Ulysses and the Sirens (1891) by John William Waterhouse

Ulysses and the Sirens (1891) by John William Waterhouse

 

Ando preocupado. Não se deu nem os três meses regulamentares. As tentativas de enquadramento são muitas, não se deixa dar um passo, que as críticas se fazem reverberar. Pautar o novo Governo é a ordem do dia, artigos e comentários sempre negativos se fazem presentes.

Lembro do meu querido Orientador de Doutorado. Sempre nos alertava de que Macroeconomia não é a cozinha de nossa casa. O raciocínio linear e a lógica cartesiana dificilmente se aplicam. Mas fomos condicionados a estes, a população pensa assim, sempre somos guiados por eles.

Não acho que seja por má fé, mas o senso comum é o que orienta os formadores de opinião, até mesmo a mídia, os economistas e os analistas. Formam-se verdades difíceis de serem contraditadas, verdades que são reais obstáculos para mudanças estruturais.

Nesta semana, li um artigo que, com dados reais, mostra a falácia que foi criada quanto á dívida pública e seu poder desestruturador da economia nacional. Não pretendo repeti-lo, nem tampouco defendê-lo, mas chamar a atenção de que, mesmo saindo em veículo de grande divulgação – Valor Econômico – praticamente foi ignorado pelos analistas de plantão.

Não se dignaram a se aprofundar nos argumentos, como o da Dívida brasileira ser fortemente lastreada em moeda nacional, ser comparável aos demais países em desenvolvimento, como ela ter caído no ano passado, como a necessidade da questão fiduciária, da confiança, tão relevante. Economia vive das expectativas dos agentes econômicos, da confiança que se tem no modelo que está sendo ou será implementado.

Passa quase despercebido que, em poucos dias, se avançou na pauta de costumes, no desvendar de atrocidades contra os povos originários, nas articulações internacionais, na busca de soluções para problemas estruturais. Sem dúvida, uma mudança de foco importante, uma perspectiva de sociedade menos excludente e mais harmônica. Mas o tema que vem dominando a grande imprensa, sempre presente, são as falas de nosso Presidente.

Vi sugestões de que devia se calar, que só devia dar declarações por escrito (evidentemente acreditam que não será ele a escrevê-las e que não aparecerão suas visões de mudanças e de sociedade). Tenho muitas dúvidas para não dizer que discordo.

Acho interessante: um Presidente que foi eleito com opiniões muito claras e posições bem definidas e agora querem calar. Respeito quem assim pensa, mas ouso discordar. Até o momento, foi coerente com seu discurso de campanha, com sua visão de mundo.

Ao eleger a questão dos juros e da atuação do órgão regulador como tema central de suas angústias para pôr em prática um projeto desenvolvimentista, está sendo coerente. Ao contrário do que jornalistas e economistas têm dito, não está achando uma justificativa a priori do possível, segundo eles, fraco desempenho neste ano, ao contrário, alerta de início para evitar que isso ocorra. Vê condições concretas de atração de investimentos e de diminuição da pobreza e desigualdades, caso se reverta.

Suas críticas ao Banco Central não me parecem pessoais. Acredito que respeita a Diretoria e seus componentes, enquanto técnicos e mesmo políticos, mas diverge profundamente dos caminhos que vêm seguindo. Não é porque foram escolhidos pelo Governo anterior, mas é pela linha teórica que assumem e os leva a medidas práticas contencionistas. Sua ortodoxia é patente. Questionável seria a dita independência, ou mesmo neutralidade, tendo em vista que o referencial os leva a um alinhamento direto com os interesses do mercado financeiro.

A fixação de uma meta de inflação de 3,5% ao ano é totalmente irreal, e motivo para justificar juros escorchantes e inviabilizadores de um sistema de crédito adequado a qualquer planejamento de desenvolvimento. Dizer que há constrangimento da oferta que pode levar à inflação de demanda, no mínimo é considerar que estamos num mercado sem nenhuma regulação estatal, o que contraria radicalmente a proposta atual da economia, e nega qualquer perspectiva de crescimento. Rever as metas inflacionárias finalmente entrou na agenda do Conselho Monetário Nacional.

A atual direção do Banco Central se pauta pela teoria monetária mais tradicional, vê na taxa de juros o único mecanismo de controle inflacionário e de intervenção na política cambial. Vê na Taxa Básica, a famosa Selic, mecanismo de refrear o processo econômico, e com isso diminuir a inflação. Neste caminho, chegamos à mais alta taxa real de juros básicos, descontando a inflação: 8% ao ano. Sem dizer que se retarda o processo de crescimento necessário para melhorar a atual situação de nossa sociedade.

Paraíso para os rentistas. Nada contra quem possui capital para aplicar e pode ter um rendimento mensal de mais de 1%. Mas o que o país precisa é de investimentos em infraestrutura e setores produtivos, o que o país precisa é de um novo ciclo de crescimento, de geração de emprego e renda. E isto, neste cenário, torna-se muito difícil.

Lembrando o que Schumpeter muito bem chamava à atenção, crédito é fundamental. Crédito para o consumo e resolução da grave crise de endividamento atual, mas principalmente crédito produtivo, que permita um “cluster” de investimento com novas tecnologias, que aumente nossa competitividade, e também, como Kalecki alertava, que gere emprego com a inserção de boa parte da população subempregada, que, ao gastar os seus vencimentos, gera um ciclo virtuoso de crescimento, inclusive com ganhos expressivos para o capital.

A atual direção do Banco Central, não por má fé ou ingenuidade, mas por discordar da linha teórica, por exemplo, da Nova Teoria Monetária, não tem nenhuma preocupação em orientar mecanismos que se direcionem a uma maior confiança no projeto exitoso das urnas. Ao contrário, age apenas com a orientação do mercado financeiro, que tem como preocupação apenas a margem de rentabilidade dos ativos intangíveis daquele mercado. Vê sua atuação no campo restrito da teoria monetária, sem articulá-lo aos anseios da sociedade brasileira.

Em síntese, os artigos e textos bem escritos que tenho lido não vão ao âmago da questão, atêm-se a dogmas que foram estabelecidos tendo por base premissas que a prática pode negar. A realidade é pouco analisada, e não são vistas evidências que, com outro marco referencial de análise, podem levar a resultados mais sólidos e consistentes.

Nesse sentido, o discurso direto do Presidente pode ser muito bem vindo, fazendo com que, desde o nascedouro do novo Governo, definam-se alicerces outros para uma política econômica que dê sustentação às propostas de campanha que foram vitoriosas. Desculpem os tradicionalistas, é hora de mudar a lógica da política monetária, fazendo com que se atrele a um projeto de Brasil que leve em consideração as reais dificuldades que sua população vem enfrentando.