E se a Justiça americana tivesse absolvido Al Capone, e condenasse Eliot Ness a indenizá-lo? A pergunta, a propósito da recente condenação do Procurador da República Deltan Dalagnol, foi feita em redes por um notório jornalista brasileiro, e não é, de todo, despropositada.
Cabem no entanto “temperamentos”. Em primeiro lugar, Ness, como promotor, apenas encaminhou Capone à Justiça, que foi quem o mandou à prisão. Dallagnol, apesar da apresentação um tanto cenográfica, ao demonstrar a suposta responsabilidade central do ex-presidente Lula na Operação Lava Jato, nem havia ainda chegado a tanto: apenas expôs um esboço de instrumento acusatório contra o indiciado, a ser levado à Justiça Brasileira. Não havia segredo de justiça a respeitar, e a presunção de culpa de um acusado é precondição de qualquer denúncia de qualquer promotor público. Censure-se apenas a espetaculosidade da exposição, que o próprio Dallagnol já admitiu, e que mereceria, no máximo, uma reprimenda do Conselho Nacional do Ministério Público.
Da condenação à indenização, no entanto, cabe recurso, que obviamente será promovido com sucesso, pois sua única motivação seriam os “danos morais” a Lula, o que só se configuraria se o acusado tivesse sido considerado inocente. E tal não aconteceu. Em uma decisão de anulação de processo por incompetência de foro, ou por suspeição de juiz, não há juízo de mérito, ninguém é declarado inocente ou culpado.
O processo deve ser retomado por outro juiz, que pode, se quiser, aproveitar atos processuais dos feitos anteriores: provas, depoimentos, confissões, delações, etc. No caso da Lava Jato, em que até dinheiro de roubo foi devolvido para abrandar penas, não se pode imaginar como tudo isso vai ser desconsiderado. O jogo dos culpados, inclusive do seu hipotético chefe, é protelar os feitos, até a prescrição das penas. E diga-se para encerrar: a narrativa da “inocência” de Lula, tão alardeada em sua campanha, é, no mínimo, hipócrita, no máximo, mais uma prova de suma velhacaria.
Exatamente isso.
Lula passou 580 dias preso injustamente, vítima da perseguição jurídica e midiática com fins políticos que o manteve fora das eleições de 2018. O tempo, senhor da razão, encarregou-se de provar, ponto a ponto, a inocência de Lula: a defesa do ex-presidente acumula 24 vitórias judiciais, em absolutamente todos os processos que eram movidos contra ele. Além disto, nesta terça (22), o Superior Tribunal de Justiça determinou que o ex-procurador Deltan Dallagnol (o do power point) terá de indenizar Lula por danos morais. Com essa, Lula já coleciona 24 vitórias na justiça, coisa que a imprensa tenta esconder e a rede de mentiras bolsonarista faz questão de distorcer. O Tribunal acolheu os elementos apresentados pela defesa do ex-presidente e reconheceu que a ação penal fazia parte do Plano Lula, dos integrantes da extinta Lava Jato, mais uma prova do lawfare.
Tem razão o Professor José de Souza Martins ao observar que o Brasil tem elevados índices de linchamento. E linchamento não é só com pontapé e pedra. A condenação de Dallagnol por 4 a 1 na 4ª turma do STJ não foi por “espetacularização”: foi por “imputação de fatos que não constavam do objeto da denúncia”. A indenização de 75 mil reais (+juros e correção monetária) foi fixada nesse nível porque Dallagnol alegou não ter recursos. Como agora Dallagnol diz ter arrecadado meio milhão por PIX de seus eleitores, Lula deveria entrar com recurso por indenização maior. Espetacularizada foi toda a operação Lava Jato. O que vem ficando evidente é mais grave que isso, é que Moro e Dallagnol estavam na campanha de Bolsonaro já antes de Moro virar Ministro da Justiça de Bolsonaro.
Com todo o respeito por nossa especialista em política internacional, refuto a sua interpretação do ocorrido. O fundamento alegado para a condenação de Dallagnol é de tal modo especioso e artificial que peca pela gramática: não se imputam FATOS, imputam-se AÇÕES. E a elementar suposição de que havia um “chefe” para o esquema de desvios e propinas insere-se plenamente no corpo da denúncia. Julgar a veracidade disso seria a tarefa da Justiça. A questão foi mesmo a dimensão de espetáculo da apresentação. Quanto à popularização da Lava Jato, foi ela mesmo que a fez a Operação resistir por tanto tempo.
E quanto à “evidência” de que Moro e Dallagnol estavam na campanha de Bolsonaro, é matéria de imaginação, que nunca poderá ser provada. Creio na boa fé do juiz, que – ingenuamente – acreditou na proposta de moralização do atual presidente da República, e ao desencantar-se, renunciou ao posto e à carreira, com dignidade. Ou vamos acreditar em outra “narrativa”, de que Moro era agente da CIA, treinado para desestabilizar o país?
