhões de pessoas morreram, e em 1942 a maioria dos europeus imaginava que Hitler viria a dominar o mundo, segundo Morin. Um regime autoritário e genocida, com seus campos de concentração e o racismo institucional, iria esmagar os países democráticos. Porém, o nazismo foi vencido, e uma década depois o stalinismo começou a se desfazer, sumindo por completo no final da década de 1980.

Por isso, a metade do século passado começou com a mesma esperança e alegria dos anos 1920. Tudo crescia, a produção, os salários, as transações comerciais, a escolaridade, enquanto a pobreza, embora em ritmo menor, diminuía. O mundo voltava a sorrir e nada parecia deter o crescimento da produção. Nascia a sociedade de consumo. Mesmo no final do século XX e início do XXI as esperanças ainda eram muitas – os regimes democráticos se expandiam em todo o mundo, a pobreza decrescia e, em movimento inverso, as classes médias se expandiam. Havia crises econômicas, mas sempre passageiras. Havia sinais de alerta de uma crise ecológica, porém, aparentemente, a consciência ecológica crescia e medidas, sob a égide do desenvolvimento sustentável, eram tomadas pelos países em reuniões internacionais que se sucediam. O mundo se conectava com a internet, as inovações tecnológicas impactavam a vida da maioria das pessoas, o mercado global, que havia renascido nos anos 1980, não parava de se expandir. Imperava o otimismo. O futuro nos sorria, pelo menos para uma grande parte da humanidade. Mesmo para os mais pobres havia esperança, pois, a fome e a pobreza se encolhiam e novas oportunidades lhes surgiam.

Hoje, de novo, os tempos estão para previsões sombrias. Expandem-se os regimes autoritários com definhamento das democracias; aumenta a desigualdade social em escala estranha à contemporaneidade; a pobreza volta a se ampliar no mundo, assim como a fome; as pessoas, não importa aonde, estão assustadas com uma pandemia que toda vez que sinaliza definhar, volta a crescer, sob a regência de novas cepas do coronavirus; cresce em toda parte o negacionismo à ciência, e a idealização do passado, com o desejo de retorno; a globalização, que parecia trazer uma nova prosperidade para os humanos, é criticada e repudiada em grande parte das sociedades ocidentais; cresce, igualmente, o número de pessoas com depressão e ansiedade, assim como o número de suicídios.  Sem dúvida, tempos de nuvens carregadas e horizonte ameaçador.

No dia 9/08 passado, o IPCC (Painel Internacional sobre Câmbios Climáticos), que reúne especialistas de 195 países, e analisa as mudanças climática desde 1988, publicou um relatório tido por alguns como assustador. Na verdade, o IPCC consiste em três Grupos de Trabalhos: o GT1 é responsável pelas análises das bases físicas e científicas das mudanças do clima; o GT2 pelo estudo dos impactos da mudança do clima na sociedade e o GT3 analisa as estratégias de mitigação das mudanças climáticas. O relatório supracitado foi o sexto (AR6) do GT1. Em resumo, ele afirma três coisas essenciais para nós brasileiros: a) a causa principal do aquecimento global é humana; b) algumas barreiras da mudança climática foram ultrapassadas e seus efeitos se farão presentes por décadas; b) o Brasil será um dos países mais atingidos.[1]

O secretário geral da ONU declara que é um sinal vermelho para a Humanidade. Os mais otimistas proclamam que se todos os países tomarem as medidas corretas, poderemos navegar no melhor cenário, evitando alguns dos desastres esperados, mas não todos.

De forma sintética, esse relatório do IPCCl (Climate Change 2021: The Physical Science Basis), diz que fronteiras da sustentabilidade foram ultrapassadas de forma irreversível, atingido, entre outros, a agricultura e a pesca marinha. O aquecimento global mantém-se em nível acelerado, o que em breve nos levará ao patamar almejado para o final do século (1,50C). Por outro lado, do aquecimento de 1,09°C observado entre 2011 e 2020 em comparação com o período pré-industrial (1850-1900), 1,07°C deriva de atividades humanas, como o desmatamento e a queima de combustíveis fósseis. O relatório de hoje, o AR6, apresenta uma nova série de cenários de emissões – cinco no total – batizado de Projeto de Intercomparação de Modelos Climáticos Versão 6 (CMIP6). São dois cenários de baixas emissões (SSP1-1.9 e SSP1-2.6), um de médias (SSP2-4.5) e dois de altas (SSP3-7 e SSP5-8.5). Em todos os cenários, a meta mais ambiciosa do Acordo de Paris – limitar o aquecimento a 1,5o C -, é ultrapassada no começo da próxima década, dez anos antes do previsto. No cenário SSP1-1.9, de emissões mais baixas, o aquecimento voltará a estar abaixo desse patamar somente no fim do século e em resposta a um corte ambicioso de emissões que começasse já.

