O que explica o compromisso incondicional do presidente Lula da Silva com Vladimir Putin, a ponto de repetir impertinências e inverdades, desdizer-se e continuar falando tolices para defender o presidente da Rússia? Seria caso para cientista político, especialista em geopolítica, ou para psicanalista? Tudo indica que se trata, mesmo, de uma confusão ideológica contaminada por um anti-imperialismo primário, e pela ilusão de que o capitalismo selvagem e oligárquico da Rússia seria um modelo alternativo aos Estados Unidos e à social-democracia da Europa. Ao final da reunião de cúpula do G-20, Lula afirmou que não respeitaria a ordem de prisão de Putin emitida pelo Tribunal Penal Internacional (Tribunal de Haia, que teve adesão de 123 países de todos os continentes), que o condenou por crimes contra a humanidade. Lula assegurou a vinda dele ao Brasil para o próximo encontro do bloco, destacando que o companheiro Putin não seria preso.  “O que eu posso dizer é que, se eu for presidente do Brasil e se ele [Putin] for para o Brasil, não há porque ele ser preso”, disse o presidente. 

Quando foi informado de que não tinha poderes para decidir sobre uma ordem judicial do tribunal internacional, o presidente remendou, dizendo que a prisão de Putin dependia do Judiciário brasileiro. Mas, para afundar nas impropriedades, insinuou que iria rever a posição do Brasil em relação ao Tribunal Penal Internacional, questionando a adesão brasileira, assinada em 2002. Depois de dizer que ia estudar o assunto para avaliar a possibilidade de exclusão do Brasil do tribunal, Lula acrescentou: “Quero saber por que o Brasil virou signatário do tribunal que os EUA não aceitam. Por que somos inferiores e temos que aceitar?” Não, presidente, nós aceitamos, ao contrário dos Estados Unidos, da China e da Rússia, exatamente porque, neste aspecto, nós somos superiores, nós reconhecemos a importância de uma instituição internacional de julgamento de crimes contra a humanidade. E não tem nada a ver com soberania nacional. Trata-se de uma posição de repúdio do Brasil aos crimes contra a humanidade e, desta forma, a disposição de executar ordens de prisão emitidas pelo órgão internacional criado para analisar e julgar processos relativos ao tema. 

Para não pensarem que estas palavras são apenas incontinências verbais de Lula, o Ministro da Justiça, Flávio Dino, veio a público reforçar a fala do presidente, afirmando que o governo brasileiro pode, sim, rever a adesão ao Tribunal Penal Internacional. Lamentável que políticos que dizem defender direitos humanos cheguem a pensar num retrocesso deste. Com esta posição, orientada para defender o presidente russo, o Brasil arrisca juntar-se à péssima companhia do ditador da Coreia do Norte, Kim Jong Un, que, no encontro desta semana com Putin, expressou o “apoio total e incondicional” à Rússia por esta ter “se levantado contra as forças hegemônicas”.  O Brasil merece respeito, e companhias mais respeitáveis.