Ora, Moro foi declarado suspeito pelo STF exatamente porque se acumularam indícios vários de que o pessoal da Lava Jato estava em campnha pró-Bolsonaro antes de Moro virar Minkstro da Justiça. Não foi apenas o vazamnento das conversas com os procuradores. Eu jamais achei nem disse que Moro era agente da CIA. Tampouco me declarei “especialista em política internacional”, especialidade que deve saber de CIA. Só dgo que Moro era bolsonarista. E que todas as abordagens dele continuam sendo as mesmas do bolsonarismo. Nunca vi Moro apontando para a corrupção no governo Bolsonaro. Se quiser pode chamar de “narrativa irracional” minha afirmação de que a Lava Jato era uma aglomneração de bolsonaristas. Quem declarou Moro suspeito foi o STF. E quem aprovou essa multa (mínima) a Dallagnol foi o STJ. Não estou em campanha contra o Judiciário, só estou em campanha contra os salários e privilègios exorbitantes da cúpula do nosso Judiciário.
E mais: já que você me acusa de iracional, qual a “racionalidade” de comparar Lula com Al Capone?! Será quen é mesmo mais racional que comparar Moro com um agente do CIA da era Trump? Mas admito que sobre Lula li várias centenas de páginas, e acho simplista o rótulo de ladrão, enquahto sobre Al Capone devo ter lido apenas algum artigo de jornal brev, comentando a ironia de que foi preso não por seus crimes, mas por sonegação de imposto (acho que era isso o assunto do artigo). De resto, sempre fico contente quandio um artigo na Será? dá debate.
Caríssima Helga: já que você gosta de debates, contribuo com pequenas perguntas adicionais. “Indícios vários” não são provas, o engajamento de procuradores numa campanha política não é matéria para suposições. Se Moro era bolsonarista, por que se demitiu, acusando, justamente – com o devido equilíbrio – Bolsonaro de tentar interferir na Polícia Federal, para proteger os filhos? Não conheço nenhum pronunciamento de Moro, aqui ou nas conferências que fez no Exterior, que possa defini-lo como bolsonarista, de esquerda ou de direita. Seu único erro foi acreditar nas propostas de moralização do presidente.
Quanto às críticas às mordomias e altos salários do Judiciário, estamos de acordo.
E quanto ao título do artigo, foi pura provocação, aproveitando a dica de um jornalista que eu nem respeito, por isso não o nomeei.
Sorry.
Concordamos com a opinião e a clara exposição das razões que levaram Moro e Dalanhol a moverem, de comum acordo, furiosa campanha de difamação e perseguição judicial a Lula, com a definida intenção de ajudar a eleição do candidato de suas preferências.
Parabéns pela objetividade e clareza deste seu oportuno artigo. Expresso minha concordância e sublinho sua última frase: “a narrativa da ‘inocência’ de Lula […] é, no mínimo, hipócrita, no máximo, mais uma prova de suma velhacaria”.
Eu não sou advogado mas sempre pensei que uma pessoa é inocente até que se prove o contrário. Não se provou que Lula era culpado. Então, ele é inocente.
Realmente é um artigo indecente, estou muito decepcionado, puxa vida
Querida Marceleuze, meu caro João Baltar (com quem já debati longamente, anos atrás), amigo Flavio Tavares, que reputo, sem vacilo, o melhor pintor brasileiro vivo: vocês são leitores que honram a Revista Será, cujo lema é mesmo PENSO, LOGO DUVIDO, e merecem toda a atenção.
Mas não tenho como responder aos seus comentários, repetindo argumentos que já estão no meu artigo. Lembro apenas que uma decisão de incompetência de foro, ou de suspeição de juiz, não condena nem absolve os réus: manda apenas que o processo seja retomado por outro juiz, supostamente insuspeito. E a decisão alcança todos os casos julgados pelo juiz suspeito, inclusive envolvendo os réus confessos, que já negociaram para devolver os milhões roubados, e os devolveram.
Assim, termino com a citação do velho Karl Marx: DIXI ET ANIMAM MEAM SALVAVI.
Caro Clemente, ocorre que as devoluções não foram feitas por Lula e portanto não enquadram o ex Presidente entre os pseudos’ culpados, conforme seus argumentos. Após os novos julgamentos ai sim poderá ser considerado culpado ou não. Nesse sentido concordo com a posição de João Baltar
Agradeço o comentário, amigo. Na verdade, não contestei a afirmação de João Baltar. Apenas lembrei que o juízo de suspeição de juiz ou incompetência de foro estende-se a todas as decisões, beneficiando também réus confessos, o que seria deplorável. Não há, portanto, dúvida quanto à existência de crimes. Se se acredita que o ex-presidente não sabia de nada, e não estava envolvido, devo respeitar a crença dos amigos, embora não a partilhe. A questão tem sido encarada de forma extremamente passional, jogando pais contra filhos, irmãos contra irmãos, é difícil de ser abordada racionalmente.