Quando passou pelo Brasil, na semana passada, recebido com honras pelo presidente Lula da Silva, Nicolás Maduro afirmou que o seu regime bolivariano tinha realizado, ao longo de vinte e quatro anos, 29 eleições, das quais teria ganho 27. E concluiu que, portanto, a Venezuela era a maior democracia do mundo. Ao seu lado, Lula ouviu esta impertinência e completou dizendo que a Venezuela e Maduro eram vítimas de preconceito e de falsas narrativas. E que o ditador venezuelano deveria fazer um esforço para elaborar uma outra narrativa, contestando os fatos e as evidências contidas em relatórios e documentos de instituições isentas. O Conselho das Nações Unidas estima que, no auge da repressão à oposição, entre 2018 e 2019, mais de 7 mil pessoas foram vítimas de execuções extrajudiciais, na Venezuela. E em relatório recente, a Missão das Nações Unidas cita casos de torturas, espancamento, choque elétrico e asfixia, praticadas por agentes de segurança na repressão aos dissidentes políticos. E um documento do Human Rights Watch afirma que “o governo de Nicolás Maduro e suas forças de segurança são responsáveis por execuções extrajudiciais, desaparecimento forçado de curto prazo e prisão de oponentes, processos de civis em tribunais militares, torturas de detidos e repressão de protestos”.

Lula ignora estas denúncias, mostrando desprezo pelas instituições, porque ele acha que o governo da Venezuela é de esquerda (ninguém sabe que parâmetros utiliza para isto) e, sendo assim, ele tolera a violência e o autoritarismo do seu amigo no poder. Mais vale o discurso anti-imperialista de Maduro que os documentos e os depoimentos sobre a ditadura venezuelana. 

Se a simples realização de eleições fosse suficiente para definir uma democracia, o mundo seria quase um paraíso democrático, porque são muito poucos os países que não realizam algum tipo de consulta eleitoral (talvez as únicas exceções sejam as monarquias árabes). As eleições e, mais do que elas, as condições em que são realizadas, constituem apenas uma das variáveis de um regime democrático, que exige liberdades civis e liberdade de expressão,  imprensa livre, direito de organização e participação, e sistema de representação e eleição transparente. Combinando o desempenho diferenciado das nações em cinco grandes critérios – processo eleitoral e pluralismo, funcionamento do governo, participação política, cultura política e liberdades civis -o EIU- Economist Intelligence Unit constrói um Índice de democracia (Democracy Index), classificando os países em quatro categorias ou graus de democratização: democracia plena, democracia imperfeita, regime híbrido e regime autoritário. 

A Venezuela, que Lula considera um país democrático, foi classificado no index como um regime autoritário, situado em 147º lugar (de um total de 167 países analisados), na companhia nada honrosa do Iraque, do Irã, da Nicarágua, da Arábia Saudita, da Coreia do Norte e de dois países dos BRICS, China e Rússia. Apenas 24 dos países estudados são considerados democracia plena, quatro deles no continente americano, sendo que, além do Canadá, os outros três estão na América Latina: Uruguai, em 11º lugar, Costa Rica, em 17º, e Chile, em 19º (dados de 2021). Importante lembrar que os presidentes do Uruguai e do Chile, países com democracia plena, condenaram as declarações de Lula em defesa do regime autoritário de Maduro. 

Os Estados Unidos são classificados como democracia imperfeita, situados em 30º lugar no ranking, à frente do Brasil, que aparece em 51º (como o estudo é de 2021, provavelmente a posição do Brasil poderá melhorar um pouco na próxima avaliação), e incluindo mais dois países dos BRICS, Índia e África do Sul. No bloco de países classificados como regime híbrido (pior que democracia imperfeita mas não autoritário) aparecem a Ucrânia, em 87º lugar, a Turquia de Erdogan (em 103º) e grande parte dos países da América Latina, incluindo o México, Paraguai, Peru e Equador. 

De acordo com o estudo, a democracia brasileira ainda não é democracia plena. E, como é sabido, escapou, por muito pouco, de ser esmagada pela aventura golpista do ex-presidente Jair Bolsonaro, que levaria o Brasil a um regime semelhante ao de Maduro. Por isso, é lamentável e paradoxal que o presidente Lula, que ajudou a salvar a democracia brasileira, seja um defensor entusiasta da ditadura venezuelana, ignorando as denúncias de crimes políticos no país vizinho. Se o modelo de democracia de Lula é a Venezuela, os brasileiros têm motivos para se preocupar. Para ganhar a confiança dos brasileiros, ele deve parar com a propagação de narrativas falsas sobre a Venezuela. E, em vez disso, que siga os exemplos do Chile, do Uruguai e da Costa Rica, que se distanciam da ditadura venezuelana, e se empenhe em levar o Brasil à categoria de democracia plena.