Depois de anos contemporizando com o autoritarismo e a violência política dos governos da Venezuela e da Nicarágua, o presidente Lula da Silva decidiu agora afastar-se, quase uma ruptura, de Nicolás Maduro e de Daniel Ortega. A fraude eleitoral na Venezuela, evidenciada pela incapacidade de apresentação das atas das urnas e pela perseguição à oposição, e a repressão violenta na Nicarágua, incluindo prisão de líderes religiosos, devem ter alertado Lula que não se pode tolerar uma ditadura pelo simples fato de os seus governantes se apresentarem como esquerda e inimigos dos Estados Unidos. Foi preciso mais do que isso. Em alguns momentos, palavras e gestos, os dois governantes mostraram desprezo, e até agrediram o Brasil e o presidente brasileiro. Ortega expulsou o embaixador brasileiro na Nicaragua porque ele se recusou a participar de um evento de demonstração de poder do governo autoritário e repressivo. E Maduro, por mais uma vez, foi grosseiro e indelicado com o presidente do Brasil que, durante anos, comprometeu sua imagem internacional na defesa do regime bolivariano. Recentemente, ele disse que a nota do governo brasileiro comentando o processo eleitoral venezuelano teria sido escrita pelo Serviço Secreto dos Estados Unidos, complementado, nestes dias, pelo chefe do Ministério Público venezuelano, Tarek Saab, segundo o qual Lula seria um agente de CIA.
Como desdobramento de uma relação desgastante, Lula vetou agora a entrada da Venezuela e da Nicarágua nos BRICS, contrapondo-se diretamente à proposta apresentada pelo presidente Vladimir Putin. Num aglomerado de países com predominância de regimes autoritários, o presidente brasileiro conseguiu impor a sua vontade, evitando a entrada no bloco de mais duas ditaduras. Com isso, mesmo tardiamente, Lula mostra seu compromisso com o sistema democrático e sinaliza para uma política externa menos contaminada pelas suas simpatias ideológicas.
Essa simpatia ideológica continua, contudo, presente nos seus pronunciamentos, quando trata de temas sensíveis ao seu amigo Vladimir Putin. No mesmo discurso no evento dos BRICS, Lula foi extremamente duro quando tratou da violência de Israel em Gaza e no Líbano, da insensatez de Israel (mesmo sem citar o país), mas aliviou, ao fazer referência à Ucrânia, defendendo negociações para acabar com “conflito entre Ucrânia e Rússia”. Não, presidente, não se trata de um conflito entre dois países, o que houve foi uma invasão da Ucrânia pelo exército russo, que ocupa cerca de 25% do território ucraniano e continua bombardeando o país. Lula ainda precisa avançar, mas deu um passo importante para fugir de posições ideológicas na política externa, quando se afastou de Maduro e Ortega.
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