Dois anos depois da mais grave agressão à democracia brasileira, com a invasão e o vandalismo nos imóveis que sintetizam a República – Palácio do Governo, Congresso Nacional e Supremo Tribunal Federal – o sistema democrático resistiu e as instituições democráticas do Brasil estão vivas. Os eventos violentos de 8 de janeiro de 2022 foram os últimos de uma sucessão de planos conspirativos para quebrar as regras constitucionais e impedir a posse de Lula da Silva, eleito presidente da República em pleito livre, democrático e seguro. Já desde a campanha eleitoral, o então candidato à reeleição, Jair Bolsonaro, promoveu uma intensa campanha de desmoralização das urnas eletrônicas, com a intenção clara de justificar uma virada de mesa, no caso de derrota. Apostou no apoio das Forças Armadas para a decretação do Estado de Defesa, sem nenhum indício de insegurança política, o que lhe permitiria intervir no STF e suspender as eleições alegando fraude, enquanto, em setores médios do Exército, um grupo de elite intitulado “Kid Pretos” traçou um plano diabólico para assassinar os eleitos (presidente e vice-presidente) e o juiz Alexandre de Moraes, do STF-Supremo Tribunal Federal, criando uma comoção social que abriria o caminho para o golpe. O fracasso das tentativas golpistas levou à prisão de centenas de invasores das instituições da Praça dos Três Poderes e, mais tarde, de generais de alta patente envolvidos na mobilização das tropas para rasgar a Constituição.
Analisando as características e os fracassos destes planos e iniciativas golpistas, o editorial desta Revista publicado em 29/11 suspirava de alívio ao perceber que a democracia brasileira tinha sobrevivido por muito pouco. Entre os fatores que esvaziaram o movimento golpista, o editorial lembrava o recado firme e direto do presidente Joe Biden, dos Estados Unidos, exigindo respeito aos resultados eleitorais e rejeitando quebra das normas constitucionais do Brasil. E se apressou a reconhecer a vitória de Lula e parabenizar o novo presidente eleito do Brasil. Todo o contrário da posição do governo dos Estados Unidos, em 1964, dando apoio e participando das articulações do golpe militar que derrubou o presidente João Goulart. E se o presidente dos Estados Unidos fosse Donald Trump? Seguramente, Bolsonaro teria contado com o suporte político e diplomático dos Estados Unidos para ignorar as eleições e impedir a posse do presidente eleito, como o próprio Trump tentou, dois anos antes, com a incitação à invasão do Capitólio.
Não foi só Biden que deteve o golpe, claro. Não existia uma comoção social no país que facilitasse as articulações dos bolsonaristas nas Forças Armadas, e Lula já tinha demonstrado, em dois mandatos presidenciais, respeito às instituições e às Forças Armadas e à condução do Brasil sem percalços ou riscos políticos e sociais. Nenhum militar sério e devidamente informado via Lula como um perigoso revolucionário ou comunista, como afirmam os delirantes bolsonaristas. A democracia foi salva também porque no alto comando do Exército e da Aeronáutica estão generais comprometidos com as regras democráticas e com o respeito à Constituição.
Os golpistas estão presos e, provavelmente, o próprio Bolsonaro pode ser processado e preso. A polarização e o fanatismo político persistem no Brasil, e podem se intensificar na medida em que se aproximam as eleições presidenciais. Mas o que torna a democracia brasileira vulnerável é a posse do Donald Trump, no próximo dia 20 deste mês, como presidente da maior potência econômica e militar do planeta, um político sem escrúpulos e com total desprezo pela democracia, um grande aliado de Jair Bolsonaro. Sim, a democracia brasileira ainda corre riscos. E a principal ameaça vem dos Estados Unidos, sobre a qual não temos controle. Diante disto, nos resta alimentar o sentimento democrático na sociedade e fortalecer as instituições que configuram a democracia brasileira.
Artigo muito oportuno, mas esquece as ameaças internas em uma democracia que depois de 40 anos ainda não enfrentou a questão militar, não erradicou o analfabetismo, mantém a concentração de renda e aumentou os privilégios e mordomias, generalizaou a corrupção, não formulou nem iniciou estratégia para a abolição da apartação e da pobreza, não implantou um sistema nacional de educação de base com qualidade e equidade. Quase meio século de democracia e nossas FFAA ainda se consideram e são tratadas como instituição separada do poder civil, e nossos políticos civis sr apropriam dos recursos públicos. Antes de cair por forças externas, a democracia apodrece por dentro, inclusive porque muitos democratas consideram que alertas como esta devem ser evitadas.
Editorial perfeito para a situação. Em qualquer jornal ou revista o Editorial reflete a posição dos controladores, e é sempre sobre um tema específico mais relevante no momento. E tem que ser curto. Comentar as obras de arte restauradas o tornaria longo demais. Escrever Editorial é tarefa difícil. Este Editorial da “Será?”, como Editorial, está longo, mesmo sem ter frase desnecessária. Não é, nem deve ser, como um artigo que trata de todos os males da República ao longo da história. Quem já trabalhou em jornal sabe bem a diferença entre um artigo publicado e o Editorial. E o público, se não sabe, deveria aprender para avaliar o papel do jornalismo.
Muito bem dito, Helga. Concordo integralmente.