Os intelectuais e políticos passam a vida fazendo longos discursos e escrevendo longos textos, mas o grande público acaba guardando apenas uma ou duas frases simbólicas, negadas por eles ou das quais não se lembram. Frases geralmente fora de contexto, mas imortalizadas por terem sido consideradas como previsões, vaticínios ou profecias. E para quem sabe antecipar o futuro existe um enorme público de curiosos.
É o caso do francês André Malraux, escritor, combatente contra o nazismo alemão durante a Ocupação da França e político francês, conhecido por seu livro A Condição Humana, por ter lançado as bases da política cultural francesa, logo depois da Segunda Guerra Mundial, e como ministro da Cultura.
Muitos atuais universitários não tiveram tempo para ler
A Condição Humana, A Esperança ou Os Conquistadores mas conhecem ou já ouviram falar da frase “O século XXI será religioso ou não será”. Existe um grande debate sobre essa frase, que o próprio Malraux nega ter pronunciado, embora muitos seus contemporâneos garantam ter ouvido. Alguns imaginam ter sido uma versão paralela como “O grande problema do século XXI será religioso”.
Em todo caso, embora a religião em si não seja o centro dos problemas mundiais atuais, ela está presente nas guerras no Oriente Médio e, nas Américas, ela tem a força de decidir o resultado das eleições.
Me lembrei dessa frase apócrifa ou não de Malraux ao ouvir uma entrevista de Guilherme Boulos para Mônica Bérgamo, da Folha de São Paulo, logo depois de sua derrota para a Prefeitura de São Paulo. Nela, ele dizia textualmente “O risco é o do Brasil se tornar um Irã no sentido cultural e social com o domínio do fundamentalismo monolítico e virar politicamente um México pelos crimes, cartéis da política e assassinatos de gente da política”.
É interessante notar ter havido só essa frase sobre o fundamentalismo monolítico cultural e social iraniano, numa entrevista de quase uma hora. Boulos procurava explicar o porquê da derrota frente a um extrema direita em expansão: “a extrema direita está construindo uma hegemonia de pensamento nos setores populares conquistando setores que já foram da esquerda. Deixando uma sociedade de conquista de direitos por uma sociedade de cada um por si”.
Ou seja, Boulos apontou o fundamentalismo monolítico cultural e social, entrando nos setores populares da esquerda, sem nomeá-lo abertamente. Esse crescimento da extrema direita faz o povo ignorar “minha casa minha vida, mais empregos, crescimento econômico do país com redução das diferenças sociais”.
Preferiu fazer referência ao Irã, por saber estar num terreno minado, não sabendo se uma referência clara e direta poderia ser negativa e contraproducente. E acentuou ser necessário reagir nas redes sociais e nas ruas, para evitar o avanço da extrema direita.
Mas afinal o que é esse fundamentalismo monolítico cultural e social, cujo nome não foi pronunciado? Os evangélicos, aos quais Lula acaba de fazer um aceno com a criação do Dia Nacional da Música Gospel, no dia 9 de julho. Os partidos de esquerda ainda não conseguiram encontrar o equivalente para contrabalançar a influência e penetração das igrejas e congregações evangélicas nas camadas pobres da população substituindo o discurso das conquistas sociais pelas promessas bíblicas de melhor vida depois da morte.
E aí surge outro visionário como Malraux, que teria previsto o retorno em força do islamismo e sua influência sobre a própria esquerda. Trata-se do ex-governador do Rio de Janeiro e ex-candidato à Presidência, Leonel Brizola.
Brizola também teve sua frase, hoje atual e profética na época: “Se os evangélicos entrarem na política, o Brasil irá para o fundo do poço, o país retrocederá vergonhosamente”. Como a frase de Malraux, existem dúvidas quanto à origem da frase, mas Brizola, embora não praticante, era de origem metodista.
Uma reportagem do Jornal do Brasil, publicada em 8 de setembro de 1990, tem por título “Brizola cobra coerência de evangélicos”. Brizola rompeu com Garotinho, evangélico presbiteriano governador do Rio e criticou a participação de pastores evangélicos no seu governo e na equipe da vice-governadora Benedita da Silva, evangélica da Assembleia de Deus.
O crescimento em número e em influência dos evangélicos conteve o deputado federal Psol Guilherme Boulos na análise de sua derrota à Prefeitura e da perda de força da esquerda. Por enquanto, ao que se saiba, nem o PT e nem a esquerda em geral encontraram um antídoto para deter o crescimento da extrema direita apoiada nos evangélicos.
Nem o articulista