Gery Oldman no papel de Bethovven

Gery Oldman no papel de Bethovven

Em 7 de maio de 1824, há exatos 200 anos, Ludwig van Beethoven regeu – ao lado do maestro Michael Umlauf – a primeira apresentação de sua Nona Sinfonia, também conhecida como Sinfonia Coral, no Kärntnertortheater, em Viena. O público recebeu a obra com uma ovação e, de acordo com a história tradicional, o compositor surdo teve que se virar para encarar seu emocionado público ao final da obra. A Nona, desde então, passou a ocupar um lugar muito especial no coração dos amantes da música, sendo uma obra para festivais, para celebrações ou mesmo para assinalar ocasiões importantes. Seu poder nunca se arrefeceu e, recebendo uma execução de qualidade, sempre vai extasiar, emocionar e nos enriquecer.

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Cópia autografada por Beethoven do esboço da melodia da Ode à Alegria. Staatsbibliothek, Berlim.

“Fique de olho; um dia o mundo vai falar dele” – teria dito Mozart ao ouvir Beethoven então com 17 anos em certa ocasião. Pouco tempo depois, o jovem de Bonn seria convidado pelos círculos aristocráticos, onde a beleza e o virtuosismo de sua execução e suas proezas na composição atraíram vários patronos que depois se tornaram aficionados por sua música. Contudo, em 1802, percebeu que a crescente surdez iria se tornar total e, da aldeia de Heiligenstadt, escreveu uma carta detalhando seu desespero. Passada a crise, voltou determinado a “agarrar o destino pela garganta” e deflagrou um incrível período de criatividade que resultou em suas mais famosas obras. Em 1812 teve novo acesso de depressão e isolamento e um lapso de criatividade, mas seus últimos anos, mais resignados, trouxeram de volta sua música mais espiritual e exaltada. Nessa atmosfera, três anos antes de falecer, Beethoven presenteou a humanidade com sua última e revolucionária sinfonia.

Possivelmente o maior ícone da música ocidental, a Coral continua sendo um colosso, parâmetro para todas as sinfonias subsequentes. Tendo a princípio planejado musicar a Ode à Alegria, de Friedrich Schiller, em 1793, Beethoven acabou sendo contratado para escrever a obra em 1822 pela London Philharmonic Society. A Nona tem quatro movimentos, trazendo o primeiro – Allegro ma non troppo, un poco maestoso – uma abertura misteriosa, e introduzindo em seguida um estilo de sonata impetuoso e sombrio. Entre muitas surpresas, chama atenção a repetição “fortissimo” dos compassos de abertura em tom maior na recapitulação:

No segundo movimento – Molto vivace – Beethoven cria uma passagem em grande escala a partir de um material aparentemente econômico, mas pujante. Depois de experimentar o efeito dos tímpanos no seu concerto para violino e no quinto concerto para piano, conhecido como “Imperador”, aqui confere a eles um papel mais grandioso:

O terceiro movimento expressa um sublime adágio – Adagio molto e cantabile – que consiste na verdade de duas séries de variações sobre dois temas alternados. Duas suspensões inesperadas para a nova trompa com válvulas, à época, surgem perto do fim:

Finalmente, o glorioso e famoso quarto movimento – Presto, alegro – expõe fragmentos de movimentos anteriores, que são percebidos antes de instrumentos, e depois vozes, entoarem a Ode à Alegria de Schiller, celebrando a fraternidade universal da espécie humana. O acréscimo de um coral numa sinfonia era até então inédito:

O impacto das sinfonias de Beethoven, em particular da Nona, sobre gerações subsequentes de compositores tem sido imenso – como atesta os mais renomados especialistas no mestre de Bonn, como Nicholas Marston, da Universidade de Bristol. Cada sinfonista, de Schubert em diante, teve de enfrentar e render ao aparentemente inesgotável legado dessas nove composições. Para Mendelssohn, a imponência da Sinfonia Coral suscitou diretamente o Hino de Louvor em sua própria Segunda Sinfonia. A abertura da Nona exerceu uma profunda influência sobre Bruckner, e toda a obra parecia a Wagner um marco da etapa entre a música instrumental sem palavras e sua concepção de drama musical. Também para ele a necessidade de acrescentar vozes no final da Nona confirmou seu ponto de vista da supremacia da música vocal. 

Mahler, por sua vez, tomou a vastidão cósmica da Coral como ponto de partida para muitas de suas sinfonias – registrou Barry Cooper, da Universidade de Manchester, em seu Compêndio (Jorge Zahar, 1996). Na Inglaterra, no século XX, Robert Simpson ilustrou repetidamente seu débito para com Beethoven, tanto em palavras quanto na música de suas próprias nove sinfonias, e a Terceira Sinfonia de Tippett não só faz uso da voz humana em seu movimento final como também cita e desenvolve material da Nona de Beethoven.

Seria difícil exagerar quanto à importância das sinfonias de Beethoven, seja em relação ao restante de sua produção ou em relação à história subsequente da música. Para muitos ouvintes, as sinfonias representam a quintessência de Beethoven. Para se ter do peso da Nona sobre a cultura ocidental, desde 1985, a sua Ode à Alegria se tornou o hino oficial da União Europeia. Antes disso, a composição de Beethoven foi determinante para o tamanho do CD. O Compact Disc Digital Audio passou a ter 74 minutos porque Norio Ohga, cantor de ópera que chegou a ser presidente da Sony nos anos 1980, afirmou que o formato do CD deveria ser capaz de tocara a sinfonia inteira.

A emocionante cena final do filme “Minha amada imortal” – produzido por Bernard Rose em 1994 – consegue transmitir a força dessa música. Nela Beethoven, no grau mais avançado de surdez, primorosamente interpretado por Gary Oldman, acompanha a estreia da Nona Sinfonia, enquanto revive mentalmente os momentos mais marcantes de sua infância, que se refletiram por toda a sua vida: