Sedução

Sedução

O segredo das relações humanas está nas nuances, na sutileza dos sinais e suas interpretações, nem sempre muito claras. São estas nuances que permitem distinguir a sedução do assédio e, mais ainda, da importunação sexual, esta sim sem nenhuma sutileza. As acusações que estão sendo feitas ao ex-ministro Silvio Almeida vão da agressão pura e simples, pegar nas pernas e nas partes íntimas da mulher sentada ao lado num jantar ou reunião, à troca de nota das ex-alunas por encontros sexuais. É mais que assédio, não tem qualquer sutileza, não contém sequer nuances, é grosseiro e humilhante, pode ser chamado de importunação sexual, mas constitui, de fato, uma agressão física com motivação sexual, um descontrole do impulso machista. 

O fato de o agressor ser Silvio Almeida, um homem muito respeitado pelo seu engajamento nos direitos humanos, mais diretamente, envolvido na questão da discriminação racial, gerou reações de defesa e questionamentos do processo de condenação moral. Um massacre do movimento “Me Too Brasil”, segundo o jornalista Reinaldo Azevedo, que abriu uma nova discussão política sobre o tema. O jornalista Reinaldo Azevedo comenta em artigo que “ou bem a gente começa a pensar a respeito de certas práticas, ou bem se cria um novo tribunal no Brasil, composto por membros dessa ONG, que poderia ser batizado de STES: Supremo Tribunal de Execução Sumária”. E não faltou quem considerasse que o racismo tivesse levado a uma condenação fulminante de Silvio Almeida, “à abominação perpétua e irrevogável de um homem, um homem negro brilhante, devotado à luta antirracista”, como escreveu o sociólogo Luís Eduardo Soares. 

Faltam provas, mas sobram testemunhos (maioria anônimos) do comportamento desrespeitoso e agressivo de Silvio Almeida com as mulheres, mas é inaceitável essa “abominação perpétua” do ex-ministro, de que fala Soares. Mas não pela sua condição de negro e de respeitado defensor dos direitos humanos e combatente da discriminação racial, qualidades que não lhe concedem privilégios no julgamento e condenação. Da mesma forma que ele não deve ser vítima da execração pública para compensar sua agressão às mulheres vítimas, ele não pode ser protegido pela sua condição e suas posições políticas. Na verdade, a crítica à condenação moral por um “tribunal de execução sumária”, referido por Reinaldo Azevedo, vale, em princípio, para grande parte da reação dos grupos identitários, inclusive dos movimentos negros, a qualquer suspeita de atitudes “politicamente incorretas”, independentemente da cor e da orientação política do acusado. 

É necessário, por outro lado, distinguir o assédio e a importunação sexual do processo de sedução – processo porque não é brusco e grosseiro – como sinalizações que constroem uma relação sensual e amorosa entre duas pessoas. Há uma enorme diferença entre as agressões de que tem sido acusado Silvio Almeida e um sutil olhar para a jovem ao lado acompanhado de uma frase elegante como “você é muito bonita, sabia”? eventualmente até reforçada por um leve toque de mão. Não é importunação nem abuso sexual nem mesmo um assédio, no sentido de utilização do poder e a hierarquia para forçar uma relação, é um elogio e não tem por que incomodar. Trata-se de um galanteio que pode ser entendido como uma primeira sinalização de sedução, com todas as nuances de interpretação de parte da jovem. Da sua parte, bastaria um delicado e curto “obrigado” que, dependendo da entonação, pode sugerir a interrupção do movimento de sedução ou abrir caminho para o aprofundamento da relação. Ora, se o galanteador não entender a nuance da reação da jovem ou, o que é mais grave, não aceitar e forçar um novo movimento, aí, sim, estaria entrando no terreno perigoso do assédio ou mesmo da grosseira importunação sexual. 

No jogo de sedução, os limites podem ser tênues e imprecisos até que seja sinalizada, com gestos ou palavras, a clara recusa ao galanteio. E como envolve, além do mais, a interpretação, de parte a parte, dos sinais que são emitidos. A sedução utiliza uma linguagem refinada dos sinais e gestos, dos olhares e movimentos do corpo como substituto ou complemento da mensagem falada e escrita, incluindo as entonações. Sinais que podem reforçar ou moderar o conteúdo das palavras ou mesmo conferir nuance que, no limite, podem significar até o seu contrário. Os sinais e movimentos do corpo, com ou sem palavras, são componentes fundamentais da comunicação e, mais ainda, do processo de sedução que leva ao amor, podendo transmitir sensualidade e romantismo. O tribunal de exceção do politicamente correto, pretendendo moderar os crimes sexuais, pode criar um ambiente social de restrição e condenação do elegante jogo de sedução que constitui parte essencial do relacionamento humano e, principalmente, da aproximação sensual das pessoas.