Quatro anos de Jair Bolsonaro emitindo mensagens agressivas, grosseiras e furiosas contra a democracia e os valores civilizatórios despertaram e potencializaram a intolerância latente na sociedade brasileira, principalmente em segmentos da classe média abastada, com sua arrogância e seus preconceitos. Em confronto direto com a radicalização dos movimentos identitários, não menos intolerante, formou-se a cultura do cancelamento que, inicialmente limitada ao ambiente virtual, vem saindo rapidamente para o campo de batalha real.

Recentemente, uma professora de ciências humanas de uma escola particular de Porto Alegre foi demitida depois de ser agredida por um aluno do oitavo ano, indignado com a referência à “invisibilidade histórica das mulheres”. Era uma aula sobre o Iluminismo, e a professora lembrou que mesmo os filósofos que nos legaram os princípios civilizatórios seriam misóginos. O jovem não deve ter entendido nada sobre o Iluminismo, talvez sequer soubesse o significado de misoginia, mas partiu para a agressão com impropérios, ataques à professora e defesa de Jair Bolsonaro. “Onde tem mulher, só acontece merda”, teria gritado.

Mais grave ainda, a explosão de intolerância do garoto foi premiada e estimulada. A sua família apresentou uma queixa à direção da escola, não se sabe com que argumento, e a professora foi demitida poucos meses depois. A direção da escola nega que a demissão tenha sido provocada por este incidente e pela pressão da família, mas não explica os motivos. E o agressor não recebeu punição. Este não é um fato isolado da exacerbada intransigência ideológica do ambiente escolar e do alto índice de intolerância, mesmo diante de formulações científicas. No mesmo Rio Grande do Sul, professores já foram demitidos ou sofreram campanha de ódio e difamação por terem analisado e explicado os indiscutíveis e cientificamente comprovados impactos ambientais da pecuária.

Na verdade, o ovo da serpente vem sendo incubado no Brasil antes mesmo da emergência desta fúria bolsonarista. Quantas vezes intelectuais críticos e independentes, mesmo de esquerda, foram impedidos de falar em eventos, agredidos verbalmente e cancelados por grupos radicais e por movimentos identitários? Bolsonaro é a expressão desta intolerância. Mas, verbalizando e expelindo ressentimento e cólera desde a escala mais alta do poder, ele propaga e choca o ovo da serpente. O Brasil está sendo empurrado para uma perigosa escalada de violência que abafa e impede o debate de ideias, esmaga argumentos com gritos e difamações. E que não se limita ao espaço político. Infelizmente, a violência e a intolerância estão enraizadas na sociedade brasileira, totalmente fragmentada em bolhas e agrupamentos fanáticos, aversos, todos eles, à inteligência e à ciência. No meio de um processo eleitoral altamente polarizado, a intolerância da sociedade pode levar a uma explosão de violência política. Bolsonaro está se preparando para isto.