Dessa forma, estaremos condenados a conviver com um número maior de tempestades, tufões, incêndios, secas, altas temperaturas como a de 40,9 graus neste verão no Canadá, associados a frios intensos, como os que assolaram os Estados Unidos no inverno passado, nevando aonde nunca se viu neve. Os mares continuarão a se elevar, mesmo no melhor dos cinco cenários, pois as geleiras e o ártico continuarão a perde gelo. Desde o início do século 20, o nível do mar subiu 20 cm, mas a taxa de elevação está crescendo: passou de 1,35 mm por ano entre 1901 e 1990 para 3,7 mm por ano entre 2006 e 2018. Em qualquer dos cenários, os eventos críticos climáticos aumentarão sua frequência e intensidade.

Para nós, brasileiros, a notícia é ainda pior. Somos um dos países mais afetados pelo aquecimento global. O semiárido nordestino tende a se tornar uma região desértica, com temperaturas que poderão eliminar a vida orgânica em seus subsolos (500C ou mais). Depois disso não adianta chover. A Amazônia, a maior floresta tropical do mundo, tende a se transformar em uma savana, modificando o regime pluvial do cerrado. Sem chuvas, nosso celeiro de produção de alimentos irá se esvaindo. E a matriz elétrica, baseada na fonte hídrica, irá se desfazer. Não se sabe se teremos tempo de substitui-la por uma matriz baseada em fontes mais renováveis como o vento e o sol. E se teremos condições de substituir a queda na produção agrícola.

Como nada é suficientemente ruim para não poder piorar, há sinais de aprofundamento do desastre que nos aguarda, e que já começam a se manifestar. Os sugadores naturais de CO2, oceano e florestas, por exemplo, estão se exaurindo. As correntes marítimas no atlântico norte estão se modificando com a redução das geleiras na Groelândia e no Polo Norte, o que irá agudizar as baixas temperaturas no inverno europeu. Se o desgelo continuar a se expandir para regiões como a Sibéria, o CO2 retido pelas neves (permafrost) voltará à atmosfera, agravando o quadro. Os oceanos arriscam ter suas águas invadindo cidades costeiras. As migrações ecológicas devem crescer, assim como, a escassez de recursos hídricos. Os conflitos ecológicos tenderão a aumentar. Os muros nas fronteiras dos países do Norte tenderão a se expandir. As guerras, a fome e a peste, que estavam sendo banidas, voltarão com vigor.

O quadro é tenebroso. Contudo, suficientemente homeopático para que a maioria da humanidade não se dê conta do que estamos vivendo, das ameaças e riscos que estão se desenhando no horizonte próximo. O desandar do clima já começou e apenas se agudizará ao longo do século. O equilíbrio da terra, que garantiu a vida por bilhões de anos, está ameaçado. A natureza reage à agressão humana, pois, como citado, esta é uma das conclusões do relatório do IPCC, mais de 90% das causas das mudanças climáticas residem na ação humana. Assustador, mas esperançoso. Se as causas residem esmagadoramente em nossas ações, temos o poder de modificar radicalmente a situação, pois, tudo depende de nós. Esta é uma constatação alentadora. A inversão desta tendência desastrosa encontra-se em nossas mãos. Depende de nós. E só de nós.

Medidas drásticas poderão ser adotadas para evitarmos o pior. E temos interesse que isso aconteça, afinal, não estão em jogo o planeta terra ou a vida em sua superfície – esta persistirá, como já ocorreu em crises pretéritas – mas, estão em risco as condições de vida que temos hoje. Podemos ter um retrocesso civilizacional que nem os negacionistas mais radicais imaginam. Ou, hipótese menos provável, termos o desaparecimento da humanidade. Neste caso, dizem os cientistas mais cínicos: a natureza agradece, pois, nenhuma espécie ameaça tanto a vida como o Homo Sapiens. Este é o maior degradador e o maior responsável pelo desequilíbrio que está ocorrendo em nossa biosfera. Será triste um desaparecimento tão rápido. O bom é que ele depende de nós. E, sabemos todos, no futuro mora a incerteza. Tanto para o bem, quanto para o mal. Perecer ou reviver em outras condições, com outro estilo de vida depende de nós.

Especialistas, como Paul Gilding e David Wallace-Wells, acreditam que o desastre será inevitável. E que só tomaremos as medidas drásticas necessárias depois de perdemos alguns milhões de semelhantes, senão bilhões. Afinal, como sugere Latouche, somos todos dominados pela ideologia do crescimento, e um crescimento contínuo em um planeta finito conduz inevitavelmente a um desastre. Os aceleracionistas, por sua vez, veem no futuro não o desaparecimento dos humanos, mas a sua simbiose com a inteligência artificial (Kurzweil – A singularidade está próxima) ou a sua submissão à IA (Lovelock – Novoceno). No entanto, como diz David Deutsch: “Todos esses cálculos pessimistas da condição humana, contém alguma verdade, mas como as profecias são enganosos, e todos pela mesma razão. Nenhum deles retrata os humanos como realmente somos, pois como disse Jacob Bronowisk – O homem não é uma figura na paisagem; é ele que dá forma a paisagem”. E no grande conflito do universo, entre a Monotonia, do Universo, e a criatividade, da Terra, estamos deste lado e não daquele, e assim, e só assim, romperemos a lei da hierarquia, e o pequeno irá mudar o grande.

 

[1] Mais informações sobre o relatório podem ser obtidas em: https://www.ipcc.ch/report/sixth-assessment-report-working-group-i/.