Na verdade, querido Centrão, eu nunca saí. Estou me sentindo em casa, porque a verdade é que sempre estive aqui, mesmo quando não sabia, ou talvez nem quisesse. Eu, sempre fui Centrão, e agora estou mesmo em casa. Aquele discurso contra os políticos e os ladrões, quase um pleonasmo, contra a velha política, atacando você, meu querido Centrão, era para ganhar voto deste povo besta. Viu? Acreditaram e me elegeram.
No início do governo, até que eu tentei me afastar de você, pensei que poderia ser feliz na solidão do Palácio, longe de você. Mas, pode ficar certo, olhava todos os dias para o outro lado da rua, com saudades. Eu voltei de onde nunca saí. O melhor é que agora eu posso levar você, meu querido Centrão, às mais altas e lucrativas posições de poder no país. Antes eu era apenas um deputado do chamado baixo clero, até porque eu não gostava mesmo de muito trabalho, cargos e comissões. Preferia ficar no meu canto, receber minhas regalias e me dedicar ao meu esporte favorito, xingar, atacar, agredir os adversários, pouco trabalho e muita pancada. Mas você sabe que sempre fui disciplinado, quando se tratava dos votos que nos beneficiavam.
Não posso dizer que agora gosto de trabalho, eu continuo o mesmo provocador e desagregador, só que com muito mais impacto e repercussão do que digo e faço, você é testemunha disso. O cercadinho do palácio tem mais ressonância do que o plenário e os corredores da Câmara. Eu voltei forte e, embora não me agrade nada viver de reunião e despacho, é um sacrifício que faço por você, para ter hoje muito mais poder, privilégio e dinheiro que antes, quando você tinha que mendigar espaços nos governos dos outros, principalmente de Lula e Dilma, com mensalão e cargos. Agora é diferente. Você não tem que mendigar nada.
O Brasil é nosso. Embora não seja exatamente uma volta, a reanimação da nossa relação tinha que ser devagar, para não confundir os meus seguidores fanáticos. Para acabar com a distância, entrei neste grande partido do nosso valoroso Valdemar da Costa Neto, que resistiu à injusta prisão pela sua participação no Mensalão de Lula. Sou cada vez mais Centrão. Você vai me ajudar na reeleição, e iremos juntos ao paraíso. Tá OK?
Pois é, Sérgio Buarque, ficção ou pesadelo. Tem razão, nunca imaginei que o Brasil ficasse tão caoticamente enlameado. Será que já tivemos alguma vez um Executivo tão ruim, um Congresso tão ruim, e um STF tão ruim? A ilustração, no caso, ilustra: o bolsonarismo como irracionalismo, incoerência, falta de princípios e obscurantismo fez com que os ratos subissem do esgoto, por todo lado.